Pular para o conteúdo principal

ESPIRITISMO E COMUNISMO - (II PARTE)



 

A despeito de sua clara interdição aos comunismos, Kardec viu neles o que certos espíritas não se permitem admitir: “o objetivo é louvável, sem contradita” e, seus pensadores, “bem-intencionados”. Na opinião do mestre, não seriam viáveis, principalmente, porque exigiriam “as virtudes morais no grau supremo”. Ora; dois gumes nessa lâmina. Sujeito histórico da era da incerteza, problematizo e opino livre de peias. Não tenho o tolo fetiche de uma neutralidade que nada mais seria senão pretensa. Ser ou não ser socialista, ou comunista, é uma opção; ser crítico do capitalismo é uma obrigação. Os comunismos dependeriam de virtudes num grau inexistente. E o capitalismo? Delas dependeria em que grau? Digo-o: zero. Ele as despreza. Lucro maximizado e concentrado é só ao que ele conduz. Acúmulo que finda sem capacidade distributiva e a gerar crises reincidentes. Por isso viceja, normativo, o açambarcamento dos supérfluos em prejuízo de a quem falta o indispensável; o esquecimento de toda lágrima que o culto das ambições fátuas não permite seja enxugada; o mal emprego de altas cifras que melhor se envidariam a disponibilizar o essencial a quem mesmo deste se encontra falto. Segundo as leis morais espíritas, só o necessário é útil; o supérfluo, nunca o é. O mérito espiritual está em resistir ao excesso, ao gozo das coisas inúteis; no sacrifício até do que seja necessário em favor de quem carece do bastante. Assim, o critério da verdadeira felicidade é olhar para baixo; não olhar para cima senão para elevar a alma ao infinito. O mínimo comum de felicidade relativa na Terra requer tão só a posse do necessário, a consciência tranquila e a fé no futuro, sendo o mais rico o de menos demandas e, verdadeiramente infeliz, só a quem falte o bastante à vida e à saúde do corpo.[xx] Como conciliar essa moral mais que espírita: praticamente paleocristã, às formas de sociabilidade usurária do capitalismo? Segundo o prof. A. L. Mascaro, tais formas “se estruturam em relações de exploração, dominação, concorrência, antagonismo de indivíduos, grupos, classes e Estados, sendo o conflito e a crise suas marcas inexoráveis”.[xxi] Exatamente o que nos leva ao antológico A. Hauser: “(...) não foi toda a economia capitalista mera ilustração da teoria de Maquiavel? Não mostrou ela claramente que a realidade obedecia à sua própria e dura necessidade, que todas as ideias eram impotentes quando diante de sua implacável lógica, e que a única alternativa era submeter-se-lhe ou ser destruído por ela?”.[xxii] Não surpreende, pois, o nosso supremo grau, não de virtudes pacíficas da alma, mas de vícios beligerantes do corpo; o nosso calculado distanciamento do guia e modelo indicado à humanidade na orientação imperativa do kardecismo: “Vede Jesus”.[xxiii] A meu juízo, o mesmo que disse: — Ai de vós, ricos! Honrados os pobres![xxiv]

A crítica de Kardec aos comunismos lhes contradita a eficácia presente, mas, no âmbito das próprias crenças espíritas, não lhes desautoriza o eventual êxito futuro, senão terráqueo, extraterreno. Não nos conduz, o conjunto dessas crenças, na direção do sublime da virtude, do sacrifício do interesse pessoal pelo bem do próximo, sem segundas intenções?[xxv] Portanto, não nos leva em direção da abnegação mais completa da personalidade, do império da solidariedade, do perfeito estado da vida comunitária enfim? O choque de uma organização em que a sociabilidade só induz ao possuir, ao por força amealhar, instiga permanente defensiva; reproduz egoísmo; frustra as melhores formações em contrário. Será a caridade a brotar no coração daqueles que, crentes ou não, mais que talhados para competir e consumir, são antes a isso obrigados, sob pena de perecerem?[xxvi] Entretendo e excitando o egoísmo e, dessa forma, intensificando uma necessária piora do mal, não é a civilização capitalista que trama sua ruína e, assim, sua transição a uma sociedade superior? A própria causa: egoísmo, não destrói seu efeito: capitalismo? Dizem-no, a seu modo, os guias kardecistas, o próprio Kardec e, bem antes, até Marx: “Quanto maior é o mal, mais hediondo se torna. Era preciso que o egoísmo produzisse muito mal, para que compreensível se fizesse a necessidade de extirpá-lo.”