Pular para o conteúdo principal

A VIOLÊNCIA NOSSA DE CADA DIA

“Se classificarmos a teoria espírita da penalidade (com dois fundamentos:
1 – imediato – a defesa social humana; 2 – mediato – a tutela,
a correção do delinquente, seu melhoramento, seu progresso) – entre as conhecidas
teorias da ciência criminal, teremos que incluir a penalogia espírita na escola
neocorrecionalista de filosofia penal.”
(Profr. Fernando Ortiz)

“Este é o homem, por natureza; se deixado a si mesmo,
cresce selvagemente: ele rouba como come e mata como dorme.
O direito de sua natureza é a sua necessidade, a base de
sua justiça é o seu prazer, os limites de suas exigências são a
sua ociosidade e a impossibilidade de conseguir mais.”
(Johann Heinrich Pestalozzi)





Por Jorge Luiz (*)






O episódio do complexo penitenciário de Pedrinhas (MA), a exemplo dos ocorridos em outros Estados brasileiros; a violência nossa de cada dia, não só refletem a falência do Judiciário, como também do sistema penitenciário brasileiro, além da interferência de complexas e múltiplas causas políticas e sociais. No fundo, entretanto, a sua gênese está na natureza do homem como Ser moral.
            César Lombroso (1835-1909), psiquiatra, cirurgião, higienista, criminologista, antropólogo e cientista italiano, influenciado pela teoria da frenologia¹, assombrou o mundo em 1876, com a publicação da sua obra: “O Homem Deliquente.”
         Segundo a sua doutrina, tanto o criminoso como o delito são atavismos, herança da idade selvagem, da idade animal e até da infância, e o delito é uma consequência da organização física e moral do criminoso.

