Pular para o conteúdo principal

A HORA É MESMO EXTREMA






 Por Sérgio Aleixo (*)



Mais equívocos em traduções dos textos de Kardec, e agora, salvo exceções indicadas, todos em edições L.A.K.E. ou F.E.E.S.P., por J. Herculano Pires...[1]

1 - N. 189 de O Livro dos Espíritos. Onde se lê: “Em sua origem, os Espíritos não têm mais do que uma existência instintiva, possuindo apenas a consciência de si mesmos e de seus atos”, leia-se, na verdade: “Em sua origem, os Espíritos não têm mais do que uma existência instintiva, mal possuindo consciência de si mesmos e de seus atos”. No francês: “A leur origine, les Esprits n'ont qu'une existence instinctive et ont à peine conscience d'eux-mêmes et de leurs actes”. Uma coisa é “mal possuir consciência de si”, outra, “possuir apenas a consciência de si”.

2 - N. 673 de O Livro dos Espíritos. Onde se lê: “Já vos disse, por isso mesmo, que Deus desaprova as cerimônias que fazeis para as vossas preces, pois há muito dinheiro que poderia ser empregado mais utilmente”, leia-se, na verdade: “Não quero dizer com isto que Deus desaprove as cerimônias que praticais para a ele orardes, mas muito dinheiro se gasta aí que poderia ser mais utilmente empregado”. No francês: “Je ne dis pas pour cela que Dieu désapprouve les cérémonies que vous faites pour le prier, mais il y a beaucoup d'argent qui pourrait être employé plus utilement qu'il ne l'est”. Uma coisa é Deus condenar as cerimônias, outra, que não as condene.


3 - N. 11 do cap. XXVIII de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Onde se lê: “Além do nosso anjo guardião, que é sempre um Espírito superior a nós, temos os Espíritos protetores”, leia-se, na verdade: “Além do nosso anjo guardião, que é sempre um Espírito superior, temos os Espíritos protetores”. No original: “Outre notre ange gardien, qui est toujours un Esprit supérieur, nous avons des Esprits protecteurs”. Esta inserção: “a nós”, só se verifica a partir da 59.ª edição da L.A.K.E., de 2003, ausente nas anteriores e, por exemplo, na 14.ª da F.E.E.S.P., de 1998, o que isenta, evidentemente, Herculano Pires. Uma coisa é “um Espírito superior”, outra, “um Espírito superior a nós”, sobretudo num contexto especialíssimo, em que Kardec define os tipos e elevações dos espíritos que se nos ligam, adiante esclarecendo de modo a não restar dúvida: “Deus nos deu um guia principal e superior em nosso anjo guardião, e guias secundários nos nossos Espíritos protetores e familiares”. No original: “Dieu nous a donné un guide principal et supérieur dans notre ange gardien, et des guides secondaires dans nos Esprits protecteurs et familiers”. Portanto, todo anjo guardião é espírito protetor, todavia nem todo espírito protetor é anjo guardião, precisamente porque este, como assegura o mestre, é sempre um Espírito superior.

4 - N. 23 do cap. IV de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Onde se lê: “4.º) a conservação da individualidade, com o progresso infinito, segundo a doutrina espírita”, leia-se, na verdade: “4.º a individualidade com progressão indefinida (ou indefinita), segundo a doutrina espírita”. No original: “4.º l'individualité avec progression indéfinie, selon la doctrine spirite”; portanto, progression indéfinie, não infinie. Uma coisa é que o progresso da alma seja indefinito, outra, que o seja infinito. Kardec, aliás, postula que a ascensão da alma ao bem absoluto deve ter um limite, porque jamais chegaria à felicidade perfeita se estivesse a subir incessantemente. (Cf. Revista Espírita. Set/1862. Poesias Espíritas. Peregrinações da Alma. Observação.) Nada obstante, Evandro N. Bezerra, para a F.E.B., preferiu traduzir os dizeres do mestre: “progrès successif et indéfini de l'âme”, por “progresso contínuo e infinito da alma”. Melhor, a opção de Julio A. Filho, para a EDICEL: “progresso sucessivo e indefinido da alma”; a corroborá-la está a escolha de Salvador Gentile, para o I.D.E. (Cf. Revista Espírita. Nov/1863. Pluralidade das Existências e dos Mundos Habitados. Pelo Dr. Gelpke.)

5 - N. 7 do cap. XXI de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Onde se lê: “Antes que as relações mediúnicas fossem conhecidas, eles exerciam a sua ação de maneira mais ostensiva pela inspiração, pela mediunidade inconsciente, auditiva ou de incorporação”, leia-se, na verdade: “Antes que as relações mediúnicas fossem conhecidas, eles exerciam a sua ação de maneira menos ostensiva, pela inspiração, pela mediunidade inconsciente, auditiva ou falante”. No francês: “Avant que les rapports médianimiques fussent connus, ils exerçaient leur action d'une manière moins ostensible, par l'inspiration, la médiumnité inconsciente, auditive ou parlante”. Na 58.ª edição, de 2002, “mais ostensiva” dá lugar ao correto: “menos ostensiva”; sem qualquer aviso, porém, da editora L.A.K.E., o que retira credibilidade da publicação, pois, com a morte de Herculano Pires em 1979, sua obra forçosamente se petrifica, e não se pode, sem aviso, nela mexer a bel-prazer, para bem ou para mal. Permanece, contudo, a opção equívoca do mestre paulista por mediunidade “de incorporação”. Kardec escreveu mediunidade “falante”. Pode um espírito agir sobre as cordas vocais do médium sem necessariamente haver “incorporação” desse espírito no corpo do médium. Esta palavra, aliás, não é do Espiritismo. Kardec acabou admitindo a pertinência do termo “possessão” em A Gênese, XIV, 47-48 e, antes disso, na Revista Espírita de dezembro de 1863: “Dissemos que não havia possessos no sentido vulgar do termo, mas subjugados. Queremos reconsiderar esta asserção, posta de maneira um tanto absoluta, já que agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, embora parcial, de um espírito encarnado por um espírito errante”. (Um Caso de Possessão. Senhorita Júlia. F.E.B., p. 499.)

