1. A alma só tem um corpo, e
sem órgãos
Há, no corpo físico, diversas formas de
compactação da matéria: líquida, gasosa, gelatinosa, sólida. Mas disso se
conclui que haja corpo ósseo, corpo sanguíneo? Existem partes de um todo; este,
sim, o corpo. Por idêntica razão, Kardec se reportou tão só ao “perispírito, substância
semimaterial que serve de primeiro envoltório ao espírito”, [1] o qual, porque
“possui certas propriedades da matéria, se une molécula por molécula com o
corpo”, [2] a ponto de ser o próprio espírito, no curso de sua evolução, que
“modela”, “aperfeiçoa”, “desenvolve”, “completa” e “talha” o corpo humano.[3]
O conceito kardeciano da semimaterialidade
traz em si, pois, o vislumbre da coexistência de formas distintas de
compactação fluídica no corpo espiritual. A porção mais densa do perispírito
viabiliza sua união intramolecular com a matéria e sofre mais de perto a compressão
imposta pela carne. A porção menos grosseira conserva mais flexibilidade e,
decerto, justifica os seguintes fatos:
1.º) o perispírito, apesar de sua união
intramolecular com este, “não é circunscrito pelo corpo, mas irradia em torno
dele e o envolve como em uma atmosfera fluídica”; [4] 2.º) na emancipação da
alma, essa porção menos grosseira é justo aquela “parte do seu perispírito” com
a qual se afasta do corpo.[5] Se uma parte do perispírito segue com a alma, é
que outra necessariamente não o faz, e isso porque só a morte restitui ao
espírito sua plena liberdade, sempre parcial na emancipação, pois o princípio vital
ainda existe na matéria e, assim, mantém parte do perispírito preso ao
corpo.[6]
Portanto, não há corpos da alma, mas formas
distintas de compactação fluídica no corpo espiritual, o que levou Kardec a
dizer que o perispírito “contém ao mesmo tempo eletricidade, fluido magnético
e, até um certo ponto, a própria matéria inerte”. [7] Em Espiritismo, por
efeito, não se fala de “corpo causal”, “mental”, “emocional”, etc.
Inteligência, pensamento, vontade, memória, sentimento, todos os nossos
atributos, ou faculdades, têm sede no espírito, no princípio inteligente, de
quem o perispírito é só “o agente ou o instrumento de ação”, “o órgão
sensitivo”. [8]
Ensinou o mestre lionês que se trata de
aptidões do ser por completo, “e não apenas de certos órgãos, como nos
homens”. E esclareceu que mesmo o espírito “cujo perispírito é mais denso”
percebe os sons e sente os odores, “mas não por uma parte determinada do seu organismo,
como quando vivo”. O perispírito, pois, não tem órgãos, até porque já constitui
o órgão sensitivo do espírito; donde Kardec afirmar que, “destruído o corpo, as
sensações se tornam generalizadas”, isto é, não mais “se localizam nos órgãos
que lhes servem de canais”. [9]
Nada obstante, os atributos do espírito se
traduzem nos fluidos; a causa pura mente espiritual se torna efeito
perispiritual, e até material. O pensamento não é fluido, nem matéria, mas se
expressa por eles e neles, assim revelando sua natureza sã ou malsã, o que
encontra resistência menor no meio fluídico e maior no meio físico.
De qualquer forma, o espírito realmente
estende ao corpo sua influência mais ou menos determinante, como Kardec bem o
dissera:
“O perispírito representa um papel tão
importante no organismo, e em uma série de afecções, que ele se liga à
Fisiologia tão bem quanto à Psicologia”. [10]
Sendo um dos elementos constitutivos do
homem, o períspirito desempenha importante papel em todos os fenômenos psicológicos
e, até certo ponto, nos fenômenos fisiológicos e patológicos. Quando as ciências
médicas tiverem na devida conta o elemento espiritual na economia do ser, terão
dado grande passo e horizontes inteiramente novos se lhes patentearão. As
causas de muitas moléstias serão a esse tempo descobertas e encontrados
poderosos meios de combate-las”. [11]
2.
Pode o espírito perder seu perispírito?