            Lombroso tornou-se célebre para os espíritas, uma vez que fundamentado em sua teoria, em 1882 lançou o opúsculo "Studi sull'ipnotismo". Nele, ele ridicularizava as manifestações psíquicas, chegando até, segundo ele, a insultar os espíritas. Escarnecia o fenômeno das “mesas girantes e falantes”, considerando charlatã a mente que se prestasse a tal serviço.
                        Lombroso mudou definitivamente suas convicções científicas e morais diante das materializações de sua mãe através da médium Eusápia Paladiono (1854-1918), cujas emoções sentidas assim as definiu:
“Quando revi minha mãe, senti na alma uma das emoções mais suaves da minha vida, uma alegria que raiava pelo paroxismo, à frente da qual me surgia não um impulso de ressentimento, mas de gratidão, por quem ma atirava de novo, depois de tantos anos, entre braços; e na presença desse grande acontecimento terei olvidado, não uma, mas mil vezes, a humilde posição social de Eusápia, que havia feito por mim, embora automaticamente, o que nenhum gigante da ação e pensamento teria podido fazer.”
            Logo em seguida, retratou-se publicamente através de carta nas seguintes expressões:
"Estou muito envergonhado e desgostoso por haver combatido com tanta persistência a possibilidade dos fatos chamados espiríticos; mas os fatos existem e eu deles me orgulho de ser escravo."
            César Lombroso se tornou espírita e suas pesquisas estão consolidadas na obra “Hipnotismo e Mediunidade, editado pela FEB.
            James Fallon, neurocientista americano, pesquisador das causas do comportamento criminoso, buscando associar os padrões anatômicos cerebrais dos pacientes aos comportamentos, assombrou o mundo em 2005 quando afirmou que “ele próprio tinha cérebro de psicopata”. Para ele o que foi determinante para não se tornar um criminoso foi o amor da família e a educação recebida, o que fez mudar suas convicções científicas e morais, antes centradas unicamente na herança genética. Assim ele afirmou:
                        "Tive várias conversas reveladoras com minha mãe. Ela me disse que sempre percebeu um lado sombrio em mim e tomava cuidado especial para neutralizar essas tendências e incentivar outras, mais positivas.” (grifos meus)
            Pesquisas complementares sinalizam que além da carga genética, o indivíduo carrega um fator de risco e isso vai se transformar em doença caso outras coisas contribuam para isso. É o estudo da noção do crime sob o ponto de vista evolucionista, como afirma o Dr. Fernando Ortiz (1881-1969), político, escritor e etnomusicólogo cubano em sua festejada obra “A Filosofia Penal dos Espíritas”, na qual ele considera os espíritas como o autor do citado estudo: “Normalmente o estado criminal é inato; essa tendência, entretanto, não é patológica nem efeito de degenerescência, mas simplesmente uma detenção parcial no desenvolvimento da evolução, em um indivíduo que se acha atrasado com relação ao meio normal da sociedade em que vive.”
         Embora as conclusões de Follon não sejam espiríticas, quanto as de Lombroso, mas já dialogam com elas, uma vez que na questão nº 370 de “O Livro dos Espíritos” os Espíritos nos ensinam que o Espírito tem sempre as faculdades que lhes são próprias e que não são os órgãos que produzem estas faculdades, mas estas que determinam o desenvolvimento dos órgãos.
             Leia-se, entretanto, resposta da questão nº 210 de “O Livro dos Espíritos”, sobre a responsabilidade dos pais relacionadas a reencarnação de um filho Espírito inferior:
“Mas podem melhorar o Espírito da criança a que deram nascimento a que lhes foi confiada. Esse é o dever; filhos maus são uma prova para os pais.” Na questão nº 209, assim os Reveladores Celestes ensinam:
“– Um mau Espírito pode pedir bons pais, na esperança de que seus conselhos o dirijam para uma senda melhor, e muitas vezes Deus o atende.”
         A Doutrina Espírita cataloga que nenhum Espírito progride pela fieira do mal, mas sim pela fieira da ignorância, embora reconheça que a influência dos humores emocionais no contexto familiar e social contribuam para este desiderato. Contudo, pontua que na condição de seres em evolução, a criminalidade aí se situa, embora ateste que o progresso espiritual não é função da evolução biológica, esta sim, decorre da necessidade da primeira.
            A preexistência da alma é fator preponderante sobre a nossa personalidade, cujo aprimoramento moral é fundamental nas decisões contrárias às práticas criminosas.
            O Espiritismo que tem em suas bases a imortalidade da alma, é otimista quando ao futuro do homem na Terra, certo de que não há ser incorrigível. Tendo o livre-arbítrio como patrimônio anímico, o Espírito é senhor de si, dentro de um relativismo arbitral e determinista, e é nisto que está a base da criminologia espirita.
            Em “O Livro dos Espíritos”, questão nº 756 assim ensina:
“– A Humanidade progride. Esses homens dominados pelo instinto do mal, que se encontram deslocados entre os homens de bem, desaparecerão pouco a pouco como o mau grão é separado do bom joeirado. (...). Pois bem: é só depois de muitas gerações que o aperfeiçoamento se torna completo. Essa é a imagem das diversas existências do homem.”
           

(¹) é uma teoria que reivindica ser capaz de determinar o caráter, características da personalidade, e grau de criminalidade pela forma da cabeça (lendo "caroços ou protuberâncias"). Foi muito popular no século XIX, mas atualmente é considerada pseudociência.
            

(*) livre-pensador e voluntário do Instituto de Cultura Espírita do Ceará - ICE.

Comentários

  1. Ler seu texto me fez pensar sobre as seguintes perguntas:
    Quem nós eramos? O que fizemos em vidas pretéritas? Como nós estamos?
    Como estes homens estão? O que estão fazendo? Como estarão?

