Charlie e seus pais em foto tirada no hospital onde estava internado (Foto: Twitter ) |
Quanto vale uma vida? Para nós, que nos
manifestamos nesse instante através da leitura desse texto, a vida não é
quantificada por valores, mas para o bebê Charlie Gard, sua vida teve valor
descartado pela condenação estabelecida por decisão de tribunal, que decretou o
desligamento de aparelhos que o mantiveram vivo durante seu pouco tempo de
existência na Terra.
Na Inglaterra, o bebê Gard nasceu com uma
doença rara, genética, que afetou as mitocôndrias, organelas celulares responsáveis
pela geração de energia através de um processo chamado respiração celular. As
células que mais contém mitocôndrias são as células do fígado e a quantificação
de energia diária por elas produzidas seria equivalente à energia elétrica
capaz de alimentar uma pequena cidade de pouco menos de 4 mil pessoas.
A doença que afetou Charlie chama-se Síndrome
da Depleção Mitocondrial de DNA e se manifesta por fraqueza muscular intensa e encefalopatia.
Existe tratamento experimental para a doença, a um custo elevado, sem garantia
de sucesso.
O caso chamou a atenção de todo o mundo não por
sua raridade, e nem pela arrecadação recorde conseguida por seus pais em
campanha que recebeu adesão de toda a Europa, mas pela decisão judicial de
impedir qualquer tentativa de tratamento médico ao condená-lo a ter desligados
os aparelhos que o mantinham vivo.
A alegação do juiz baseou-se na opinião dos
médicos que assistiram Charlie Gard e que consideraram que qualquer tentativa
de tratamento não seria resolutivo e, em nome da dignidade humana, o bebê não
deveria receber qualquer recurso terapêutico, pois não recuperaria funções
cerebrais.
Estamos então diante de uma assustadora
questão, o conceito de dignidade, estabelecido por médicos, baseados em
estimativas de perfeita função cognitiva. Tal conceito foi corroborado por um
tribunal e reduziu a vida ao guante do utilitarismo mais banal, relacionando
dignidade diretamente ao funcionamento cerebral normal.
Ao decidirem pelo impedimento do desejo dos
pais de Charlie Gard, médicos ingleses e juiz escreveram mais um capítulo
triste na bioética utilitarista e egocêntrica. Por tal decisão, qualquer bebê
que nasça com disfunções neuro-psiquiatras já é ad hoc condenado, perdendo,
inclusive, o direito de permanecer vivo, caso nasça.
Não se é de estranhar que tal atitude
assemelha-se com práticas eugenistas dos governos totalitaristas, que ganharam
fama no Nazismo. Em 1939, Hitler mandou seu médico pessoal, Karl Brandt,
avaliar o pedido de certa família para dar “morte piedosa” ao filho, defeituoso
físico e mental. O “ato bondoso” ocorreu em julho de 1939. Utilitarismo
substituiu o termo eugênico e a prescrição de tal medida, encontra ecos na
modernidade.
Verdadeira revolução tem tomado campo sobre a
Cultura. Conceitos antes pétreos têm sido questionados e o sacrifício por uma
vida foi desprezado pelo sacrifício por uma classe. O grito de liberdade,
natural do ser humano, tem sido
abafado pelo grito de igualdade, conceito tão
abstrato quanto impossível de ser
alcançado.
A Coleção Revista Espírita do ano de 1861, traz
a Epístola de Erasto aos Espíritas Lionenses. Os valorosos trabalhadores
espíritas da cidade francesa, portentosa à época Galo-Romana, que foi
testemunha de vários sacrifícios de cristão no seu famoso circo, eram em sua maioria
proletários. E Erasto é assertivo ao repudiar as modernas teorias de um
“comunismo anti-social”, palavras dele, que defendem um conceito de igualdade
que é contrário ao verdadeiro conceito da Igualdade Cristã.
Em nome de utópica igualdade, desafiam-se as
conquistas jurídicas já consolidadas e defende-se uma bioética que despreza a
vida.
Na questão 629 de O Livro dos Espíritos, Allan
Kardec pergunta sobre o conceito de moral, e os Espíritos respondem:
“A
moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se
na observância da lei de Deus. O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de
todos, porque então cumpre a lei de Deus”.
Ao definir moral como regra de bem proceder e
associar à observância à Lei de Deus, o Espiritismo diverge da bioética
utilitarista, que associa o bem não ao proceder, mas ao que é julgado ser
melhor para quem reivindica, ou para o que os representantes da sociedade
julgam ser melhor.
A bioética utilitarista tem pressuposto materialista
e considera o homem apenas como um ser biológico e de dimensão unicamente
material. Segundo o professor Gastão Rúbio de Sá Wayne, em “Uma Visão
Utilitarista da Bioética:
Reitere-se que que há uma incompatibilidade do
utilitarismo com uma abordagem bioética fundamentada em princípios religiosos.
O utilitarismo representa uma corrente filosófica de pensamento que destaca
explicitamente "a função negativa de qualquer religião e as suas consequências
prejudiciais para a aquisição da felicidade terrena", portanto, não admite
uma fonte de conhecimento diferente da experiência.
A ética espírita é cristã, portanto religiosa.
Não se baseia na autonomia do homem, mas nas Leis Naturais, que são as Leis de
Deus, reconhecendo a autonomia do homem em obedecer ou não essas leis, mas
retirando dele, o homem, a prerrogativa de aplicar tal autonomia a decisões que
afetem o outro ou a sociedade. Deste modo, distingue-se do utilitarismo por ter
sim uma visão
religiosa, por relativizar a autonomia do
homem, uma vez que considera que a
felicidade do homem encontra-se na obediência
às Leis de Deus, como encontramos na resposta à questão 614 de O Livro dos
Espíritos:
“A lei
natural é a lei de Deus. É a única verdadeira para a felicidade do homem. Indica-lhe
o que deve fazer ou deixar de fazer e ele só é infeliz quando dela se afasta.”
Charlie Gard foi condenado pelos defensores de
uma bioética utilitarista, os mesmos que propuseram um conceito chamado aborto
pós-nascimento, que reivindica o direito de matar crianças após o nascimento
caso haja alguma condição que viole o princípio da dignidade utilitarista,
condição tão banal como mães que se separam após o início da gestação
(GIUBILINI, Alberto; MINERVA, Francesca. After-birth abortion: why should the baby live?. Journal
of medical ethics, v. 39, n. 5, p.261-263, 2013.)
O que se propôs a Charlie Gard foi o
assassinato em nome da dignidade, bem da forma como os nazistas começaram a
fazer em 1939, na rua Tiergartenstrasse 4(Rua do Jardim Zoológico), mas o
fizeram de forma mais cruel, em nome de um conceito que despreza a vida e sem
permitir que seus pais tivessem o direito de buscar recursos, mesmo que
impossíveis.
O que sabemos é que Charlie Gard, nem pessoa
alguma na Terra, merecia julgamento tão indigno, ao contrário, qualquer vida é
mais valiosa que qualquer conta hospitalar, ou conceito fútil emitido por
eminentes utilitaristas, que muito se assemelham a personagens da recente e
terrível história do homem.
fonte: http://www.amebrasil.org.br/2017/quanto-vale-uma-vida-jorge-daher
Nenhum comentário:
Postar um comentário