Pular para o conteúdo principal

DO TERROR À LAMA, TUDO QUE PODEMOS LAMENTAR. MAS O QUE FAZER?¹







Por Dora Incontri (*)



Como não chorar por todas as dores, sem menosprezar nenhuma, dessas que infestam o mundo? A dor das mães, cujos filhos morrem violentamente, é igual: sejam elas muçulmanas, judias, parisienses, sírias, quenianas, norte-americanas, das periferias de São Paulo, dos assaltos na classe média, dos massacres entre todos os povos…

A dor da natureza aviltada, mutilada, envenenada, seja em Fukushima, seja em Mariana, seja nos transgênicos que causam câncer, seja nas sementes estéreis, indecentes, da Monsanto…

A dor das crianças abusadas, violentadas, escravizadas, sejam sírias, vietnamitas, bolivianas, brasileiras, de qualquer época, de qualquer povo…

A dor dos povos oprimidos, expulsos, tiranizados, que são tantos, ou são todos, que nem se pode mencioná-los…

A dor que campeia no planeta, toda ela merece nossa compaixão, nossa empatia, nossa solidariedade.


Mas… a grande pergunta é: o que faremos com os que causam essas dores? Os homens que estrupam, violentam, abusam; os bancos que manipulam economias inteiras, causando pobreza e penúria, suicídios e mortes; os governos que se locupletam na corrupção, e servem aos interesses corporativos, que imperam no planeta, indiferentes às necessidades da massa (e são todos ou quase todos, e não só o brasileiro); os fanáticos de todas as religiões que disseminam o ódio e a intolerância, que vão desde um Malafaia a um radical islâmico ou israelita; os fabricantes de armas e seus lobistas nos congressos, nos Estados Unidos, no Brasil, seja onde for, esses que se interessam que se vendam armas à vontade, sem piedade dos que morrerão por elas, sejam povos inteiros ou vítimas de massacres urbanos; os que comercializam a saúde e a educação, sem se importarem de fato com a cura e com o progresso das nações, mas apenas a manutenção da ignorância e da doença, para que lucrem sempre mais; os que manejam a informação, enganando as populações da Terra, semeando falsas notícias, deturpando, manipulando, para agradar aos poderosos, para vender, sem a mínima preocupação com a verdade e com os interesses da maioria… A grande pergunta é: o que faremos com todos esses?

Para mim, não há resposta possível, sem a dimensão da eternidade. Não há esperança, sem a perspectiva da imortalidade.

Então, cabe-nos orar pelos que choram e pelos que fazem chorar. Cabe-nos trabalhar para consolar todas as dores, restaurar todos as vítimas e cabe-nos trabalhar para despertar a consciência dos verdugos, dos que são responsáveis por todas as tragédias. É possível isso? Sim, desde que por causa da maldade de alguns ou de muitos, os bons não façam adesão à violência, à retaliação, ao ódio e à desesperança. Desde que saibamos que mesmo os piores têm mães e filhos e sobretudo todos, invariavelmente todos, têm uma centelha divina na alma, que um dia acordará e os fará retroceder os passos em sua violência.

E cabe-nos sobretudo trabalhar a educação, uma educação que dê instrumentos às novas gerações para serem mais eficazes na transformação desse mundo. Esses instrumentos são vários. Vou nomear alguns:

              Uma educação de empatia com o sofrimento do próximo, seja ele quem for.
              Uma educação de empatia com o sofrimento dos animais.
              Uma educação de conexão com toda a natureza, para que o ser, que se forma, se sinta parte dela, como somos de fato.
            Uma educação com espiritualidade plural, dessa que resgata os grandes valores de todas as religiões, como bondade, compaixão, perdão, fraternidade e que critica os abusos de todas as religiões, como poderes instituídos, exploração comercial, fanatismo…
            Uma educação que ensine as novas gerações hábitos saudáveis, não consumistas, de plantar e colher e de comer o que se planta e de sair das grandes e insalubres aglomerações urbanas, para apoderar-se de novo da terra, do verde, do ar e da água, cuidando de tudo isso.
         Uma educação que ensine a valorizar mais o ser do que o ter, porque então no futuro, ninguém se venderá e ninguém aceitará um emprego numa indústria bélica, numa indústria de alimentos que envenenam as crianças, numa corporação que joga detritos nos mares e nos rios, numa mídia que mente e manipula as massas.
              Uma educação que acorde nas mentes jovens sonhos e utopias, esperanças e forças para mudar esse mundo!

Apesar de todas as tragédias que se anunciam nas mídias, ainda acredito em tudo isso, porque no meio da multidão, há muita gente consolando, confortando, trabalhando pelo que é justo e bom. E acima de tudo, há Deus, o Ser supremo, amoroso e sábio – e não esse deuzinho pregado por fanáticos fundamentalistas – que nos permite a liberdade de aprender com nossos erros, entregando-nos a responsabilidade de construir um mundo melhor, e nos amparando nesse intento, por dentro de nós, com sua presença que ilumina e pacifica, dando-nos a garantia de que o bem vencerá!

 E aqui, o lamento por Mariana:

A lama de Mariana

A lama invadiu o rio

A lama cobriu a terra

A lama levou os bichos

E a vida toda se emperra…



A lama matou a gente

Tornou ruína a cidade

A lama em tsunami estúpido

Contamina a humanidade…



Lama feita de dinheiro

Lama feita de descaso

Mostra o povo no abandono

Mostra a terra em seu atraso!