[A lista permanecerá em aberto.]


[1] Afora os nove casos elencados no cap. 9 do meu livro O Primado de Kardec. Oito deles de âmbito febiano, um, relativo ao I.D.E. http://oprimadodekardec.blogspot.com.br/2011/02/capitulo-9-tradutor-traidor.html. 


(*) Comunicador, palestrante e escritor dedicado ao Espiritismo. Presidente da Associação de Divulgadores do Espiritismo do Rio de Janeiro.



Comentários

  1. Espíritas, não tenhamos dúvidas que a hora é extrema! Os atalhos e desvios doutrinários no Brasil são nuvens espessas e negras que ameaçam a meridiana espiritista. Tomemos tento!

    ResponderExcluir
  2. Arrisco-me um tanto fora do contexto, mas... no "CANTEIRO DE DIVULGAÇÃO" aparece um link para site de astrologia com o texto "Pergunte-me sobre AMOR DINHEIRO FAMÍLIA". Indago se seria apropriado ao ótimo blog.

    ResponderExcluir
  3. Cristiano,
    Não consigo localizar o link a que se refere. No espaço citado só tem o banner da campanha do ICE sobre a arrecadação de água para as vítimas da seca. Claro que em existindo não é inserção nossa. Dê-me mais detalhes pois não localizei.
    Abração!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Era mais no alto, Jorge (acima do banner "Brasil sem Aborto").
      Mas quem conhece o blog via logo que estava fora de contexto e devia ser invasão mesmo (aliás, o tipo mais comum na rede).
      E já saiu. Hoje lá só tem a divulgação do site da FEB. Abraços e parabéns pelo espaço virtual espírita de verdade.

      Excluir
  4. Olá, Cristiano!
    Depois que te respondi fui entender o que registraste. Há uns 30 dias os espaços gratuitos da net - emails, blogs, etc, - foram invadidos por publicidade do gênero que assinalaste, além das de emagrecimento, ganhar dinheiro fácil, ganhar massa física, etc. Tentei tirá-los e não consegui. Vou elaborar um comunicado para os seguidores que o blog não cede espaço para publicidade, além dos parceiros que estão localizados no CANTEIRO DAS PARCERIAS.
    Valeu pelo registro!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

RECORDAR PARA ESQUECER

    Por Marcelo Teixeira Esquecimento, portanto, como muitos pensam, não é apagamento. É resolver as pendências pretéritas para seguirmos em paz, sem o peso do remorso ou o vazio da lacuna não preenchida pela falta de conteúdo histórico do lugar em que reencarnamos reiteradas vezes.   *** Em janeiro de 2023, Sandra Senna, amiga de movimento espírita, lançou, em badalada livraria de Petrópolis (RJ), o primeiro livro; um romance não espírita. Foi um evento bem concorrido, com vários amigos querendo saudar a entrada de Sandra no universo da literatura. Depois, que peguei meu exemplar autografado, fui bater um papo com alguns amigos espíritas presentes. Numa mesa próxima, havia vários exemplares do primeiro volume de “Escravidão”, magistral e premiada obra na qual o jornalista Laurentino Gomes esmiúça, com riqueza de detalhes, o que foram quase 400 anos de utilização de mão de obra escrava em terras brasileiras.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

A CIÊNCIA DESCREVE O “COMO”; O ESPÍRITO RESPONDE AO “QUEM”

    Por Wilson Garcia       A ciência avança em sua busca por decifrar o cérebro — suas reações químicas, seus impulsos elétricos, seus labirintos de prazer e dor. Mas, quanto mais detalha o mecanismo da vida, mais se aproxima do mistério que não cabe nos instrumentos de medição: a consciência que sente, pensa e ama. Entre sinapses e neurotransmissores, o amor é descrito como fenômeno neurológico. Mas quem ama? Quem sofre, espera e sonha? Há uma presença silenciosa por trás da matéria — o Espírito — que observa e participa do próprio enigma que a ciência tenta traduzir. Assim, enquanto a ciência explica o como da vida, cabe ao Espírito responder o quem — esse sujeito invisível que transforma a química em emoção e o impulso biológico em gesto de eternidade.

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...

KARDEC E OS ESPÍRITAS INCONVENIENTES: DIÁLOGO CONVENIENTE

    Por Jorge Luiz                Allan Kardec, em a Revista Espírita , de março de 1863, valendo-se de dois artigos – A Luta entre o Passado e o Futuro e Falsos Irmãos e Amigos Inábeis , elaborou uma série de comentários acerca do progresso do Espiritismo entre as diatribes dos atos de violência que a doutrina recebia, analisando, ao mesmo tempo, o comportamento dos espíritas no movimento que se iniciava, pelo próprio desconhecimento da Doutrina, os quais ofereciam a esses opositores mais armas que do realmente a defesa que o Espiritismo necessitava. O autor da referida obra abordava principalmente as publicações mediúnicas e as atitudes precipitadas de certos adeptos. Ele, buscando definir esses fatos, justificou-se usando o seguinte provérbio, ao exigir que os espíritas agissem de forma amadurecida: “Mais vale um inimigo confesso do que um amigo inconveniente.” Sabe-se que o sujeito inconveniente é aquele pelo qual não segue ...