[xxvii] — “O paroxismo de um mal é sempre o sinal de que chega ao seu fim.”[xxviii] — “O lugar de todos os sentidos físicos e espirituais passou a ser ocupado pelo simples estranhamento de todos esses sentidos, pelo sentido do ter. A esta absoluta miséria tinha de ser reduzida a essência humana, para com isso trazer para fora de si sua riqueza interior”.[xxix] Os comunistas não levariam em conta senão a organização da vida material e, por isso, Kardec os acusa de construir um edifício começando pelo topo. No entanto, a própria filosofia espírita decreta, com relação à vida na matéria, a posse do necessário como mínimo indispensável à felicidade terrestre.[xxx] Marx, aliás, chama “rude”, “irrefletido”, “incompleto”, o comunismo para o qual “a posse imediata, física, lhe valha como o fim único da vida e da existência.”[xxxi] Se uns negligenciariam o espírito, o outro subestimaria a matéria, sobretudo ante este seu otimismo profético: le spiritisme, par sa puissante révélation, vient donc hâter la réforme sociale: o espiritismo, por sua poderosa revelação, vem acelerar a reforma social. Kardec não sabia que o interesse pelo espiritismo permaneceria, sim, muito depois de sua morte, mas decrescente, não acelerando, concreta e estruturalmente, nenhuma reforma social. Ao contrário, o colonialismo europeu, francês em grande medida, viria a estar na base mesma de dois terríveis conflitos mundiais.[xxxii] Impossível fora desmentir a diagnose quântica do essencial A. Bosi: “As almas e os objetos foram assumidos e guiados, no agir cotidiano, pelos mecanismos do interesse, da produtividade; e o seu valor foi se medindo quase automaticamente pela posição que ocupam na hierarquia de classe ou de status. Os tempos foram ficando — como já deplorava Leopardi — egoístas e abstratos. ‘Sociedade de consumo’ é apenas um aspecto (o mais vistoso, talvez) dessa teia crescente de domínio e ilusão que os espertos chamam ‘desenvolvimento’ (ah! poder de nomear as coisas!) e os tolos aceitam como ‘preço do progresso’”.[xxxiii]
Para além de identificar o espiritismo a qualquer sistema político-econômico, ressalto esse eterno desafio enfrentado pelos humanismos: a distância entre proposição e prática. No espiritismo não é diferente. Não parecem mais utópicas que a instauração de qualquer comunismo as soluções morais espíritas em pleno âmbito capitalista. Notadamente, essas soluções antagonizam o coração pulsante do sistema: o interesse pessoal; este rivaliza com o que é justo, e determina uma ordem jurídica feita para o mais forte em detrimento do mais fraco, como vimos o Kardec dialético escrever. O mestre também diz em 1862 que “a base da caridade é a crença; a falta de crença conduz ao materialismo, e o materialismo ao egoísmo.” Há uma prova final, no entanto, de que o espiritualismo seja necessariamente mais eficaz contra o egoísmo e o orgulho? Ou de que o materialismo conduza fatalmente a esses vícios radicais? Não existem adeptos de doutrinas materialistas, ou simples indiferentes, que sejam superiores em moral a adeptos do espiritismo, por exemplo? Se a crença é nosso móvel, basta que conduza ao bem de todos antes que só ao nosso.[xxxiv] Importará tanto assim que ela seja espiritualista? Será impossível querer o bem de todos, até com fervor, sem acreditar em Deus, ou no espírito? Procede altruisticamente, tão só por neles crer, todo espiritualista? Com respeitosa vênia, mestre: “A experiência aí está, diante de nossos olhos, para provar que eles” — Deus e o espírito — “não extinguem nem as ambições nem a cupidez”. Ateus comunistas são acusados de credulidade religiosa ao defenderem a igualdade e condenarem o aprofundamento das diferenças — não individuais, mas sociais —, o que espiritualistas nem sempre fazem e, por vezes, mesmo repelem. Não será um fato que a dose geralmente intensa de presunção da verdade entre crentes constitui sério obstáculo à fraternidade irrestrita? Não estaríamos mais livres de preconceitos sem as muletas de tantos vínculos fideístas a justificar nossas crenças nestas ou naquelas ações ou comportamentos, o mais das vezes, pouco ou nada executados? Substituiremos o fora da caridade não há salvação pelo fora da crença no espírito não há salvação? Não seria essa a mesma esteira do fora da verdade não há salvação, quiçá, do fora da Igreja não há salvação? Melhor quando o mestre assenta: 1) respeitar “todas as crenças, mesmo a incredulidade, que também é uma espécie de crença quando se preza o bastante para não chocar as opiniões contrárias” e, nessa medida, pode igualmente “brindar-nos com observações úteis”;[xxxv] 2) não ser sinônimos nem sempre se acompanharem sensualismo e materialismo, “já que se veem espiritualistas por profissão e por dever que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver”.