Em termos espíritas, o que se pode
estabelecer com certeza é que a alma jamais fica definitivamente sem
perispírito. O Livro dos Espíritos, 186, ensina que, sim, “há mundos em que o
espírito, deixando de viver num corpo material, só tem por envoltório o
perispírito”. E nos dizem mais os guias da humanidade: “[...] e esse envoltório
torna-se de tal maneira etéreo que para vós é como se não existisse; eis então
o estado dos espíritos puros”. Estes, portanto, têm, sim, um envoltório fluídico.
De fato, quanto ao fluido universal, ou
matéria elementar primitiva, O Livro dos Médiuns, 74, quinta pergunta, diz que,
“para encontra-lo na simplicidade absoluta seria preciso remontar aos espíritos
puros”. E São Luís afirma no Evangelho Segundo o Espiritismo, IV, 24: “O perispírito
mesmo sofre transformações sucessivas. Eteriza-se mais e mais, até a
purificação completa, que constitui a natureza dos espíritos puros”. Até aqui,
tudo bem.
O Livro dos Espíritos, 187, registra que “a
substância do períspirito não é a mesma em todos os globos; é mais eterizada em
uns do que em outros”. Mas completa: “Ao passar de um para outro mundo, o espírito
se reveste da matéria própria de cada um, com mais rapidez que o relâmpago”. E
este é o ponto controverso. Trata-se do espírito com perispírito, ou do
espírito em si, desconsiderado seu corpo fluídico? As formulações a seguir nos
levam à segunda alternativa. Senão, vejamos.
Tomado do meio ambiente, esse envoltório
varia segundo a natureza dos mundos. Ao passar de um mundo para outro, os
espíritos mudam de envoltório, como mudamos de roupa ao passar do inverno ao verão,
ou do polo ao equador. [12]
Abandonando a Terra, o espírito ali deixa o
seu invólucro fluídico e reveste um outro apropriado ao mundo onde deve habitar.
[13]
Num grau mais elevado, [o corpo]
desmaterializa-se e acaba por se confundir com o perispírito. De acordo com o
mundo a que o espírito é chamado a viver, ele se reveste do envoltório
apropriado à natureza desse mundo. [14]
Estes dizeres, tomados à letra, de fato levam
à existência de espírito sem perispírito, mas, ainda assim, tão só quando muda
de mundo; lá estando, logo reveste “um outro”, e em breve lapso temporal, pois
o espírito faz isso “com mais rapidez que o relâmpago”. O espírito sem perispírito
é, pois, algo circunstancial, nunca definitivo. Não há, no Espiritismo, um
dizer pétreo de que ele possa vir a existir permanentemente sem corpo fluídico.
No máximo, verifica-se essa breve perda momentânea e, ressalte-se, por força de
ascensão evolutiva, jamais por decesso da alma na maldade ou no crime, menos ainda
na ignorância. [15] Outra não pode ser a perspectiva deste escrito kardeciano,
publicado, é bom que se o diga, vinte e um anos após a morte do mestre:
No sentido de desorganização, de desagregação
das partes, de dispersão dos elementos, não há MORTE, senão para o invólucro material
e o invólucro fluídico; mas, quanto à alma, ou espírito, esse não pode morrer
para progredir; de outro modo, ele perderia a sua individualidade, o que
equivaleria ao nada. No sentido de transformação, REGENERAÇÃO, pode dizer-se
que o espírito morre a cada encarnação, para ressuscitar com atributos novos,
sem deixar de ser o eu que era. Tal, por exemplo, um camponês que enriquece e
se torna importante senhor. TROCOU a choupana por um palácio, as roupas
modestas por vestuários de brocado. Todos os seus hábitos MUDARAM, seus gostos,
sua linguagem, até o seu caráter. Numa palavra, o camponês MORREU, enterrou as
vestes de grosseiro estofo, para RENASCER homem de sociedade, sendo sempre, no entanto,
o mesmo indivíduo, porém TRANSFORMADO. [16]
Kardec visa, aqui, o espírito em si. É
verdade. Mas nem por isso nos leva ao espírito permanentemente sem perispírito.
Aliás, de forma sintomática, Kardec não fala de “morte” senão como
“regeneração”; não fala de “troca”, de “mudança”, senão como “transformação”, e
finda por incluir também aí o próprio perispírito:
A cada novo estágio na erraticidade, novas
maravilhas do mundo invisível se desdobram diante do seu olhar, porque, em cada
um desses estágios, um véu se rasga. AO MESMO TEMPO, SEU ENVOLTÓRIO FLUÍDICO SE
DEPURA; TORNA-SE MAIS LEVE, MAIS BRILHANTE E MAIS TARDE RESPLANDECERÁ. É quase
um novo espírito; é o camponês DESBASTADO e TRANSFORMADO.
