Pular para o conteúdo principal

A PRECE ESPÍRITA



“Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós”
(Gilberto Gil)





            Divaldo Franco, médium e orador espírita baiano, festejado não só no Brasil como em outros países que visita, afirmou em certa ocasião que “os espíritas transformaram a prece em ritual.” A afirmativa soou como heresia. O Espiritismo não tem ritual. Como então a prece poderia ser um ritual?
            Vamos à definição de ritual, segundo o dicionário Larousse: “conjunto de práticas consagradas pelo uso, ou ditadas por normas, que se deve observar sem alteração em ocasiões determinadas;”
            É óbvio que a prece não é um ritual, pois a sua finalidade é elevar a alma a Deus, como afirma Allan Kardec. Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Kardec dedica o capítulo XXVII ao estudo da prece em todas as suas dimensões. No capítulo seguinte, como sugestão, ele oferece coletânea de preces ditadas pelos Espíritos em várias ocasiões.

               Digno de nota, no entanto, é que para reuniões doutrinárias ele é específico e apenas sugere para as reuniões fechadas não havendo sugestão às reuniões públicas.
        Allan Kardec, sobre o uso de práticas exteriores e cultos nos grupos, elabora comentários inseridos na obra “Viagem Espírita 1862”, cap. XI, a respeito das frequentes indagações da utilidade de iniciar as sessões com preces e atos exteriores de culto religioso. Ele responde asseverando que a resposta não é apenas dele, mas também dos Espíritos que trataram desse assunto. Nos seus comentários ele fala da utilidade sim, observando-se o sentimento de religiosidade, restrito ao sentido de respeito e recolhimento. Alerta, no entanto, que o Espiritismo se dirige a todos os cultos, e não recomenda a adoção de certas formalidades.
            Ele é enfático quando diz: “(...) aconselhamos a abstenção de qualquer prece litúrgica, sem exceção mesmo da Oração Dominical por mais bela que seja. Como, para fazer parte de um grupo espírita, não se exige que ninguém abjure sua religião, permita-se que cada um faça a seu bel prazer e mentalmente, a prece que julgar a propósito, O importante é que não haja nada de ostensivo e, sobretudo, nada de oficial.(...).” Recomendo a leitura de todo o capítulo, pelo menos.
            Interessante ressaltar que o tradutor, Wallace Leal. V. Rodrigues fez uma observação no rodapé do capítulo que, no Congresso Internacional de Espiritismo, realizado em Copenhague em 1921, os representantes do Oriente reclamaram as frequentes menções ao Cristo, relegando ao esquecimento figuras de seus lideres religiosos, tais como Buda, Maomé, etc.
            Em a Revista Espírita, de dezembro de 1868, ao responder se o “Espiritismo é uma Religião”, ele recomenda o seguinte: “As reuniões espíritas podem, pois, ser feitas religiosamente, isto é, com o recolhimento e respeito que comporta a natureza grave dos assuntos de que se ocupa; pode-se mesmo, na ocasião, aí fazer preces que, em vez de serem ditas em particular, são ditas em comum, sem que, por isto, sejam tomadas por assembleias religiosas.”
            É fácil de perceber qual o pensamento de Allan Kardec a respeito da prece. Ele é sobejamente didático. A não considerar as orientações de Kardec, como é cultural no movimento espírita brasileiro, erra-se pela ignorância.
            Por ainda sabermos pouco sobre a prece, massificamo-la; tudo que se massifica perde em substância. A sua repetição, formalidade e mecanicidade fundamentaram os comentários de Divaldo Franco.
              No preâmbulo do capítulo XXXVII de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Kardec assinala que: “Os Espíritos sempre disseram: A forma não é nada, o pensamento é tudo. Faça cada qual a sua prece de acordo com as suas convicções e da maneira que mais lhe agrade, pois um bom pensamento vale mais do que numerosas palavras que não tocam o coração.”
                 Pensemos nisso!
                       
           
                                   

Comentários

  1. Tema forte. \o/
    O papel da prece nos Centros espíritas brasileiros, da forma como é utilizado até que não chega a ser tão grave, levando-se em consideração que no Brasil os cristão são maioria 86,8%,segundo dados do IBGE.

