sábado, 12 de novembro de 2016

CRÔNICAS DO COTIDIANO: "BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO?"






Foto: Júlia Rodrigues - Revista Galileu - 03/2016



“Os Espíritos vingativos perseguem sempre com o seu ódio,
além da sepultura, aqueles que ainda são objeto de rancor.
Daí ser falso, quando aplicado ao homem, o provérbio:
“morto o cão, acaba a raiva.” (O. E.S.E., Cap.X:5)

         Pesquisa realizada pelo instituto Datafolha, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que seis em cada dez brasileiros concordam com o teor da frase “bandido bom é bandido morto.” Em 2014 o mesmo Instituto realizou pesquisa sobre a adoção da pena de morte no Brasil e 43% dos brasileiros ouvidos apoiam a pena capital.  Para um país em que mais de 90% de sua população se diz cristã, os resultados das pesquisas se revelam assustadores, principalmente considerando-se os aprofundamentos dos conceitos de cidadania, igualdade, solidariedade, garantias individuais pela sociedade como um todo. Têm-se que entender, entretanto, que a sociedade sempre agiu defensivamente – instinto de conservação -  contra o indivíduo que delinque.

            Os números denunciam verdadeiramente, a complexidade da crise do Estado, a perda da legitimidade das instituições, a deterioração do organismo social, a irracionalidade e vazio espiritual. Percebe-se que se busca na realidade é uma “assepsia social”.
            Os resultados das pesquisas evocam variáveis diversas, além da pressão que a sociedade brasileira se acha visto os níveis de violência. Para se ter uma melhor ideia, dos pesquisados, 80% afirmaram ter modificado os hábitos de vida devido à violência.
            O fato é que o pânico constatado é resultante direto do colapso de uma sociedade disfuncional, como é a sociedade brasileira. Para que possamos restabelecer a sua funcionalidade é preciso rever os valores, disciplina, poder (social) e organização social
            Em “O Livro dos Espíritos”, (1) está assegurado que a “a vida social é natural” e que “Deus fez o homem para viver em sociedade, dotando-o da palavra e todas as outras faculdades necessárias para a vida de relação.” É fácil de perceber que para que haja vida social é imperativo que se tenha uma sociedade funcional. Para que a sociedade possa operar como sociedade, entretanto, é necessário que ela conceda aos seus membros posição e função social, e a menos que o poder social decisivo seja um poder legítimo. Os precedentes se legitimam quando a relação funcional entre sociedade e indivíduo em qualquer sociedade depende da crença básica dessa sociedade quanto à natureza e à realização do homem. ”(2) (grifos nossos). Isso também serve para a legitimação do poder social na dinâmica da vida social. Esclarecimento necessário quanto à crença referente à natureza do homem (liberdade, igualdade, perfectibilidade, bondade) que determina o objetivo da sociedade; a crença à sua realização (vida eterna, reencarnação, ressurreição, sucesso econômico) esfera em que se busca a execução do objetivo.
            Sem poder social legítimo passam a ocorrer chacinas, linchamentos, milícias e a “Lei de Talião” prospera, o que estimula a vingança ao invés da justiça; o justiçamento sem seguir os protocolos de justiça, deixando a sociedade, principalmente o povão, a mercê de indivíduos moralistas que se apresentam como “salvadores da pátria”, instalando-se o caos social.
            A sociedade brasileira conta com uma legião de milhares de miseráveis vivendo abaixo da linha da pobreza, marginalizados, párias pois não dispõem de posição e função social, (3) enquanto no topo da pirâmide, sistema de castas que usufruem de privilégios dos quais expõem a desigualdade gritante que constitui o grupo social brasileiro. Isso mesmo; grupo, pois não se pode considerar a sociedade brasileira como sociedade, mas sim um agrupamento de pessoas que segue como uma nau à deriva. Ressalte-se, todavia, que, para o indivíduo marginalizado – sem função e posição social – a sociedade é irracional, imensurável e amorfa. Daí, surge o delinquente.

Na visão espírita, o indivíduo nasce para a prática do mal? Nasce para ser bandido?

