Não há de faltar música! A musicalidade
permeia e invade as ruas no Carnaval. O povo declara um armistício (suspender a
luta). Bandeira branca por alguns dias. Há quem descanse, há quem se canse e
alega que dançar é um cansaço que descansa... Vai entender!
Homens
e mulheres em arrastões de alegria, cujas faces se revestem pela fantasia, o
disfarce, seguem perfilados pelo poder rítmico de tamborins, surdos e agogôs.
Banho de suor e adrenalina jogando para o alto as preocupações de até ontem,
adiadas para o dia seguinte do encerramento da folia. Há excessos que precisam
ser rechaçados (ver LE q. 713) e surgem onde se aglomera a raça humana, mas
muitas lições podem ser pinçadas desses dias atípicos.
Salvo
outras interpretações possíveis, esses folguedos retratam os medos, as
ambições, as contradições, a politização, a religiosidade da própria sociedade.
O que sai desse contexto não é resultado de uma invasão alienígena.
Simplesmente se abre um portal de expressão e um manancial de emoções explode
qual um vulcão que se mantinha silencioso e resolve jogar o fogo que fervilhava
apesar de oculto. O cortejo que vemos em permitida transformação mascarada é o
grupo de pessoas que vemos ocupando os ônibus, metrôs e empresas, responsáveis
pelas rotinas de trabalho ou do desemprego que assola o país. Ninguém
diferente. Nem sempre podem se expressar senão nesses momentos
passageiros.
Das
ruas nasce o anseio do povo e o grito que a surdez do poder se nega em ouvir.
Surge a irreverência dos silenciados. Exalta-se o apelo dos desabrigados.
Rompe-se com o respeito imposto. Quebra-se o pudor das etiquetas. Rumores que,
se fossem escutados de forma sincera por quem de direito, formariam os
programas de atenção e cuidados para todos os outros dias em que estivesse
cessada a balbúrdia da multidão em festa. As manifestações que eclodem são
frutos das devastações sociais e espirituais em que estamos mergulhados e sua
eclosão nada mais representa que um pedido de socorro com a finalidade de
alcançarmos um dia, quem sabe, uma forma de alegria mais genuína e certamente
mais sutil.
Os
povos que mais evoluem são aqueles que aprendem a retirar do contexto de
palavras e imagens, aquilo que não está dito nem visto, mas reveste a lógica
essencial das manifestações instintivas dos aglomerados humanos. Em sua
caminhada semeando a esperança e a paz, Jesus entrava e saía de todos os
ambientes e conversava com quem se aproximasse Dele. Jamais criou obstáculos a
ouvir os clamores dos deserdados da sorte, mas também via sofrimento na face
prepotente dos potentados que tremiam de ódio ante a autoridade plácida que
lhes impunha apenas com o olhar. Sua atitude diante multidão passava longe da
intimidação e do julgamento superficial, senão do acolhimento à dor invisível
de cada coração que sangrava pelos grilhões da ignorância.
Nesse
Carnaval, abramos o coração. As pessoas choram e sofrem apesar do disfarce de
arlequim, com o riso escancarado. Jesus o faria se aqui estivesse. Pintaria o
rosto de negro, verteria sangue índio e se corporificaria mulher, se necessário
fosse, para chamar a nossa atenção ao necessário ajuste de atitudes para
verdadeiramente segui-lo independente da cor da pele, da conta bancária, do
gênero sexual e dos credos. Tomando-nos a todos como irmãos.
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