    Ou seja, a probabilidade de se ofender alguém na "platéia" durante uma prece é baixa, o que poderia não acontecer no oriente. rs

    Como conheci o espiritismo com preces antes e depois dos trabalhos espíritas, nem consigo conceber um só serviço sem a mesma.

    Pegando o conceito de ritual “conjunto de práticas consagradas pelo uso, OU ditadas por normas, que se deve observar sem alteração em ocasiões determinadas;”, entendo que a prece se consagrou no movimento espírita pelo uso, pois não há norma que prevê o uso obrigatório dela. A ocasião determinada seria os inícios e terminos de trabalhos.

    Contando que a prece não seja usada para inibir ou criticar outrem, para mim tudo bem, sem grandes males.

    Abraços,
    Fernanda Leal

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, parabéns, Jorge, pelos novos efeitos no site.
      Fiz um boneco de neve enquanto opinava no blog!

      Continue incrementando esse canteiro! =)

      Excluir
    2. Olá, Fernanda!
      Muito oportuno seus comentários. A gênese está exatamente na contextura cultural-religiosa em que se desenvolveu a Doutrina Espírita.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

A PIOR PROVA: RIQUEZA OU POBREZA?

  Por Ana Cláudia Laurindo Será a riqueza uma prova terrível? A maioria dos espíritas responderá que sim e ainda encontrará no Evangelho Segundo o Espiritismo a sustentação necessária para esta afirmação. Eis a necessidade de evoluir pensamentos e reflexões.

O CORDEIRO SILENCIADO: AS TEOLOGIAS QUE ABENÇOARAM O MASSACRE DO ALEMÃO.

  Imagem capa da obra Fe e Fuzíl de Bruno Manso   Por Jorge Luiz O Choque da Contradição As comunidades do Complexo do Alemão e Penha, no Estado do Rio de Janeiro, presenciaram uma megaoperação, como define o Governador Cláudio Castro, iniciada na madrugada de 28/10, contra o Comando Vermelho. A ação, que contou com 2.500 homens da polícia militar e civil, culminou com 117 mortos, considerados suspeitos, e 4 policiais. Na manhã seguinte, 29/10, os moradores adentraram a zona de mata e começaram a recolher os corpos abandonados pelas polícias, reunindo-os na Praça São Lucas, na Penha, no centro da comunidade. Cenas dantescas se seguiram, com relatos de corpos sem cabeça e desfigurados.

O DISFARCE NO SAGRADO: QUANDO A PRUDÊNCIA VIRA CONTRADIÇÃO ESPIRITUAL

    Por Wilson Garcia O ser humano passa boa parte da vida ocultando partes de si, retraindo suas crenças, controlando gestos e palavras para garantir certa harmonia nos ambientes em que transita. É um disfarce silencioso, muitas vezes inconsciente, movido pela necessidade de aceitação e pertencimento. Desde cedo, aprende-se que mostrar o que se pensa pode gerar conflito, e que a conveniência protege. Assim, as convicções se tornam subterrâneas — não desaparecem, mas se acomodam em zonas de sombra.   A psicologia existencial reconhece nesse movimento um traço universal da condição humana. Jean-Paul Sartre chamou de má-fé essa tentativa de viver sem confrontar a própria verdade, de representar papéis sociais para evitar o desconforto da liberdade (SARTRE, 2007). O indivíduo sabe que mente para si mesmo, mas finge não saber; e, nessa duplicidade, constrói uma persona funcional, embora distante da autenticidade. Carl Gustav Jung, por outro lado, observou que essa “másc...

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

DIA DE FINADOS À LUZ DO ESPIRITISMO

  Por Doris Gandres Em português, de acordo com a definição em dicionário, finados significa que findou, acabou, faleceu. Entretanto, nós espíritas temos um outro entendimento a respeito dessa situação, cultuada há tanto tempo por diversos segmentos sociais e religiosos. Na Revista Espírita de dezembro de 1868 (1) , sob o título Sessão Anual Comemorativa dos Mortos, na Sociedade Espírita de Paris fundada por Kardec, o mestre espírita nos fala que “estamos reunidos, neste dia consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para dar aos nossos irmãos que deixaram a terra, um testemunho particular de simpatia; para continuar as relações de afeição e fraternidade que existiam entre eles e nós em vida, e para chamar sobre eles as bondades do Todo Poderoso.”

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.