domingo, 19 de fevereiro de 2023

O MOVIMENTO ESPÍRITA BRASILEIRO HEGEMÔNICO FEDERATIVO INSTITUCIONALIZADO E O SILÊNCIO ANTIDEMOCRATICO¹

 


Por Alexandre Júnior

O Movimento Espírita Brasileiro Hegemônico Federativo Institucionalizado é solo fértil para o fundamentalismo religioso, falta de senso crítico, reprodução de conteúdo, e produção de ídolos. Em contraponto, é essencial investir em um movimento pensado e produzido dentro da sociedade de seu tempo para dialogar com as diversas culturas formadoras de nosso povo, ao invés do costumeiro silêncio.

Não é de hoje que assinalamos a necessidade de o Movimento Espírita Brasileiro Hegemônico Federativo Institucionalizado precisar urgentemente tratar das questões político-sociais, sob pena de, além de poder produzir alienação na negação da referida discussão, se tornar omisso, e, em assim sendo, não trabalhar contra a instauração do caos social em nosso país.

Recentemente a Federação Espírita Brasileira (FEB) lançou uma nota se colocando contrário aos atentados terroristas, ocorridos nos prédios dos três poderes de nossa pátria no último dia 8 de janeiro de 2023. Posicionamento importante, porém, sem a contundência exigida para a gravidade do momento, e tardio, já que poderia ter sido feito em relação às ações que o antecederam, posto que serviram de base para o mencionado ataque à sede dos poderes brasileiros!

Encontraremos entre os espíritas aqueles que dirão: “antes tarde do que nunca”. Mas, refletindo sobre este extemporâneo manifesto, especificamente, percebemos as dores, angústias e mortes impostas a uma parcela significativa de nossa sociedade, e, no mesmo período, o silencio perturbador das Federativas Espíritas, inclusive a aqui citada.

Os descalabros promovidos pelo governo Bolsonaro, e, pessoalmente, pelo ex-presidente, foram muitos, durante a gestão, e culminaram, no dia 8 de janeiro de 2023, nos ataques terroristas ao Palácio do Planalto, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal, (STF). Ou seja, foram direcionados à representação dos três poderes de nossa Pátria, não nos esquecendo de que ela, a Pátria, é de todos os brasileiros, e não dos “patriotas” violentos, negacionistas, truculentos e fascistas.

As desventuras do referido ex-governante também não começaram com a relativização de uma pandemia que ceifou a vida de 700 mil brasileiros, negociando valores superfaturados na compra de vacinas, defendendo remédios ineficazes e prejudiciais à saúde, quando usados de forma inadvertida.

Este infortúnio não começou com a crise humanitária a que foi submetido o povo Yanomami nem, tampouco, quando o já citado ex-presidente decretou autorização para os garimpos ilegais funcionarem. Mas este fato absurdo, aviltante, de comprovada leviandade contra a vida deste povo originário, caracteriza além de degradação moral, crime contra humanidade. Aqui o silêncio novamente se fez!

Este cenário social infame não foi inaugurado com a morte de Bruno Pereira e Dom Phillips, nem de Marielle Franco e Anderson Gomes! Mais silêncios que agrediram os nossos ouvidos e os nossos corações.

Preferem, então, os espíritas do segmento majoritário falar do aborto, distorcendo as leis e complicando a compreensão das pessoas sobre o tema. O aborto é um tema de saúde pública e, como tal, precisa e deve ser tratado como questão de saúde pública, e não a partir de falsos moralismos, que produzem votos ou promovem a manutenção do status quo para qualquer agente governamental ou ente federativo.

Se faz imperioso compreender a necessidade de produzirmos uma pauta sobre o aborto que leve em consideração as Ciências, inclusive as Humanas, e desta maneira, descermos do pedestal da arrogância que caracteriza uma parte significativa do Movimento Espírita Brasileiro Hegemônico Federativo Institucionalizado. Este, mais preocupado em ser a “terceira revelação” e de conferir ao nosso país o dístico de ser o “Brasil coração do mundo e pátria do evangelho”, parece ter perdido completamente a sensibilidade com as questões humanas e sociais e a própria relação com a realidade. Os movimentos intitulados de “pró-vida”, acabam sendo na realidade movimentos “pró-vida intrauterina”. Portanto, após o nascimento, basta apenas continuarmos abastecendo de cestas básicas seus corpos pretos, indígenas, femininos e LGBTQIAP+, sem esquecer do pão e da sopa. Afinal de contas, se ouve constantemente em relação a eles que “boa coisa não foram para passar por isso nesta encarnação”.

E assim vamos renunciando a todas as nossas responsabilidades sociais, vivendo uma perspectiva de mundo a partir do mundo espiritual, desprezando a necessidade e importância das relações sociais e criando um mundo desconectado da realidade, alimentando as Colônias Espirituais formadas por “homens de Bem”, brancos, héteros, classe média e “patriotas”.