Lama que vai corroer

A vida de tanta gente

Que fere a mãe natureza

Com chaga funda e pungente!



A lama será deserto

Por não sei quantas idades

Envenenado, mortíssimo

Por talvez eternidades!



A água morta e perdida

A gente suja e sedenta

E quem fez isso onde está?

Como o crime se sustenta?



Choro a tristeza do rio

Choro a morte das pessoas

Choro os bichos soterrados

E o sofrer das almas boas!



Mas choro principalmente

A consciência empedrada

De quem só pensa no lucro

E não respeita mais nada!



(*) educadora, jornalista e escritora brasileira; autora de mais de 20 obras publicadas, dentre elas livros didáticos de filosofia e ensino interreligioso.


¹Fonte: http://doraincontri.com/

Comentários

  1. MARAVILHOSO!!!!!! Roberto caldas

    ResponderExcluir
  2. Francisco Castro de Sousa16 de novembro de 2015 às 11:03

    Excelente! Um grito de alerta!

    ResponderExcluir
  3. Texto belíssimo. Não tenho palavras para enaltecer os ensinamentos ali inseridos. Ele por se só já o faz. Simplicidade, elegância e tolerância.
    Muita paz.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

“TUDO O QUE ACONTECER À TERRA, ACONTECERÁ AOS FILHOS DA TERRA.”

    Por Doris Gandres Esta afirmação faz parte da carta que o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1854! Se não soubéssemos de quem e de quando é essa declaração poder-se-ia dizer que foi escrita hoje, por alguém com bastante lucidez para perceber a interdependência entre tudo e todos. O modo como vimos agindo na nossa relação com a Natureza em geral há muitos séculos, não apenas usando seus recursos, mas abusando, depredando, destruindo mananciais diversos, tem gerado consequências danosas e desastrosas cada vez mais evidentes. Por exemplo, atualmente sabemos que 10 milhões de toneladas de plásticos diversos são jogadas nos oceanos todo ano! E isso sem considerar todas as outras tantas coisas, como redes de pescadores, latas, sapatos etc. e até móveis! Contudo, parece que uma boa parte de nós, sobretudo aqueles que priorizam seus interesses pessoais, não está se dando conta da gravidade do que está acontecendo...

NÃO SÃO IGUAIS

  Por Orson P. Carrara Esse é um detalhe imprescindível da Ciência Espírita. Como acentuou Kardec no item VI da Introdução de O Livro dos Espíritos: “Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram”, sendo esse destacado no título um deles. Sim, porque esse detalhe influi diretamente na compreensão exata da imortalidade e comunicabilidade dos Espíritos. Aliás, vale dizer ainda que é no início do referido item que o Codificador também destaca: “(...) os próprios seres que se comunicam se designam a si mesmos pelo nome de Espíritos (...)”.

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

"ANDA COM FÉ EU VOU..."

  “Andá com fé eu vou. Que a fé não costuma faiá” , diz o refrão da música do cantor Gilberto Gil. Narra a carta aos Hebreus que a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. Cremos que fé é a certeza da aquisição daquilo que se tem como finalidade.

JESUS TEM LADO... ONDE ESTOU?

   Por Jorge Luiz  A Ilusão do Apolitismo e a Inerência da Política Há certo pedantismo de indivíduos que se autodenominam apolíticos como se isso fosse possível. Melhor autoafirmarem-se apartidários, considerando a impossibilidade de se ser apolítico. A questão que leva a esse mal entendido é que parte das pessoas discordam da forma de se fazer política, principalmente pelo fato instrumentalizado da corrupção, que nada tem do abrangente significado de política. A política partidária é considerada quando o indivíduo é filiado a alguma agremiação religiosa, ou a ela se vincula ideologicamente. Quanto ao ser apolítico, pensa-se ser aquele indiferente ou alheio à política, esquecendo-se de que a própria negação da política faz o indivíduo ser político.

A HISTÓRIA DA ÁRVORE GENEROSA

                                                    Para os que acham a árvore masoquista Ontem, em nossa oficina de educação para a vida e para a morte, com o tema A Criança diante da Morte, com Franklin Santana Santos e eu, no Espaço Pampédia, houve uma discussão fecunda sobre um livro famoso e belo: A Árvore Generosa, de Shel Silverstein (Editora Cosac Naify). Bons livros infantis são assim: têm múltiplos alcances, significados, atingem de 8 a 80 anos, porque falam de coisas essenciais e profundas. Houve intensa discordância quanto à mensagem dessa história, sobre a qual já queria escrever há muito. Para situar o leitor que não leu (mas recomendo ler), repasso aqui a sinopse do livro: “’...

FUNDAMENTALISMO AFETA FESTAS JUNINAS

  Por Ana Cláudia Laurindo   O fundamentalismo religioso tenta reconfigurar no Brasil, um país elaborado a partir de projetos de intolerância que grassam em pequenos blocos, mas de maneira contínua, em cada situação cotidiana, e por isso mesmo, tais ações passam despercebidas. Eles estão multiplicando, por isso precisamos conhecer a maneira com estas interferências culturais estão atuando sobre as novas gerações.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...