Morreu o espírito velho, mas o eu é sempre o
mesmo. É assim, cremos, que convém se entenda a morte espiritual.
Ao mencionar a mudança e mesmo, somente ali,
a morte do perispírito, Kardec apenas e tão só o faz em contexto que contempla necessariamente
as transformações ocasionadas pelo progresso da alma. Por esse motivo, sou de
parecer que, por evidente assimilação, em tais casos há sentido figurado e não
próprio.
Foi visto que o perispírito tem formas
distintas de compactação fluídica, porções com maior e menor densidade, razão
pela qual se liga molécula por molécula ao corpo e, ainda assim, não se circunscreve
a este, irradia a sua volta, bem como, na emancipação, apenas parte dele segue
a alma quando esta se afasta do corpo.
Se o espírito passa a outro mundo, só as
porções mais identificadas com o mundo que está deixando se desagregam; somente
seus elementos mais grosseiros voltam ao fluido universal desse mundo.
Persistem integradas ao espírito as partes
menos densas do seu invólucro fluídico, agora, mais predispostas a se
articularem ao fluido universal do mundo mais adiantado a que já pode ir. É
assim que “o espírito [sempre com perispírito] se reveste da matéria própria de
cada mundo, com mais rapidez que o relâmpago”.
Este princípio, aliás, como se deduz da
última citação kardeciana, é igualmente válido para as encarnações do espírito
num mesmo mundo. Entre uma vida e outra, pela gradativa depuração
perispirítica, ele estará menos vinculado à resistência de suas identidades corporais,
sempre mais persistentes nos estados de maior inferioridade. [17]
Não há, pois, para o espírito, senão a progressiva
purificação do seu perispírito. Tal ideia vem confirmar estas proposições
kardecianas de sentido bem mais próprio, porque isentas, aqui, da possibilidade
meramente contextual de os termos assumirem qualquer figuração:
Já se disse que o espírito é uma flama, uma
centelha. Isto se aplica ao espírito propriamente dito, como princípio
intelectual e moral, ao qual não saberíamos dar uma forma determinada. Mas, EM QUALQUER
DE SEUS GRAUS, ELE ESTÁ SEMPRE REVESTIDO DE UM INVÓLUCRO OU PERISPÍRITO, CUJA
NATUREZA SE ETERIZA À MEDIDA QUE ELE SE PURIFICA E SE ELEVA NA HIERARQUIA.
Dessa maneira, a ideia de forma é, para nós,
inseparável da ideia de espírito, a ponto de não concebermos este sem aquela. O
PERISPÍRITO, portanto, FAZ PARTE INTEGRANTE DO ESPÍRITO, como o corpo faz parte
integrante do homem. [18]
O Espiritismo experimental estudou as
propriedades dos fluidos espirituais e a sua ação sobre a matéria. Demonstrou a
existência do PERISPÍRITO, da qual já se suspeitava desde a Antiguidade, e que
foi designado por [São] Paulo pelo nome de corpo espiritual, isto é, CORPO
FLUÍDICO da alma após a destruição do corpo tangível.
Sabe-se atualmente que ESSE INVÓLUCRO É
INSEPARÁVEL DA ALMA, que ele é um dos elementos que constituem o ser humano;
que é o veículo da transmissão do pensamento e que, durante a vida do corpo,
serve de elo entre o espírito e a matéria. [19]
[1]
O Livro dos Espíritos, 134.
[2]
A Gênese, XI, 18.
[3]
A Gênese, XI, 11. Obs.: “[...] c'est l'Esprit lui-même qui façonne son
enveloppe et l'approprie à ses nouveaux besoins [...]”; literalmente:
"[...] é o próprio espírito que conforma (configura, forma) seu envoltório
e o apropria a suas novas necessidades". Tradutores brasileiros optaram
por fabrica ou modela, embora não constem do original os verbos fabriquer ou
modeler. Porém, há boa sinonímia entre façonner e modeler: conformar, modelar.
[4]
A Gênese, XI, 17.
[5]
O Livro dos Médiuns, 119, primeira pergunta. Obs.: “Son Esprit, ou son âme, comme vous
voudrez l'appeler, abandonne
alors son corps, suivie d'une partie de son périsprit [...]";
literalmente:
“Seu
espírito, ou sua alma, como vós quiserdes chamá-lo, abandona então seu corpo,
seguido de uma parte de seu perispírito [...]”.