Este cenário social desolador não principiou com o voto a favor do impeachment de uma presidenta democraticamente eleita, que na verdade era a representação de um golpe jurídico midiático parlamentar. Lembremos que, na sessão legislativa que apreciou o impedimento da governante, o ex-presidente fez destacada homenagem, exaltando a figura de Carlos Alberto Brilhante Ustra, um torturador dos piores que o nosso país produziu. Ou, ainda, bradou que “Precisamos fazer um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30.000”. Também quando o mesmo disse a uma mulher, a Deputada pelo Rio Grande do Sul, Maria do Rosário: “Ela não merece [ser estuprada] porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece”.

A mesma FEB que defende não se falar de política em ambientes espíritas, permaneceu em sepulcral silêncio quando o médium Baiano Divaldo Pereira Franco chamou Sérgio Moro – sabidamente um juiz parcial – de “paladino da justiça”. Manteve-se em igual silêncio quando o referido médium fez descabidas e desinformadas declarações sobre “ideologia de gênero”. O que nos faz pensar: ou a referida federativa assim como o Senhor Divaldo Franco, não entende dos assuntos em destaque, ou concorda com suas análises. Ou, então e ainda, o médium se tornou maior do que o órgão federativo, não podendo desta maneira ser questionado.

Podemos chamar os atos terroristas de 8 de janeiro, como a morte de uma crônica anunciada, porque esta nota de repúdio “febiana”, por mais que seja importante, a partir das análises aqui produzidas, nos leva a crer que veio tarde. O silêncio ensurdecedor produzido, desde a sua fundação em 2 de janeiro de 1884, mas em especial nestes últimos sete anos é no mínimo conivente com tudo que está acontecendo nos dias de hoje.

O Movimento Espírita Brasileiro Hegemônico Federativo Institucionalizado foi e está sendo tomado de assalto por espíritas bolsonaristas, se é que seja possível esta combinação, e a facilitadora (FEB) não vê, finge não ver ou compactua com as mesmas ideologias defendidas pelo ex-mandatário e seus seguidores. Em assim procedendo, torna este referido movimento solo fértil para o fundamentalismo religioso, a falta de senso crítico, a reprodução de conteúdo e a produção de ídolos.

Sendo assim, urge a necessidade de um Movimento Espírita que, pensado e produzido dentro da sociedade de seu tempo, dialogue com as diversas culturas formadoras de nosso povo, interaja com todas elas e seja capaz de propor diálogo ao invés de silêncio; acolhimento ao invés de julgamento; e amor ao invés da política de ódio, considerado este um amor representativo, composto de toda a diversidade que nos forma enquanto brasileiros. Que seja, deste modo, diverso, verdadeiro e pleno, com toda a força que nos for possível sentir!

 

 

¹ publicado originalmente em Espiritismo com Kardec - ECK

9 comentários:

  1. “boa coisa não foram para passar por isso nesta encarnação”
    Esta é uma frase, ou melhor, uma sentença de condenação. O autor discorre sobre os passos da institucionalização dos Espiritismos no Brasil. Fato que resulta num embotamento da capacidade crítica dos espíritas. Assim, as Casas Espíritas e seus trabalhadores, possuem uma compreensão muito particular do que seja "responsabilidade social". E, a partir disto, assumem as "pautas conservadoras" reinantes e subliminares da Sociedade Brasileira. E a conclusão? Não vejo nestas Instituições, mas no comprometimento, gradativo, por parte dos espíritas, que se conscientizem da real necessidade da atuação política na Sociedade.

    ResponderExcluir
  2. O movimento espírita precisa ser progressista. Não é admissível tanto atraso em relação às pautas sociais.

    ResponderExcluir
  3. O movimento Espírita Brasileiro, não é de hoje, tornou-se um campo fértil para uma mensagem alienante e alienada. Com um discurso fácil, com o lema "Fora da caridade não a salvação", fechou-se para as urgências sociais e a demanda cada vez mais premente de uma política socialista.
    Fechada em seu castelo, as federadas tornou-se um criadoro de espíritas fundamentalistas e mediuns que não podem ser contestados, e muito menos submetidos às orientações do próprio Allan Kardec.
    Quero parabenizar ao amigo Alexandre por este texto de imensa lucidez.

    ResponderExcluir
  4. Mais um excelente texto. Mais uma excelente reflexão. Parabéns, Alexandre Júnior!

    ResponderExcluir
  5. Excelente provocação! Precisamos pra ontem pensar pelas nossas próprias cabeças, sair da bolha alienante que nós permitimos colocar e pensar convergente com a DE de forma livre e isentos de dogmas. Obrigada Alexandre. Eurilene - Gurupi TO

    ResponderExcluir
  6. Parabéns! Alexandre Jr, pelo seu empenho e preciosa dedicação.

    ResponderExcluir
  7. Excelente !!! Precisamos SEMPRE nos posicionar contra todos os males!

    ResponderExcluir