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DE QUE CIÊNCIA MESMO ESTAMOS FALANDO?






Por Roberto Caldas (*)




Tenho ouvido, lido e até mesmo falado a respeito do relacionamento do Espiritismo com a ciência ortodoxa. Há os que exorbitam nas proporções e ameaçam enxertar mudanças no texto dos livros da Codificação, como se lhes coubessem desfigurar uma obra que não lhes pertence, naturalmente tomados de ímpetos científicos auto-outorgados. Criou-se uma discussão em torno do tema sem que estejamos maduros o suficiente, na minha humilde opinião, para tratarmos de tema tão complexo. Os debatedores, de lado a lado, citam frases de Allan Kardec na tentativa de atribuírem-se razão as suas finalidades díspares, tais como: “quando a ciência demonstrar que o espiritismo estiver errado em um ponto, ele se modificará neste ponto”. 

            Tentar entender o que o Mestre Lionês quis comunicar ao desferir tais argumentações é uma tarefa difícil e necessária para que realinhemos a própria conduta ao exigir que a Doutrina Espírita mantenha paralelos com a ciência oficial. Antes de qualquer atitude nessa direção é importante considerarmos que a ciência espírita cuida especificamente da questão metodológica da observação e interpretação fenomenológica da comunicação entre os mundos dos encarnados e desencarnados, o seu ofício não se encontra baseado em qualquer outra ciência objetiva quais sejam a Matemática, a Astronomia ou a Física, sequer das ciências não objetivas como a Antropologia ou a Medicina. Logo exigir alinhamento de épocas entre o que foi escrito no século XIX e a atualidade quanto à evolução dessas ciências é no mínimo temerário ou estamos esquecidos que a lua foi conquistada com a Física de Newton, Pasteur foi ridicularizado pela ciência de sua época e Freud reconhecido como lunático pelos seus pares da sociedade científica? Não é difícil vermos que a própria pesquisa científica caminha por meio de controvérsias que faz com que o que é dito em um momento pode ser visto de forma diferente em outra circunstância.
            O engano que facilmente cometemos se dá por não compreendermos que Allan Kardec estabeleceu princípios científicos, os quais não foram invenções suas senão a observação do comportamento da Natureza, da evolução humana e dos costumes das civilizações que nos antecederam, formando um corpo doutrinário, cujas características de universalidade ainda não foram alcançadas pela ciência humana, que ainda claudica entre as imperfeições naturais de nossa inteligência limitada e os muitos interesses nem sempre claros que norteiam as pesquisas até então. Lembremos que o alcance da capacidade humana se encontra muito distante do alvo evolucional que almejamos e a nossa ciência não se encontra sendo desempenhada por gênios que detenham em si os altos níveis de inteligência e moralidade a que se pode aspirar. Não precisamos, enquanto espíritas, senão estarmos atentos para acompanhar as novas descobertas científicas cuidando de analisar se essas não colocam por terra aqueles que são os princípios norteadores do Espiritismo. Será que há algum consenso científico que tenha de forma visceral e irrefutável feito o desmentido sobre a Existência de Deus, a Imortalidade da Alma, a Comunicação Mediúnica, a Reencarnação, a Pluralidade dos Mundos Habitados e a Evolução? Se isso aconteceu, então o Espiritismo precisa deixar de defender qualquer desses princípios e adequar-se à visão comprovada e inequívoca a que tenham chegado essas pesquisas. É imperioso ao pensador espírita ter uma postura flexível em perceber que às disciplinas científicas competem analisar a Natureza para aprofundar a visão em direção à realidade supra-objetiva, em busca das verdades que se encontram além dos cinco sentidos e que isso só vai acontecer quando a ciência dos estudos da matéria, que é aquela as quais alguns impõem nos alinhemos, conseguir extrapolar tais limites adentrando no campo do imponderável, esse o espaço de pesquisa da Doutrina Espírita. Acompanhar a ciência parece significar estar aberto para não rejeitar as hipóteses e teses que permitam ao homem moderno, mesmo que temporariamente e parcialmente desde que de forma lógica, compreender o funcionamento dos mecanismos da Natureza de forma progressiva, sem que tenhamos qualquer preconceito contra a contemporaneidade.
            Ao espírita compete de mãos com a segurança doutrinária que tenha alcançado pelo estudo sério da Codificação Espírita: posicionar-se de forma favorável aos movimentos que tragam melhorias aos processos da vida humana; aplaudir às pesquisas que esclareçam a respeito da biologia humana; cooperar com o alargamento das discussões científicas que reposicionam o homem moderno em suas sociedades; receber sem preconceitos as alterações de hábitos sociais que não firam à ética da vida; livrar-se de qualquer ranço quando uma nova idéia pareça contradizer às antigas crenças escolhendo a crítica amistosa depois de análise adequada.
Não é o Espiritismo que tem que correr atrás da ciência ortodoxa para se provar, é a ciência ortodoxa que tem que caminhar muito para se aperfeiçoar até que alcance o status digno de uma ciência espiritualizada, afinal qual o maior objetivo da humanidade senão o de compreender-se cidadã do Universo?              
            

(*) editorialista do programa Antena Espírita e voluntário do C.E. Grão de Mostarda.

Comentários

  1. É assim que se fala!
    Gostei muito!
    Everaldo - Viçosa do Ceará

    ResponderExcluir
  2. "São chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo têm de ser completados;
    em que o véu intencionalmente lançado sobre algumas partes desse ensino tem de ser
    levantado; em que a Ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, tem de levar em
    conta o elemento espiritual e em que a Religião, deixando de ignorar as leis orgânicas e
    imutáveis da matéria, como duas forças que são, apoiando-se uma na outra e marchando
    combinadas, se prestarão mútuo concurso. Então, não mais desmentida pela Ciência, a
    Religião adquirirá inabalável poder, porque estará de acordo com a razão, já se lhe não
    podendo mais opor a irresistível lógica dos fatos". E.S.E CAP. I item 8

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