terça-feira, 9 de julho de 2013

EDUCAÇÃO ESPÍRITA ¹








Por Francisco Cajazeiras (*)


Francisco Cajazeiras Quais as relações existentes entre Educação e o Espiritismo?

Dora Incontri Muitas. Primeiro porque Kardec era um educador. Antes de se dedicar ao Espiritismo, à pesquisa das mesas girantes, depois à codificação da Doutrina Espírita, durante trinta anos, na França, exerceu a função de educador. Foi discípulo de um dos maiores educadores de todos os tempos que foi Pestalozzi.
Então o Espiritismo segue uma tradição pedagógica. E o Espiritismo, ele próprio, é uma proposta pedagógica do Espírito. O Espiritismo não é uma proposta salvacionista, ele é uma proposta que pretende que o homem assuma a sua autoeducação como aperfeiçoamento espiritual.

Francisco Cajazeiras – Então quer dizer que existe uma educação espírita e uma pedagogia espírita?

Dora Incontri Existe. Existe porque toda filosofia, toda concepção de homem, de mundo, toda cosmovisão desemboca, necessariamente, numa prática pedagógica. Se você tem uma doutrina materialista, você terá, consequentemente, uma proposta pedagógica materialista; se você tem uma visão de mundo espiritualista, também terá uma proposta espiritualista; se você terá uma proposta pedagógica coerente como os princípios da Doutrina Espírita. É isso que nós estamos tentando pesquisar, elaborar, enfim, contribuir para que pedagógica espírita seja mais sistematizada, mais conhecida e mais aplicada.

Francisco Cajazeiras O que você acha da criação de escolas espíritas? Como é que o movimento espírita tem se comportado com relação a isso?


Dora Incontri O movimento espírita tem negligenciado essa tarefa de educar, o movimento espírita tem se dedicado muito mais ao assistencialismo, à assistência social, que é um setor respeitável, digno, porem a tarefa educacional teria de ser primordial e o movimento espírita não tem contribuído muito nesse sentido. Eu penso que é preciso criar escolas espíritas o mais rápido possível e não só escolas, como centros culturais, institutos de divulgação, universidades, enfim, núcleos de cultura espírita. Só que eu não entendo escola espírita como um lugar em que se pratique uma pedagogia igual às outras e haja uma aula de Espiritismo por semana, porque então, o Espiritismo se torna uma espécie de catequese e não é essa a proposta. A proposta é fazer uma escola que aplique uma nova pedagogia.

Francisco Cajazeiras – Então, desse modo, você tem uma visão diferente para os trabalhos que são realizados no Centro Espírita ao que se convencionou chamar de “Evangelização Infantil”.

Dora Incontri Tenho, porque todo o processo de ensino do Espiritismo no Centro Espírita, seja evangelização infantil, sejam os cursos que são dados para os adultos, para os jovens do Espiritismo, enfim, todo aquele ensino que no Centro Espírita tem por objetivo transmitir o conteúdo do Espiritismo, não tem se baseado numa proposta de Pedagogia Espírita. Têm sido cursos iguais a qualquer curso que se dá em qualquer comunidade, em qualquer escola, ou seja, de maneira passiva, as pessoas ficam ouvindo sentadas, não há participação, No caso da Evangelização, ela tem sofrido algumas propostas interessantes de melhoria e incremento, porém ainda estamos longe, porque em geral a Evangelização no Centro Espírita é uma espécie de catequese. É preciso tornar a Evangelização algo dinâmico, em que a criança produza, participe com estímulo das artes, da música, das poesias, de histórias, enfim, em que elas participem, façam alguma coisa, não fiquem só ouvindo alguém contar, explicar o que é Espiritismo.

Francisco Cajazeiras A questão do próprio nome “Evangelização Infantil”, de certa forma, não limita a ação do Espiritismo em relação à criança, ao adolescente de uma forma geral?