[6]
A Gênese, XI, 18: “Por um efeito contrário, essa união do perispírito com a
matéria carnal, que se efetuara sob a influência do princípio vital do embrião,
quando este princípio deixa de agir, em consequência da desorganização do corpo,
que conduz à morte, essa união, que era mantida apenas por uma força atuante,
se desfaz quando esta força deixa de agir. Então, da mesma forma como havia se
unido, o perispírito se desprende, molécula por molécula, e o espírito é
restituído à liberdade. Assim, não é a partida do espírito que causa a morte do
corpo, mas a morte do corpo que causa a partida do espírito”.
[7]
O Livro dos Espíritos, 257. Obs.: Na sequência, o mestre chegou a sustentar que
seria o próprio perispírito “o princípio da vida orgânica”; entretanto, em A
Gênese, XI, 18, Kardec deixa claro que a união intramolecular entre perispírito
e corpo só ocorre “sob a influência do princípio vital do embrião”. Kardec,
aliás, já dissera que o espírito, mediante seu perispírito, “transmite aos
órgãos, não a vida vegetativa, mas os movimentos que exprimem a sua vontade”.
(Revista Espírita. Dez/1862. Estudos sobre os possessos de Morzine. 3.ª ed.,
F.E.B., 2007, p. 489.)
[8]
O Livro dos Médiuns, 55. A Gênese, XIV, 22.
[9]
O Livro dos Espíritos, 257.
[10]
A Gênese, I, 39.
[11]
Obras Póstumas. Caráter e consequências religiosas das manifestações dos
espíritos. § I —
O
perispírito como princípio das manifestações; n. 12.
[12]
Kardec. O Livro dos Espíritos, 257.
[13]
Kardec. A Gênese, XIV, 8.
[14]
Espírito São Luís, O Evangelho Segundo o Espiritismo, IV, 24.
[15]
Cf. Sobre André Luiz. 3.10. Esferas Ovoides e Segunda Morte.
[16]
Obras Póstumas. A Morte Espiritual. 32.ª ed., F.E.B., 2002, p. 205.
[17]
Ensinava o mestre: “[...] os caracteres materiais são tanto mais persistentes quanto
menos
desmaterializados
os espíritos, isto é, menos elevados na hierarquia dos seres. Depurando-se, os traços
da materialidade desaparecem à medida que o pensamento se desprende da matéria.
Eis por que os espíritos inferiores, ainda presos à Terra, são, no mundo
invisível, mais ou menos o que eram em vida, com os mesmos gostos e as mesmas
inclinações”. (Revista Espírita. Jun/1863. Considerações Sobre o Espírito
Batedor de Carcassonne. 3.ª ed., F.E.B., 2007, p. 261/62.)
[18]
O Livro dos Médiuns, 55.
[19]
A Gênese, I, 39. Léon Denis Gráfica e Editora, 2008. Obs.: Se Kardec empregou o
tratamento católico romano “saint Paul”, não há razão para que seja omitido por
simples tradutores.
Logo logo a religião islamica vai chegar ao brasil e acabar com essa baboseira toda de espiritismo. Alahu Akbhahr
ResponderExcluirÉ óbvio que o pensamento religioso deve ser respeitado em todas as suas expressões. O Espiritismo é ecumênico por natureza, e se dirige apenas aos que a ele vem livremente e dele necessita. O Espiritismo não é proselitista e nem vem para concorrer com as religiões, até porque não é mais uma religião, e sim uma Doutrina Filosófica e Moral. E vou mais além, entre os seus adeptos convictos, não há deserção. Atesto-lhe mais, o Espiritismo está na base de todas as religiões, pois ele é fundamentado nas Leis Naturais. Estude-o e saberá que está longe de ser baboseira. Melhor, garanto-lhe: facultar-lhe-á o pensamento de não escrever mais baboseiras.
ResponderExcluirJorge Luis, embora respeite o direito do Alahu de se manifestar a respeito do tema, muito mais fortemente devo concordar inteiramente com o comentário que fazes, haja vista que o Alahu demonstra que não conhece nada sobre o Espiritismo, posto que, se o conhecesse, não faria tal afirmação. Parabéns pela vigilância!
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