Allan Kardec, na questão nº 872 de “O Livro dos Espíritos” – Resumo Teórico do Móvel das Ações Humanas – assinala que “o homem não é fatalmente conduzido ao mal; os atos que pratica não “estavam escritos”, os crimes que comete não são o resultado de um decreto do destino. Ele pode como prova e expiação, escolher uma existência em que se sentirá arrastado para o crime, seja pelo meio que estiver situado, seja pelas circunstâncias supervenientes. Mas, será sempre livre de agir como quiser.”  Assim, prossegue Kardec, “o livre-arbítrio existe no estado de Espírito, com a escolha da existência das provas, e no estado corpóreo, com a faculdade de ceder ou resistir aos arrastamentos, a que voluntariamente estamos submetidos.”  Não se pode confundir a “natureza criminal do homem” que o Espiritismo admite, com a fatalidade de seus crimes, no sentido absoluto do termo. Nem todo “delinquente” delinqui, embora isso pareça um paradoxo, compreensível se torna pela pré-existência da alma.
A Doutrina Espírita com o seu caráter imortalista, fundamentado em bases eminentemente científicas, demonstra que a morte não é o fim, e a vida verdadeira é a vida espiritual. Disto, resulta que a responsabilidade do homem delinquente é de duas classes: a humana ou social e a espiritual. Humana ou social (miséria, fome, desemprego e educação) é quando o homem não desfruta de posição e função  na dinâmica da sociedade em que está inserido (objetivo da sociedade), gerando conflito; espiritual quando o homem responderá por seus atos, na evolução do Espírito imortal, - lei de causa e efeito – (realização do homem), submetida a leis absolutas e imutáveis, insculpidas em sua consciência –  questão nº 621 de “O Livro dos Espíritos”.
Fica patente que para a Doutrina Espírita não existe indivíduos incorrigíveis, todos são passíveis de se emendar e progredir. Na questão nº 796 de “O Livro dos Espíritos”, os Reveladores Celestes afirmam que as leis humanas “se destinam antes a punir o mal praticado do que a cortar a raiz do mal. Somente a educação pode reformar os homens, que assim não terão mais necessidades de leis tão rigorosas”, o que faz surgir propostas como essas, da idade da barbárie, que surgem em sociedades ditas civilizadas. Em decorrência disso, o Espírito Elizabeth de França (4), sugere o socorro pela prece como caridade para os criminosos ao invés de se afirmar: “É um miserável; deve ser extirpado da Terra; a morte que se inflige é muito branda para uma criatura da espécie.”
Leia-se o que está escrito na questão nº 813 de “O Livro dos Espíritos”: “Há quem caia na infelicidade e na miséria por culpa própria? Não caberá a sociedade a responsabilidade por isto?
R. Já o dissemos; ela é com frequência a primeira responsável por estas faltas. Não tem ela que velar pela educação moral?
Frequentemente, a má educação é que lhe falseia o critério em vez de sufocar as tendências perniciosas.”
É fácil de compreender que a Doutrina Espírita em todo o seu esboço doutrinário demonstra seu relativo determinismo sociológico. Assim, a riqueza, a miséria, a educação social, o alcoolismo, a economia pública, os vícios, a legislação, etc, influirão decididamente nos atos dos Espíritos encarnados, quer para o seu progresso moral, quer para o seu estacionamento no baixo nível, segundo o temperamento dos Espíritos e os fatores atuantes. Não se pode esquecer das influências espirituais nos condicionantes sociais.
Por outro lado, o Espiritismo torna compreensível a afirmativa de Jesus que “das ovelhas que meu Pai me confiou, nenhuma se perderá” pois torna a defesa social-humana um fundamento imediato da penalidade entre os homens, e seu fundamento mediato e supremo é a tutela, a correção do delinquente, seu melhoramento moral, seu progresso, e disponibiliza para esse desiderato, as vidas sucessivas, através do arrependimento, expiação e a reparação, como modus corrigendi.  A penalidade deixa de ser um mal para converter-se em um bem, em um tratamento de medicina social, a que têm direito os delinquentes, como já têm direito à assistência médica outros enfermos entre os povos civilizados, afirma o professor Fernando Ortiz, em sua festejada obra “A Filosofia Penal dos Espíritas.”
Essa é a nova ordem que o Espiritismo inaugurou e possibilitará ao Espírito encarnado a posição e a função social, em toda a sua plenitude para que a Humanidade se torne verdadeiramente funcional, regenerada moralmente.

(1)       “O Livro dos Espíritos”, questão nº 766;
(2)        A Sociedade, Peter Drucker, edições Exame,, pag. 18;
(3)       Dados do IPEA – 2013 - apontam que mais de dez milhões de brasileiros vivem em condições de miséria no Brasil. O conceito de extrema pobreza que o Brasil trabalha é definido pela ONU e Banco Mundial, ou seja, alguém que vive com menos de US$ 1,25 por dia.
(4)       “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, cap. XI, item 14.

Referências
DRUCKER, Peter. A Sociedade. Nobel. São Paulo. 2001;
KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. LAKE. São Paulo. 2000;
_____________.O evangelho segundo o espiritismo. EME. São Paulo. 1996;
ORTIZ, Fernando. A filosofia penal dos espíritas. LAKE.1998.

4 comentários:

  1. Todas as vezes que leio sobre violência e criminalidade, lembro do romance "Os Miseráveis" de Victor Hugo. O personagem Jean Valjean ainda vive entre nós. A sociedade defende inclusive um sistema penitenciário que apenas corrobora para a destruição do indivíduo. Um dia ele sairá da prisão, e sairá ainda pior. No caso de uma pena de morte ser aprovada no Brasil, seria um terrível destino aos que fossem pegos por engano e que uma vez envoltos na pobreza teriam a vida ceifada sem chance de defesa. Acredito que um dia, todos nós já fomos criminosos, porque várias foram as vidas vividas. Quem disse que a morte é a solução? Não está em nossas mãos o poder sobre a vida, muito menos sobre a morte. O espírito continuará a viver e o ciclo de ódio irá se perpetuar por ainda mais tempo, pois não somos humanos vivendo uma experiência espiritual, mas sim seres espirituais vivendo uma experiência humana(Chardin).

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  2. Ah, fiquei tão envolvida pelo assunto que esqueci de elogiar(risos): texto excelente!!!

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  3. Francisco Castro de Sousa13 de novembro de 2016 às 17:49

    Jorge, Um tema difícil que você conseguiu conduzir com muito acerto. Boa bibliografia consultada, especialmente o Livro dos Espíritos e o Evangelho Segundo o Espiritismo!

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