    Apesar de vivermos em sociedade, a caminhada é, digamos, solitária... vamos progredindo aos poucos, uns mais rápido é verdade... a parte que nos cabe em favor do próximo muitas vezes se resume ao poder da prece.
    A situação por lá é grave. :(
    ...mas, não estamos em um barco a deriva: novos ares hão de chegar.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

O MOVIMENTO ESPÍRITA MUNDIAL É HOJE MAIS AMPLO E COMPLEXO, MAS NÃO É UM MUNDO CAÓTICO DE UMA DOUTRINA DESPEDAÇADA*

    Por Wilson Garcia Vivemos, sem dúvida, a fase do aperfeiçoamento do Espiritismo. Após sua aurora no século XIX e do esforço de sistematização realizado por Allan Kardec, coube às gerações seguintes não apenas preservar a herança recebida, mas também ampliá-la, revendo equívocos e incorporando novos horizontes de reflexão. Nosso tempo é marcado pela aceleração do conhecimento humano e pela expansão dos meios de comunicação. Nesse cenário, o Espiritismo encontra uma dupla tarefa: de um lado, retornar às fontes genuínas do pensamento kardequiano, revendo interpretações imprecisas e sedimentações religiosas que se afastaram de seu caráter filosófico-científico; de outro, abrir-se à interlocução com as descobertas contemporâneas da ciência e com os debates atuais da filosofia e da espiritualidade, como o fez com as fontes que geraram as obras clássicas do espiritismo, no pós-Kardec.

09.10 - O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

            Por Jorge Luiz     “Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)                    Cento e sessenta e quatro anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outr...

A CULPA É DA JUVENTUDE?

    Por Ana Cláudia Laurindo Para os jovens deste tempo as expectativas de sucesso individual são consideradas remotas, mas não são para todos os jovens. A camada privilegiada segue assessorada por benefícios familiares, de nome, de casta, de herança política mantenedora de antigos ricos e geradora de novos ricos, no Brasil.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

ALLAN KARDEC E A DOUTRINA ESPÍRITA

  Por Doris Gandres Deolindo Amorim, ilustre espírita, profundo estudioso e divulgador da Codificação Espírita, fundador do Instituto de Cultura Espírita do Brasil, em dado momento, em seu livro Allan Kardec (1), pergunta qual o objetivo do estudo de uma biografia do codificador, ao que responde: “Naturalmente um objetivo didático: tirar a lição de que necessitamos aprender com ele, através de sua vida e de sua obra, aplicando essa lição às diversas circunstâncias da vida”.

PRÓXIMOS E DISTANTES

  Por Marcelo Henrique     Pense no trabalho que você realiza na Instituição Espírita com a qual mantém laços de afinidade. Recorde todos aqueles momentos em que, desinteressadamente, você deixou seus afazeres particulares, para realizar algo em prol dos outros – e, consequentemente, para si mesmo. Compute todas aquelas horas que você privou seus familiares e amigos mais diletos da convivência com você, por causa desta ou daquela atividade no Centro. Ainda assim, rememore quantas vezes você deixou seu bairro, sua cidade, e até seu estado ou país, para realizar alguma atividade espírita, a bem do ideal que abraçaste... Pois bem, foram vários os momentos de serviço, na messe do Senhor, não é mesmo? Quanta alegria experimentada, quanta gente nova que você conheceu, quantos “amigos” você cativou, não é assim?

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...

JESUS E A QUESTÃO SOCIAL

              Por Jorge Luiz                       A Pobreza como Questão Social Para Hanna Arendt, filósofa alemã, uma das mais influentes do século XXI, aquilo que se convencionou chamar no século XVII de questão social, é um eufemismo para aquilo que seria mais fácil e compreensível se denominar de pobreza. A pobreza, para ela, é mais do que privação, é um estado de carência constante e miséria aguda cuja ignomínia consiste em sua força desumanizadora; a pobreza é sórdida porque coloca os homens sob o ditame absoluto de seus corpos, isto é, sob o ditame absoluto da necessidade que todos os homens conhecem pela mais íntima experiência e fora de qualquer especulação (Arendt, 1963).              A pobreza é uma das principais contradições do capitalismo e tem a sua origem na exploração do trabalho e na acumulação do capital.