[xxxvi] Se a crítica de Kardec pretende apontar a causa presente da inviabilidade dos comunismos — o egoísmo —, o mesmo já não se aplicaria, repito, a um eventual estado mais avançado do gênero humano, em que, no próprio dizer dos guias kardecistas, despojados daquele vício, viveremos como irmãos, sem nos fazermos nenhum mal, auxiliando-nos uns aos outros, num sentimento de mútua solidariedade, em que o forte será amparo do fraco, nunca seu opressor e, por isso, não haverá a quem falte o indispensável, porquanto todos praticarão — que sintomático! — “a lei de justiça”.[xxxvii] A Terra configuraria, então, um mundo ditoso, no qual, enfim, o primeiro direito natural de todos, sem exceção, seria realmente “o de viver”,[xxxviii] não o de ser explorado por quem, num compromisso de má consciência típico das sociedades de classes, só se apropria dos frutos do trabalho de outrem a fim de acumulá-los para seus próprios herdeiros sem jamais fazer o bem a quem quer que seja;[xxxix] por quem não amealha recursos, mesmo honestamente, para socorrer seus irmãos em humanidade, e sim apenas para locupletar-se, pretextando sempre suas necessidades pessoais e/ou exigências do que considera a sua posição; tudo findando, de ordinário, em ridículas extravagâncias.[xl] Ao reportar-se à força dos bons pensamentos em comunhão sobre as massas, Kardec adentra a antessala de um tipo de comunismo, senão praticado, ao menos aspirado: “(...) pela comunhão de pensamentos, os homens se assistem entre si, e ao mesmo tempo assistem os espíritos e são por estes assistidos. As relações entre o mundo visível e o mundo invisível não são mais individuais, são coletivas, por isto mesmo são mais poderosas para o proveito das massas, como para o dos indivíduos. Numa palavra, estabelecem a solidariedade, que é a base da fraternidade. Ninguém trabalha para si só, mas para todos, e trabalhando por todos, cada um aí encontra a sua parte. É isto que o egoísmo não entende”.[xli] Cinquenta e cinco anos antes do Outubro Vermelho de 1917 e com base em fracassos de certos experimentos utópicos, bem como das insurgências de 1848, a tese kardeciana quer sustentar que os comunismos são inviáveis, sobretudo, porque somos egoístas contumazes; no entanto, por efeito inverso, tacitamente admite que, justo por isso, o capitalismo tem prevalecido.[xlii] E a humanidade melhorada não melhoraria o próprio capitalismo? Ora; o sacrifício do interesse pessoal pelo bem de todos, sem pensamento oculto, é o sublime da virtude a que a doutrina espírita encoraja com suas leis morais.[xliii] Uma vez atingido e praticado largamente, não consagraria a extinção da sociabilidade capitalista e, por outra, a busca de qualquer comunismo ou gestão social? Qual é a crença espírita? Crê a doutrina numa elevação da Terra na hierarquia dos mundos, a fim de que seja habitação exclusiva de espíritos da segunda ordem da escala espírita, os que, quando encarnados, desconhecem orgulho, egoísmo, ambição, ódio, rancor, inveja ou ciúme; os que fazem o bem só pelo bem por serem de fato homens de bem, tomando sempre a defesa do fraco contra o forte e sacrificando seus interesses à justiça.[xliv] A não ser assim, restar-nos-ia tão só a esperança dos sucessos materiais, ou seja, o verniz de civilização; esse dos países desenvolvidos, em que os homens de bem, assim como nos países em desenvolvimento, ainda não suportam provas que lhes firam a corda do interesse pessoal, persistindo neles aquela serpente que lhes devora o coração: o egoísmo.[xlv]


Referências:
[xx] O Livro dos Espíritos, 704, 705, 717, 720, 896, 922, 923, 926 e 927.
