Pular para o conteúdo principal

"SELINHOS" MUITAS VIDAS E MÚLTIPLOS CONFLITOS NAS AFINIDADES PARENTAIS






 Por Jorge Hessen (*)




A médica Charlotte Reznick vem causando polêmica entre pais ao sugerir que eles evitem dar “selinho” em seus filhos. De acordo com ela, essa é uma demonstração de afeto “erotizante” e pode confundir a criança. Para Charlotte a boca é uma zona erógena do corpo e, assim, as crianças podem associar o beijo com atividades românticas e sexuais entre os pais. [1]A opinião da médica foi criticada e combatida por outros médicos e psicólogos, como Sally-Anne McComarck que afirma ser impossível um “selinho” confundir a cabeça dos filhos. Se fosse assim, profere McComarck, a amamentação traria mais confusão. Aliás, em 2013, Mayim Bialik, que interpreta a cientista Amy Farrah Fowler na série The Big Bang Theory, foi duramente criticada por uma foto em que aparece amamentando o filho de três anos no metrô de Nova York. Apesar de afirmar sentir falta de amamentar o filho, a atriz celebrou o momento em que o filho escolheu desmamar.

Há diversos debates em torno do infantilismo psicossexual – Apesar da mãe ser o parente que gratifica principalmente os desejos infantis, a criança começa a formar uma identidade discreta sexual – “menino”, “menina” – que altera a dinâmica do relacionamento entre pais e filhos; os pais tornam-se objeto de energia libidinal infantil. Na teoria clássica da psicanálise, o complexo de Édipo ocorre durante o estágio fálico do desenvolvimento psicossexual (a idade de 3 até 6 anos), quando ocorre também a formação da libido e do ego; no entanto, pode se manifestar em idade mais precoce.[2] As chamadas complicações edipianas outra coisa não representam senão os laços obscuros que entretecemos, ao enlear almas queridas no nosso carro sentimental – laços esses que passam a reclamar-nos o preciso desfazimento, para que a mútua libertação nos felicite.
Emmanuel nos instrui afirmando que o filho excessivamente vinculado à mãe, na maioria das ocasiões, é aquele mesmo companheiro que a genitora jungiu à própria senda, no passado, a suplicar-lhe agora o apoio necessário, a fim de exonerar-se das algemas psicológicas que o prendem à insegurança. E a filha imensamente ligada ao pai, habitualmente é a mesma companheira que ele acorrentou ao próprio destino em experiências do passado, a implorar-lhe hoje o auxílio indispensável, a fim de se desembaraçar do egoísmo com que se lhe enviscou à influência, em nome do amor. [3]
Baseando-nos no trabalho biológico de construção do ser, assente em milênios numerosos, é indubitável que surpreenderemos na criança todo o equipamento dos impulsos sexuais prontos à manifestação, quando a puberdade lhe assegure mais amplo controle do carro físico. E, com esses impulsos, eis que lhe despontam do espírito as inclinações para maior ou menor ligação com esse ou aquele companheiro do núcleo familiar. O jogo afetivo, porém, via de regra se desenrola mais intensivamente entre a criança e os pais, reconhecendo-se para logo se os laços das existências passadas estão mais fortemente entretecidos com o genitor ou a genitora. [4]
Debitando-se ao impulso sexual quase todos os alicerces da evolução sobre os quais se nos levanta a formação de espírito, é compreensível que o sexo apareça nas cogitações das crianças em seu desenvolvimento natural, e, nesse território de criações da mente infantil, será fácil definir a direção dos arrastamentos da criança, se para os ascendentes paternos ou maternos, porquanto aí revelará precisamente as tendências trazidas de estâncias outras que o passado arquivou. [5]
Apreciando isso, recordemos o cipoal das relações poligâmicas de que somos egressos, quanto aos evos transcorridos, e entenderemos com absoluta naturalidade, os complexos da personalidade infantil. Assim sucede, porque herdamos espiritualmente de nós mesmos, pelas raízes do renascimento físico, reencontrando, matematicamente, na posição de filhos e filhas, aqueles mesmos companheiros de experiência sentimental, com os quais tenhamos contas por acertar. Atentos a semelhante realidade, somos logicamente impulsionados a concluir que os vínculos da criança, de uma forma ou de outra, em qualquer distrito de progresso e em qualquer clima afetivo, solicitam providências e previdências, que sintetizaremos tão-somente numa palavra única: educação. [6]
A inquietação da Dra. Charlotte Reznick sobre os “inocentes selinhos” é corroborada pelo Mentor de Chico Xavier quando afiança que no fundo da personalidade paterna ou do maternal coração, descansam os remanescentes de grandes afeições, às vezes desequilibradas e menos felizes, trazidos de outras estâncias, nos domínios da reencarnação. A libido ou o instinto sexual na forma de energia psíquica, tendente à conservação da vida, permanece, em muitos casos, na carícia dos pais, vestida em veludíneo manto de carinho e beleza, mas o amor é ainda, no adito do espírito, qual fogo de vida que se nutre do próprio lenho [7]
Toda criatura consciente traz consigo, devidamente estratificada, a herança incomensurável das experiências sexuais, vividas nos reinos inferiores da Natureza. De existência a existência, de lição em lição e de passo em passo, por séculos de séculos, na esfera animal, a individualidade, erguida à razão, surpreende em si mesma todo um mundo de impulsos genésicos por educar e ajustar às leis superiores que governam a vida. [8]Cada homem e cada mulher que ainda não se angelizou ou que não se encontre em processo de bloqueio das possibilidades criativas, no corpo ou na alma, traz, evidentemente, maior ou menor percentagem de anseios sexuais, a se expressarem por sede de apoio afetivo, e é claramente, nas lavras da experiência, errando e acertando e tornando a errar para acertar com mais segurança, que cada um de nós – os filhos de Deus em evolução na Terra – conseguirá sublimar os sentimentos que nos são próprios, de modo a erguer-nos em definitivo para a conquista da felicidade celeste e do Amor Universal.
Como vemos temos que entronizar na discussão a importância da teoria da reencarnação para uma compreensão melhor e mais humana dos chamados “complexos parentais”. As ainda raras pesquisas científicas sobre a reencarnação abrem novas possibilidades de compreensão dos conflitos entre pais e filhos. O Espiritismo, por isso mesmo, se torna mais apto a ajudar a psicologia profunda na descoberta das raízes verdadeiras das situações parentais conflitivas.

