Pular para o conteúdo principal

ADOLESCENTE E VESTIBULAR





 
Como os adolescentes costumam se sentir quando não passam no vestibular e precisam ingressar em um cursinho pré-vestibular?

A cultura contemporânea do descartável incentiva diuturnamente comportamentos como a competitividade, a pressa, a praticidade e a obtenção imediata dos bens que, supostamente, trariam conforto e felicidade. Não passar no vestibular, para o adolescente que se esforçou, pode trazer imensa frustração e profundo sofrimento. As supostas “derrotas” podem assumir uma dimensão subjetiva tão expressiva a ponto de desencadear isolamento social, distorções depreciativas da autoimagem, enfermidades e/ou transtornos mentais como a depressão. O sofrimento decorrente das derrotas depende em boa parte dos diálogos internos que o adolescente alimenta, e essa “leitura” por muitas vezes se torna um marco, saudável ou não, que influencia as próximas experiências de vida.


Como o adolescente deve interpretar a situação para não ter esses sentimentos de fracasso?

O adolescente pode reconhecer que o vestibular não avalia as capacidades, os talentos e as inteligências múltiplas dos indivíduos testados. Portanto, não passar em um “teste” restrito não deve afetar a imagem do adolescente como um todo. Costumo dizer para os meus pacientes adolescentes que chegam ao consultório frustrados ou deprimidos “Não entre em estado de fusão com o resultado”. As diversas inteligências (lógico-matemática, linguística, emocional, musical, espacial, corporal-cinestésica, intrapessoal, interpessoal, existencial, entre outras) não são objetos que possam ser quantificados, mas potenciais ativados conforme as oportunidades oferecidas pela cultura e as decisões pessoais de investimento. A despeito do vestibular não investigar propriamente tal conjunto de fatores, o formato atual de avaliação é o que dispomos no momento e assim, o adolescente pode objetivamente encarar o desafio com uma consciência ampliada que o protege da ansiedade e favorece uma performance melhor a partir da tranquilidade.

 Que benefícios os jovens podem ter cursando um cursinho pré-vestibular e “atrasando” seu ingresso na universidade? De que maneira essa “derrota” pode contribuir para o crescimento do jovem estudante?

·       Todas as experiências que atravessamos ampliam nosso repertório de vida e com isso as habilidades para lidarmos com adversidades. Relacionei uma síntese dos exemplos práticos de adolescentes que cresceram e se desenvolveram psicologicamente com base nos aprendizados adquiridos em suas experiências inicialmente frustrantes relacionadas à derrota.
·       Aceitar que você errou ou foi derrotado não é uma fraqueza. Ao contrário, é um ato de coragem a favor da integração (do latin integrare: tornar-se inteiro) que pode fortalecer o caráter e a disposição para seguir em frente.
·       O princípio da impermanência (tudo se encontra em movimento e transformação) se mostra em todo o Universo, do micro ao macrocosmo. Ainda que o sofrimento da derrota pareça permanente, lembre-se que esse estado também será passageiro. Pensar sobre novos caminhos para superação e focar o seu investimento no cursinho ou estudo disciplinado abreviarão o sofrimento.
·       As derrotas abrem portas para aquisição de conhecimentos relativos as variáveis que não foram consideradas anteriormente. Os conhecimentos adquiridos com a derrota não são restritos ao momento e beneficiarão também outros domínios da vida. Assim, a derrota pode ser apenas parte de uma história de conquista.
·       A disponibilidade ao aprendizado confere um estado de ânimo saudável e desconstrói a autovitimização, que só leva ao sofrimento. O que você diz para si e para os outros sobre o que ocorreu pode tanto aliviar como exacerbar o sofrimento. A fixação em diálogos internos do tipo “Isso é injusto” ou “Não poderia ter acontecido comigo” dificulta a recuperação e favorece a continuidade da dor. Assumir a responsabilidade em relação ao que você pode fazer agora traz de volta o controle para suas mãos e a capacidade para seguir em frente.
·       As neurociências mostram que lembrar compreende a reconstrução de informações coerentes por meio de fragmentos disponíveis de modo que o conjunto faça sentido. Assim, o passado é flexível e modifica-se com novas interpretações das recordações e reexplicações do que aconteceu. Se você buscar pelo menos um aprendizado advindo da derrota o sentido da sua história modificará para melhor. O psiquismo é ágil e tal agilidade pode ser orientada a favor do bem-estar.
·       A superação de uma derrota ou frustração está diretamente relacionada ao que a Psicologia chama de Aprendizado de Extinção: o adolescente estabelece uma nova hierarquia de respostas num processo ativo de aprendizado. Assim, as novas associações construídas substituem aquelas que geravam o sofrimento decorrente da derrota.
·       Criar alianças de aprendizado com as adversidades predispõe e favorece a superação psicológica. De fato, as dificuldades perdem força à medida que o aprendizado por elas trazido for absorvido. O repertório de aprendizados decorrentes de uma derrota pode trazer uma qualidade de vida superior a que você tinha antes mesmo da derrota acontecer.
·       A maturidade se relaciona indiretamente com o passar do tempo e diretamente com o aprendizado que as experiências trouxeram. Conforme traduz o provérbio oriental “Saber e não fazer, ainda não é saber”. As lições trazidas pelas derrotas tornam o adolescente mais maduro e portanto, com mais recursos para concretizar o objetivo de passar no vestibular.
·       As derrotas, quando bem elaboradas, favorecem a geração de novos objetivos e estratégias para atingi-los. É preciso buscar novos significados para a superação da frustração e alcance do objetivo. Demarcar precisamente o objetivo e o estado desejado despertam a motivação e o investimento da energia na direção certa, sem desgaste com o sofrimento.
·       Nossos estudos com neuroimagem mostraram o que acontece no cérebro das pessoas que aprenderam com seus sofrimentos. Novas classificações e traços de memória se formam no cérebro, substituindo as conexões neurais anteriores envolvidas com o sofrimento. Essa evidência reforça a importância de aprender com a dificuldade em vez de sucumbir a ela.

