sexta-feira, 10 de maio de 2019

ADOLESCENTE E VESTIBULAR





 
Como os adolescentes costumam se sentir quando não passam no vestibular e precisam ingressar em um cursinho pré-vestibular?

A cultura contemporânea do descartável incentiva diuturnamente comportamentos como a competitividade, a pressa, a praticidade e a obtenção imediata dos bens que, supostamente, trariam conforto e felicidade. Não passar no vestibular, para o adolescente que se esforçou, pode trazer imensa frustração e profundo sofrimento. As supostas “derrotas” podem assumir uma dimensão subjetiva tão expressiva a ponto de desencadear isolamento social, distorções depreciativas da autoimagem, enfermidades e/ou transtornos mentais como a depressão. O sofrimento decorrente das derrotas depende em boa parte dos diálogos internos que o adolescente alimenta, e essa “leitura” por muitas vezes se torna um marco, saudável ou não, que influencia as próximas experiências de vida.


Como o adolescente deve interpretar a situação para não ter esses sentimentos de fracasso?

O adolescente pode reconhecer que o vestibular não avalia as capacidades, os talentos e as inteligências múltiplas dos indivíduos testados. Portanto, não passar em um “teste” restrito não deve afetar a imagem do adolescente como um todo. Costumo dizer para os meus pacientes adolescentes que chegam ao consultório frustrados ou deprimidos “Não entre em estado de fusão com o resultado”. As diversas inteligências (lógico-matemática, linguística, emocional, musical, espacial, corporal-cinestésica, intrapessoal, interpessoal, existencial, entre outras) não são objetos que possam ser quantificados, mas potenciais ativados conforme as oportunidades oferecidas pela cultura e as decisões pessoais de investimento. A despeito do vestibular não investigar propriamente tal conjunto de fatores, o formato atual de avaliação é o que dispomos no momento e assim, o adolescente pode objetivamente encarar o desafio com uma consciência ampliada que o protege da ansiedade e favorece uma performance melhor a partir da tranquilidade.

 Que benefícios os jovens podem ter cursando um cursinho pré-vestibular e “atrasando” seu ingresso na universidade? De que maneira essa “derrota” pode contribuir para o crescimento do jovem estudante?

·       Todas as experiências que atravessamos ampliam nosso repertório de vida e com isso as habilidades para lidarmos com adversidades. Relacionei uma síntese dos exemplos práticos de adolescentes que cresceram e se desenvolveram psicologicamente com base nos aprendizados adquiridos em suas experiências inicialmente frustrantes relacionadas à derrota.
·       Aceitar que você errou ou foi derrotado não é uma fraqueza. Ao contrário, é um ato de coragem a favor da integração (do latin integrare: tornar-se inteiro) que pode fortalecer o caráter e a disposição para seguir em frente.
·       O princípio da impermanência (tudo se encontra em movimento e transformação) se mostra em todo o Universo, do micro ao macrocosmo. Ainda que o sofrimento da derrota pareça permanente, lembre-se que esse estado também será passageiro. Pensar sobre novos caminhos para superação e focar o seu investimento no cursinho ou estudo disciplinado abreviarão o sofrimento.
·       As derrotas abrem portas para aquisição de conhecimentos relativos as variáveis que não foram consideradas anteriormente. Os conhecimentos adquiridos com a derrota não são restritos ao momento e beneficiarão também outros domínios da vida. Assim, a derrota pode ser apenas parte de uma história de conquista.
·       A disponibilidade ao aprendizado confere um estado de ânimo saudável e desconstrói a autovitimização, que só leva ao sofrimento. O que você diz para si e para os outros sobre o que ocorreu pode tanto aliviar como exacerbar o sofrimento. A fixação em diálogos internos do tipo “Isso é injusto” ou “Não poderia ter acontecido comigo” dificulta a recuperação e favorece a continuidade da dor. Assumir a responsabilidade em relação ao que você pode fazer agora traz de volta o controle para suas mãos e a capacidade para seguir em frente.
·       As neurociências mostram que lembrar compreende a reconstrução de informações coerentes por meio de fragmentos disponíveis de modo que o conjunto faça sentido. Assim, o passado é flexível e modifica-se com novas interpretações das recordações e reexplicações do que aconteceu. Se você buscar pelo menos um aprendizado advindo da derrota o sentido da sua história modificará para melhor. O psiquismo é ágil e tal agilidade pode ser orientada a favor do bem-estar.
·       A superação de uma derrota ou frustração está diretamente relacionada ao que a Psicologia chama de Aprendizado de Extinção: o adolescente estabelece uma nova hierarquia de respostas num processo ativo de aprendizado. Assim, as novas associações construídas substituem aquelas que geravam o sofrimento decorrente da derrota.
·       Criar alianças de aprendizado com as adversidades predispõe e favorece a superação psicológica. De fato, as dificuldades perdem força à medida que o aprendizado por elas trazido for absorvido. O repertório de aprendizados decorrentes de uma derrota pode trazer uma qualidade de vida superior a que você tinha antes mesmo da derrota acontecer.
·       A maturidade se relaciona indiretamente com o passar do tempo e diretamente com o aprendizado que as experiências trouxeram. Conforme traduz o provérbio oriental “Saber e não fazer, ainda não é saber”. As lições trazidas pelas derrotas tornam o adolescente mais maduro e portanto, com mais recursos para concretizar o objetivo de passar no vestibular.
·       As derrotas, quando bem elaboradas, favorecem a geração de novos objetivos e estratégias para atingi-los. É preciso buscar novos significados para a superação da frustração e alcance do objetivo. Demarcar precisamente o objetivo e o estado desejado despertam a motivação e o investimento da energia na direção certa, sem desgaste com o sofrimento.
·       Nossos estudos com neuroimagem mostraram o que acontece no cérebro das pessoas que aprenderam com seus sofrimentos. Novas classificações e traços de memória se formam no cérebro, substituindo as conexões neurais anteriores envolvidas com o sofrimento. Essa evidência reforça a importância de aprender com a dificuldade em vez de sucumbir a ela.

Enfim, por que precisar fazer cursinho não é “o fim do mundo”?

Erros e acertos, assim como as frustrações fazem parte do processo natural de aprendizado que permeia todas as fases do desenvolvimento humano. Todos nós erramos e acertamos no passado e isso continuará acontecendo ao longo da vida. Continuar o enfrentamento do dia-a-dia com o repertório cada vez mais lapidado é um preditivo para construção da vida saudável e harmoniosa.

Como os pais devem lidar com essa situação na vida dos filhos?

O suporte afetivo é fundamental a partir de gestos verdadeiros como estar ao lado, abraçar, ou mesmo chorar ao lado. Quando o adolescente sofre o impacto da frustração os pais não devem falar muito. A empatia inicial com o sofrimento é importante para o adolescente se sentir amparado e compreendido na sua dor. Depois desta primeira etapa, o diálogo pode iniciar. Assim como a perda de um ente querido dispara um processo de luto, que é necessário, natural e saudável, o adolescente deve atravessar a dor emocional para então sair dela. Em meu consultório oriento os pais a não tentarem fazer de conta que nada aconteceu, ou a “simplificarem” o sofrimento. Quando isso acontece, o adolescente carrega a angústia da frustração não processada devidamente afetando o seu desempenho futuro.


fonte: http://www.julioperes.com.br/adolescente-e-o-vestibular/

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