Nota e referências bibliográficas:
[1] Disponível em http://mulher.terra.com.br/vida-de-mae/selinho-nos-filhos-confunde-e-deve-ser-evitado-diz-medica,6e8b07999ea47234d0b590037d0cbadb74rcRCRD.html acesso 21/09/2015
[2] Joseph Childers, Gary Hentzi eds. Columbia Dictionary of Modern Literary and Cultural Criticism (New York: Columbia University Press, 1995)
[3] Artigo publicado na coluna dominical “Chico Xavier pede licença” do jornal Diário de S. Paulo, na década de 1970.
[4] Xavier, Francisco Cândido. Vida e Sexo, ditado pelo espirito Emmanuel , RJ: Ed. FEB 1970, cap. 14
[5] Idem
[6] Idem
[7] Idem
[8] Xavier, Francisco Cândido. Vida e Sexo, ditado pelo espirito Emmanuel , RJ: Ed. FEB 1970, cap. 24






(*) escritor com livros publicados: Luz na Mente publicada pela Edicel, Praeiro, um Peregrino nas Terras do Pantanal publicado pela Ed do Jornal Diário de Cuiabá/MT, Anuário Histórico Espírita 2002, uma coletânea de diversos autores e trabalhos históricos de todo o Brasil, coordenado pelo Centro de Documentação Histórica da União das Sociedades Espíritas de São Paulo - USE.










Comentários

  1. Curioso! Não tinha me dado conta disso.

    ResponderExcluir
  2. nossa! Nunca ouvir falar algo parecido. Só engrossa a vontade de sempre ler mais.
    Obrigada por curiosa e reflexiva postagem.
    Se puder, poste algo falando mais a respeito das relações parentais.
    Abç. e luz para todos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É preciso entender que a Doutrina Espírita não é fechada em suas múltiplas explicações para as relações familiares ou outro tema qualquer. É óbvio que há algumas situações pontuais que podem estimular reminiscências do passado, mas precisamente, pela forma que os pais se comportam diante da, no passado "bitoca", no presente "selinho". Hábitos com expressões cinematográficas como vemos expostos nas mídias, é provável que cause repercussões na relação. É bom lembrar que a reencarnação é Lei de Harmonia, sempre requisitando responsabilidades nas posições que hora desempenhamos no contexto da família.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

EU POSSO SER MANIPULADO. E VOCÊ, TAMBÉM PODE?

  Por Maurício Zanolini A jornalista investigativa Carole Cadwalladr voltou à sua cidade natal depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit). Ela queria entender o que havia levado a maior parte da população da pequena cidade de Ebbw Vale a optar pela saída do bloco econômico. Afinal muito do desenvolvimento urbanístico e cultural da cidade era resultado de ações da União Europeia. A resposta estava no Facebook e no pânico causado pela publicidade (postagens pagas) que apareciam quando as pessoas rolavam suas telas – memes, anúncios da campanha pró-Brexit e notícias falsas com bordões simplistas, xenofobia e discurso de ódio.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

RECORDAR PARA ESQUECER

    Por Marcelo Teixeira Esquecimento, portanto, como muitos pensam, não é apagamento. É resolver as pendências pretéritas para seguirmos em paz, sem o peso do remorso ou o vazio da lacuna não preenchida pela falta de conteúdo histórico do lugar em que reencarnamos reiteradas vezes.   *** Em janeiro de 2023, Sandra Senna, amiga de movimento espírita, lançou, em badalada livraria de Petrópolis (RJ), o primeiro livro; um romance não espírita. Foi um evento bem concorrido, com vários amigos querendo saudar a entrada de Sandra no universo da literatura. Depois, que peguei meu exemplar autografado, fui bater um papo com alguns amigos espíritas presentes. Numa mesa próxima, havia vários exemplares do primeiro volume de “Escravidão”, magistral e premiada obra na qual o jornalista Laurentino Gomes esmiúça, com riqueza de detalhes, o que foram quase 400 anos de utilização de mão de obra escrava em terras brasileiras.

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.