[xxi] MASCARO, A. L. Estado e Forma Política. 5.1. Capitalismo, Estado e Regulação. São Paulo: Boitempo, 2013.
[xxii] História Social da Arte e da Literatura. Cap. V, n. 6. A idade do realismo político. Martins Fontes, 2000, p. 389.
[xxiii] O Livro dos Espíritos, 625.
[xxiv] Makarios é a palavra que foi traduzida “bem-aventurados” quando, em verdade, significa “honrados”. (Cf. FARIA, Lair Amaro dos S. “Quão honoráveis sois vós, meus discípulos, porque perdestes a honra”. O contexto cultural dos macarismos em Q. In: 1.º Simpósio Regional - Bíblia e Ciências Humanas, 2007, São Paulo. ABIB, 2007.)
[xxv] O Livro dos Espíritos, 893 e 916.
[xxvi] O Livro dos Espíritos, 914 e 917.
[xxvii] O Livro dos Espíritos, 916.
[xxviii] Viagem Espírita em 1862. Discurso III. Pronunciado nas reuniões gerais dos espíritas de Lyon e Bordeaux.
[xxix] Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844). Propriedade privada e comunismo, p. 108/9.
[xxx] O Livro dos Espíritos, 922.
[xxxi] Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844). Propriedade privada e comunismo, p. 103.
[xxxii] Dois anos antes, também num discurso público, Kardec afirmara: “Compreendeis todos, pelo que tendes sob os olhos e pelo que sentis em vós mesmos, que dia virá em que o espiritismo deverá exercer uma imensa influência sobre a estrutura social”. (Revista Espírita. Out/1860. Banquete oferecido pelos espíritas lioneses ao sr. Allan Kardec, 19 de setembro de 1860.)
[xxxiii] O Ser e o Tempo da Poesia. Companhia das Letras, 2000, pp. 164-165.
[xxxiv] O Livro dos Espíritos, 629.
[xxxv] Revista Espírita. Fev/1858. A floresta de Dodona e a estátua de Memnon.
[xxxvi] Revista Espírita. Fev/1869. Estatística do Espiritismo.
[xxxvii] O Livro dos Espíritos, 916.
[xxxviii] O Livro dos Espíritos, 880.
[xxxix] O Livro dos Espíritos, 900.
[xl] O Livro dos Espíritos, 883, 923, 1001.
[xli] Revista Espírita. Dez/1868. O espiritismo é uma religião?
[xlii] Se não fez profissão de fé comunista, Kardec, por sua vida e pensamento, tampouco foi entusiasta do liberalismo. Como não lembrar destes comentários exarados em sua obra espírita inaugural: “(...) entre os homens, as posições sociais guardam, frequentemente, relação inversa com a elevação dos sentimentos morais. Herodes era rei e Jesus, carpinteiro. (...) A riqueza e o poder fazem nascer todas as paixões que nos prendem à matéria e nos afastam da perfeição espiritual. Foi por isso que Jesus disse: ‘Em verdade vos digo que é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus’”. (O Livro dos Espíritos, 194 e 816.) Segundo J. W. Monroe, ph.d. em história da Europa pela Universidade de Yale: “(...) pequenos grupos de escritores estavam adaptando as ideias do espiritualismo americano ao contexto francês submetendo-as a uma variedade de modificações estratégicas, frequentemente procurando ou associando-as com as correntes mais radicais de 1848, ou as assimilando na estrutura católica. Rivail não era exclusivamente movido por um ou outro desses pontos de vista. Ao contrário, seu temperamento e educação parecem tê-lo disposto a pesquisar por uma nova síntese. Nascido em Lyon de uma família de advogados, cresceu católico, mas educado na famosa e progressista escola de Johann Heinrich Pestalozzi em Yverdun, Suíça, Rivail reuniu um respeito por dignidade profissional e um gosto por moderação com uma tardia atração para os valores do socialismo romântico. Depois de completar seus estudos e serviços militares em 1832, ele e sua esposa fundaram uma escola técnica privada em Paris, que fechou depois de alguns anos. Ele tornou-se um contador independente, e no início dos anos 50 do século dezenove estava ganhando suficiente dinheiro para viver a vida confortável de um burguês”. (A Travessia: Allan Kardec e a Transnacionalização do Espiritualismo Moderno. Do espiritualismo ao espiritismo. São Vicente (SP): PENSE, 2014, p. 