Dora Incontri Penso que sim, isso revela que o ensino do Espiritismo para crianças tem sido focalizado no aspecto religioso, como totó movimento espírita tem se focado mais no Brasil no aspecto religioso, por um problema cultural nosso. Nós vivemos uma cultura em que a ciência, a filosofia não tão desenvolvidas, então esses aspectos do Espiritismo não tiveram muita ênfase no nosso meio. Por isso a Evangelização é também uma manifestação-título e o que se faz da Evangelização, que é uma espécie de catequese – como eu já disse -, reflete esse aspecto mais religioso do movimento.

Francisco Cajazeiras – Então, talvez fosse interessante usar “Educação Espírita Infantil”?

Dora Incontri – É, por exemplo. Ou Espiritismo para crianças, qualquer coisa desse tipo. Eu penso assim.

Francisco Cajazeiras - Sua mensagem aos leitores da Revista FORTALEZA ESPÍRITA nesse sentido, englobando a questão da educação:

Dora Incontri – Eu espero que nós consigamos, aqui no Brasil, fazer uma proposta, de fato, consistente e um modelo de educação nova para oferecer ao mundo e ao Terceiro Milênio, uma escola diferente e renovada, revolucionária, espírita. E eu conto, então, com a colaboração de todos, nós contamos com a colaboração mútua dentro do Movimento Espírita para que possamos construir isso e convido aos leitores a lerem as minhas obras, tanto “Pestalozzi – Educação e Ética”, que trata exatamente desse grande mestre de Kardec e agora o mais novo lançamento “Educação Segundo o Espiritismo”, onde eu proponho algumas ideias para a elaboração dessa pedagogia. Queria dizer que, também, estou fazendo uma tese na USP – Universidade de São Paulo sobre Pedagogia Espírita2. A minha tese de doutorado. Porque é importante a gente levar essas ideias para uma universidade para que elas tenham um referendum acadêmico. Então, essa é a convocação que eu faço a todos para que participem desse projeto de educação espírita do Brasil.

¹ entrevista realizada no Cine Teatro da Casa do Comércio em Salvador-BA, no dia 28/07/1997, por ocasião do 2º Fórum Baiano de Espiritismo, publicada na revista Fortaleza Espírita, nº 3 – jul-ag-set/1997 - (fora de circulação).
² a tese de mestrado da professora Dora Incontri foi publicada com o título Pedagogia Espírita, pela Editora Comenius. Dora Incontri é jornalista, educadora e escritora. Suas áreas de atuação são Educação, Filosofia, Espiritualidade, Artes, Espiritismo. 
(*) escritor espírita, presidente do Instituto de Cultura Espírita e da Associação Médico-Espírita do Ceará. 


4 comentários:

  1. Apesar dos dezesseis anos passados, a entrevista é atualíssima o que justifica nova publicação. As ideias da prof. Dora Incontri, sempre ricas e viris, merecem discussão e aplicabilidade no seio da Casa Espírita.

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  2. Boa parcela das Instituições espíritas o público ainda é passivo nas atividades. Não possibilitam a interação do público com o expositor, com o propósito de levantar questionamentos acerca das suas dúvidas. É um modelo eminentemente igrejeiro.

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  3. Por conta dessa passividade ou falta mesmo de buscas pelas informações reais e didáticas.A maioria de nós ficamos presos a ideias equivocadas e passadas ( buscando apenas a religiosidade de fato ligada aos romances literários). Não abrimos o leque da evolução do conhecimento. Ficamos em círculos apenas.

    Vanessa

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  4. Francisco Castro de Sousa6 de abril de 2017 às 19:24

    Vejo dois pontos importantes nessa abordagem: Um, é que está sendo feita alguma coisa. Dois, é a discussão do que está sendo feito: É a coisa correta a ser feita? Sim. É a maneira correta de se fazer o que está sendo sendo feita? Não. Discutir esses dois pontos conduzirá a atingirmos o fazer da maneira correta a coisa certa!

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