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E SE JESUS VOLTASSE NESSA PÁSCOA?

“Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente, assim será também a vinda do Filho do homem.” (Mt, 24:27)


“É preciso, sob o ponto de vista literário, que o meu poema tenha um preâmbulo.  Ação passa-se no século XVI; bem sabes que era costume, nesta época, fazer intervir nos poemas os poderes celestes.” É assim o preâmbulo do poema o Grande Inquisidor, de Fiodor Dostoiévski, no clássico literário “Os Irmãos Karamazov”.


          No poema, Fiodor se reporta à Idade Média, na cidade de Servilha, no período da Inquisição da Espanha, quando os que não concordavam com a igreja foram queimados vivos. Nesse cenário ressurge Jesus de Nazaré misturado à multidão. Jesus realiza alguns “milagres” idênticos aos quando de sua primeira passagem na Terra. No meio dos assistentes há perturbação, gritos e choros. O Grande Inquisidor, velho alto, quase nonagenário, com a face seca, olhos cavados, onde ainda brilha, porém, uma centelha. Presenciando tudo, aponta-o com o dedo e ordena que os guardas o prendam.

          À noite, o Inquisidor vai visitá-lo e o diálogo é extenso. Na realidade, um monólogo pois Jesus não fala nada. O Inquisidor acusa Jesus de atrapalhá-los. Realça a mensagem libertadora do Meigo Nazareno, mas o alerta que o homem necessita de alguém para orientá-lo.
Quando o Inquisidor termina de falar, Jesus se aproxima dele e o beija no rosto e afirma:

          - Você tem razão, mas meu amor é mais forte”.

          E se Jesus resolvesse voltar nessa páscoa à Terra, e escolhesse o Brasil?
Certamente que, em um primeiro momento, ficaria meio atônito pelo intenso movimento nas estradas. Mas vendo os pensamentos dos homens, deduziu seus propósitos. E o sentido da páscoa, pensaria ele?

          Visitaria alguns shopping e notaria a intensa compra de ovos de páscoa. Que sabor terá? Qual a relação com a demonstração da imortalidade da alma que atestei com o meu ressurgimento após a crucificação? Tudo isso o fez recordar da sua máxima: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim.” (Mt, 15:8).

          Pelo fenômeno da dupla vista, alcançou os templos mais suntuosos das diversas religiões terrenas. Tentou visitá-los. Alguns fora impedido de entrar. Noutros, foi cobrado valor da visita, quase todos cobravam o dízimo como na Velha Aliança e em tantos se comercializavam souvernir com a sua imagem estampada ou impressa. Lançou seu olhar sobre o infinito e lembrou da advertência: “Tirai essas coisas daqui; não façais da casa de meu Pai, casa de comércio”. (Jo, 2:16).
Languidamente, caminhou absorto pela madrugada com o rosto iluminado pela lua cheia que adornava o céu estrelado, e identificou homens e mulheres; novos e idosos, crianças e jovens, nos sinais, sob pontes e marquises, ao relento. Como se um flash atingisse seus pensamentos, logo se recordou de outro dos seus ensinamentos: “Em verdade vos digo que tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.” (Mt 25,40).

          Algumas lágrimas rolaram dos seus olhos, quando se apercebeu que o sol se fazia no horizonte. Um novo dia. Tudo tão rápido. O domingo comemorativo à sua ressurreição. Um aglomerado de gente. Milhares de pessoas. De seus lábios soavam os maiores impropérios. Visualizou pensamentos de ódio, egoísmo, xingamento, raiva, desespero... De repente, vê pessoas açoitando outra que se encontrava desprotegida. Tenta entender o motivo, e se surpreende que toda agressão nasceu em decorrência da cor da roupa que o outro trajava. Mais uma vez seus olhos se umedeceram pois se lembrou que o Brasil, que agora ele o visitava, é o segundo país em número de cristãos no mundo. E recordou mais um dos seus ensinamentos: “Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.” (Jo, 13:35).

          Percebeu Jesus, portanto, que o sentido maior da Páscoa, que é o cântico da imortalidade, e dele deverá nascer a compreensão melhor do homem sobre a sua existência terrena, e a esperança no porvir, ainda não repercute nos sentimentos do homem na Terra.
A páscoa para os espíritas, portanto, não se reveste de nenhum simbolismo, o que não quer dizer que não se respeite a tradição. Entretanto, ela deve ser vivida a todos os momentos da existência, sempre inspirada na mensagem libertadora de Jesus pela construção dos valores imortais do Espírito, para que se realize no mundo a promessa do Consolador Prometido por Jesus.
Como estariam eu, você...?

          E, Jesus, ao se despedir da sua visita voltou seu olhar e pensou:
          
          “ – Homens, por que me abandonastes?”

Comentários

  1. Francisco Castro de Sousa25 de março de 2016 às 15:17

    Jorge, muito bom o seu texto, parabéns! Muito colocado no dia de hoje,
    retrata muito bem os tempos que estamos vivendo. Ouso perguntar: e os Espíritas? será que já compreenderam a lição imorredoura do meigo Rabi da Galiléia?

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  2. Excelente texto Jorge!
    Levou-me a uma profunda reflexão.
    abç.

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  3. Olá, Izabel!
    Grato pelo registro!
    Abraços!

    ResponderExcluir

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