25/6.) Correspondem, de fato, o pensamento e a vida do mestre, aos de um pequeno-burguês progressista cristão, como vimos e podemos reiterar ainda mais: “(...) o principio egoísta e tudo que dele decorre são o que há de mais tenaz no homem e, por conseguinte, de mais difícil de desarraigar. Toda gente faz voluntariamente sacrifícios, contanto que nada custem e de nada privem. Para a maioria dos homens, o dinheiro tem ainda irresistível atrativo e bem poucos compreendem a palavra supérfluo quando de suas pessoas se trata. Por isso mesmo, a abnegação da personalidade constitui sinal de grandíssimo progresso”. (O Livro dos Espíritos. Conclusão. VII.) — “(...) depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução. Em resumo, o espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida”. (Revista Espírita. Jan/1869. Estatística do Espiritismo.) — “(...) a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua”. (Revista Espírita. Fev/1869. Estatística do Espiritismo.) — “Quem quer que outrora tenha visto a nossa intimidade e a veja hoje, pode atestar que nada mudou em nossa maneira de viver depois que passei a ocupar-me do espiritismo. Ela é agora tão simples quanto era outrora. Então é certo que os meus lucros, por enormes que sejam, não servem para nos dar os prazeres do luxo. (...) Em todos os tempos temos tido de que viver, muito modestamente, é certo, mas o que teria sido pouco para certa gente[, a nós] nos bastava, graças aos nossos gostos e aos nossos hábitos de ordem e de economia. À nossa pequena renda vinha juntar-se o produto das obras que publiquei antes do espiritismo, e o de um modesto emprego que tive de deixar quando os trabalhos da doutrina absorveram todo o meu tempo”. (Revista Espírita. Dez/1868. Constituição Transitória do Espiritismo. II.)
[xliii] O Livro dos Espíritos, 629 e 893.
[xliv] O Livro dos Espíritos, 107, 918 e 1019; O Evangelho Segundo o Espiritismo, XVII, 3.
[xlv] O Livro dos Espíritos, 717, 727 e 895. Obs.: Em paralelo, pergunto a que matriz de pensamento pertence o espiritismo. À do positivismo. Ora; segundo emérito professor da UFRJ, José Paulo Netto: “(...) ao contrário do que asseguram muitos estudiosos, o século 19 não está superado: as principais matrizes intelectuais nele emergentes estão mais vivas e atuantes que nunca — num polo, a inaugurada por Marx; noutro, a estabelecida pelo positivismo”. E mais: “(...) o desenvolvimento dessa matriz positivista (...), tendo sempre, franca ou veladamente, Marx como interlocutor, não excluiu a continuidade e a renovação das tendências místicas e mitologizantes que se abrigavam na gênese do pensamento conservador. Aparentemente contrapostas, a matriz positivista e essas posturas irracionalistas dão-se as mãos para prover a sociedade burguesa de legitimações ideológicas”. (O Que é Marxismo, p. 20.) Pergunto-me se não é essa a gênese do conservadorismo espírita, apesar do progressismo de sua doutrina moral, tomada aos Evangelhos cristãos. Ainda assim, não finda o espiritismo, sobretudo por sua metafísica das provas e expiações, por bem servir ao conjunto das forças legitimadoras de uma sociedade dada? Será acaso que seus adeptos estejam ainda hoje entre os mais bem pagos e escolarizados? Digo-o não só pelo que constatam órgãos estatísticos, mas até por causa do que se lê na nota 110 de uma edição alemã d’O Capital, p. 197: “Depois da derrota das revoluções de 1848-49, começou na Europa um período da mais obscura política reacionária. Enquanto, nesse tempo, as rodas aristocráticas e também as burguesas se entusiasmaram pelo espiritismo, especialmente por fazer a mesa andar, desenvolveu-se na China um poderoso movimento de libertação antifeudal, particularmente entre os camponeses, que entrou para a história como a revolução do Taiping”.

fonte:  http://sergioaleixo.blogspot.com.br/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.