Enfim, por que precisar fazer cursinho não é “o fim do mundo”?

Erros e acertos, assim como as frustrações fazem parte do processo natural de aprendizado que permeia todas as fases do desenvolvimento humano. Todos nós erramos e acertamos no passado e isso continuará acontecendo ao longo da vida. Continuar o enfrentamento do dia-a-dia com o repertório cada vez mais lapidado é um preditivo para construção da vida saudável e harmoniosa.

Como os pais devem lidar com essa situação na vida dos filhos?

O suporte afetivo é fundamental a partir de gestos verdadeiros como estar ao lado, abraçar, ou mesmo chorar ao lado. Quando o adolescente sofre o impacto da frustração os pais não devem falar muito. A empatia inicial com o sofrimento é importante para o adolescente se sentir amparado e compreendido na sua dor. Depois desta primeira etapa, o diálogo pode iniciar. Assim como a perda de um ente querido dispara um processo de luto, que é necessário, natural e saudável, o adolescente deve atravessar a dor emocional para então sair dela. Em meu consultório oriento os pais a não tentarem fazer de conta que nada aconteceu, ou a “simplificarem” o sofrimento. Quando isso acontece, o adolescente carrega a angústia da frustração não processada devidamente afetando o seu desempenho futuro.


fonte: http://www.julioperes.com.br/adolescente-e-o-vestibular/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

A PIOR PROVA: RIQUEZA OU POBREZA?

  Por Ana Cláudia Laurindo Será a riqueza uma prova terrível? A maioria dos espíritas responderá que sim e ainda encontrará no Evangelho Segundo o Espiritismo a sustentação necessária para esta afirmação. Eis a necessidade de evoluir pensamentos e reflexões.

ESPÍRITISMO E CRISTIANISMO (*)

    Por Américo Nunes Domingos Filho De vez em quando, surgem algumas publicações sem entendimento com a codificação espírita, clamando que a Doutrina Espírita nada tem a ver com o Cristianismo. Quando esse pensamento emerge de grupos religiosos dogmáticos e intolerantes, até entendemos; contudo, chama mais a atenção quando a fonte original se intitula espiritista. Interessante afirmar, principalmente, para os versados nos textos de “O Novo Testamento” que o Cristo não faz acepção de pessoas, não lhe importando o movimento religioso que o segue, mas, sim, o fato de que onde estiverem dois ou três reunidos em seu nome ele estará no meio deles (Mateus XVIII:20). Portanto, o que caracteriza ser cristão é o lance de alguém estar junto de outrem, todos sintonizados com Jesus e, principalmente, praticando seus ensinamentos. A caridade legítima foi exemplificada pelo Cristo, fazendo do amor ao semelhante um impositivo maior para que a centelha divina em nós, o chamado “Reino de...

“BANDIDO MORTO” É CRIME A MAIS

  Imagens da internet    Por Jorge Luiz   A sombra que há em mim          O Espírito Joanna de Ângelis, estudando o Espírito encarnado à luz da psicologia junguiana, considera que a sociedade moderna atinge sua culminância na desídia do homem consigo mesmo, que se enfraquece tanto pelos excessos quanto pelos desejos absurdos. Ao se curvar à sombra da insensatez, o indivíduo negligencia a ética, que é o alicerce da paz. O resultado é a anarquia destrutiva, uma tirania do desconcerto que visa apagar as memórias morais do passado. Os líderes desse movimento são vultos imaturos e alucinados, movidos por oportunismo e avidez.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

O CORDEIRO SILENCIADO: AS TEOLOGIAS QUE ABENÇOARAM O MASSACRE DO ALEMÃO.

  Imagem capa da obra Fe e Fuzíl de Bruno Manso   Por Jorge Luiz O Choque da Contradição As comunidades do Complexo do Alemão e Penha, no Estado do Rio de Janeiro, presenciaram uma megaoperação, como define o Governador Cláudio Castro, iniciada na madrugada de 28/10, contra o Comando Vermelho. A ação, que contou com 2.500 homens da polícia militar e civil, culminou com 117 mortos, considerados suspeitos, e 4 policiais. Na manhã seguinte, 29/10, os moradores adentraram a zona de mata e começaram a recolher os corpos abandonados pelas polícias, reunindo-os na Praça São Lucas, na Penha, no centro da comunidade. Cenas dantescas se seguiram, com relatos de corpos sem cabeça e desfigurados.

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...