segunda-feira, 26 de outubro de 2020

DOENÇAS-CASTIGO DIVINO?


 

No orbe terrestre, a dor é compulsória e abarca todos os seus habitantes. Por que tanto sofrimento, atingindo até mesmo os animais? Se somos seres gerados pelo incomensurável amor divino, não deveríamos ser atormentados, nem sujeitos a qualquer doença ou moléstia cruciante, o que pode gerar em muitas pessoas hesitação a respeito da certeza imanente da presença de um Ente Superior, Amor por excelência e Artífice da Vida.

Quando observamos a abóboda celestial, em um local bem alto e escuro, deparamo-nos com uma imagem majestosa e uma miríade de astros ressaltando a presença de um Arquiteto que transcende qualquer ponto de vista contrário, desde que se torna impossível imaginar todo o cosmos surgindo do nada. Realmente o acaso não pode presidir a qualquer obra. Então, deve haver alguma explicação para que haja tanta aflição, tendo-se o acertamento de que a Divindade está realmente presente como Autor da Criação.

O mal é decorrente de falta praticada na arena espiritual e punida na dimensão física?

Algumas correntes espiritualistas, jactanciosas, revelando mesmo uma apresentação presunçosa e arrogante, expõem conceitos hipotéticos, errôneos, fantasiosos, sem seriedade, desejando contaminar o manancial doutrinário espírita, e são totalmente repelidos pelos seus adeptos sinceros e atuantes. Alegam que, o sofrimento, encontrado em nosso mundo, é resultante de uma chamada “queda ou involução do espírito”, isto é, seres extrafísicos, criados e vivendo na dimensão espiritual, já se encontrando em estado glorioso de perfeição, rebelaram-se contra o seu criador, mesmo possuidores de alto desenvolvimento moral, e são jogados na Terra, sofrendo o processo punitivo da encarnação, em local escolhido para servir-lhes de prisão domiciliar.

Ensina a codificação kardeciana ser o “nascer de novo” um procedimento assaz natural e necessário para todas as criaturas recém-criadas (rebentos espirituais) – nunca utilizado como meio de penalidade divina. Portanto, segundo essas crendices fantasiosas, eminentemente elaborações mentais de seres espirituais ainda presos às funções clericais, tudo o que decorre para esses infelizes deserdados, denominados de “anjos decaídos”, como as doenças e enfermidades de qualquer natureza, são resultantes de castigo de Deus, penitenciando esses nossos irmãos de forma tão severa, sem qualquer demonstração ou manifestação afetuosa de um Deus definido, no Evangelho de Jesus, como “Amor” (2).

Em verdade, o que se conhece bem diferente, na Doutrina dos Espíritos, pela figura simbólica de “anjos decaídos”, é exatamente uma alegoria que, de forma didática, aponta para a migração de seres muito imperfeitos para planetas compatíveis com suas condições espirituais inferiores em momentos de transição planetária. Ao mesmo tempo, criaturas já adiantadas, em nível moral mais elevado, aqui permanecerão e outras semelhantes aportarão na Terra para o chamado estágio de Regeneração.

Importante consideração a ser divulgada está na questão 540 de O Livro dos Espíritos, com um erro de tradução gravíssimo, dando erroneamente guarida à hipótese dessa horripilante “queda dos anjos”, afirmando que o arcanjo encarnou sendo átomo, habitando um planeta destinado na criação dos mundos a ser um presídio, cuja matéria corporal seria o próprio ser degradado (“começou por ser átomo”). O texto certo: “Tudo serve, tudo se encadeia na natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou pelo átomo (matéria). O original francês é bem claro: “a commencé par l'atome”.

Em verdade, a Terra representa um abençoado recanto, criado e organizado por Jesus, cuja finalidade maior é a de ser uma escola onde aprendemos as primeiras letras do alfabeto cósmico, depois de passarmos pelos mundos primitivos que se constituíram em berçários divinos, amparando o princípio inteligente individualizado, na vestimenta corpórea, dando os seus primeiros passos em direção ao Infinito.

“Tudo se liga, tudo se encadeia no universo; tudo está submetido à grande e harmoniosa lei de unidade, desde a mais compacta materialidade até a mais pura espiritualidade” (3) e a tradução certa dá-nos conta de que o arcanjo começou pelo átomo (“par l’atome”), porquanto foi no átomo primitivo (matéria) que o princípio inteligente iniciou a sua caminhada evolutiva, frisando bem que o arcanjo, sendo um espírito puro, sequer  poderia ser o próprio átomo e tampouco se transformar em átomo, exatamente na matéria que foi criada para ser o arraial considerável para o despertamento e exteriorização das potencialidades herdadas do Pai, no momento da criação do ser espiritual.

O Mestre aludiu a essa força interior divina, dizendo ser o “Reino de Deus dentro de nós”, exatamente “o germe ou princípio do bem”, explanado com grande felicidade na codificação kardeciana. O espírito, centelha divina aprimorada e individualizada, necessita da arena física (matéria), com sua resistência própria, para ressaltar e refletir de dentro de si a magnitude do templo do Espírito Santo, proveniente de Deus (4).

Bem clara a afirmativa espiritual superior:

“Já te dissemos: os espíritos foram criados simples e ignorantes. Deus deixa ao homem a escolha do caminho: tanto pior para ele se seguir o mal; sua peregrinação será mais longa. Se não existissem montanhas, não compreenderia o homem que se pode subir e descer, e se não existissem rochas, não compreenderia que há corpos duros. É necessário que o espírito adquira experiência, e para isso é necessário que ele conheça o bem e o mal; eis por que existe a união do espírito e do corpo” (5).

O texto é bem elucidativo e foi grifado propositalmente, porquanto põe em xeque as declarações a respeito do mal ser conhecido e praticado primeiramente por seres espirituais, contrariando às assertivas espíritas que relatam ser o mal experimentado a partir da primeira encarnação em mundos primitivos.

Outra discordância considerável é a de que esses seres permaneciam na dimensão espiritual sem terem reencarnado ainda, o que prontamente é inadmissível, sendo mais grave além de tudo a afirmação de as criaturas falidas serem espíritos puros, exatamente os que já criam mundos no universo.

 Para a Doutrina Espírita, o mal somente é percebido, primeiramente, na arena física, em mundos primitivos, e é somente praticado pelos seres pela sua própria vontade (6). De forma alguma, há o imperativo de os espíritos passarem pela experiência do mal para chegarem ao bem. Muito pelo contrário, não há fatalidade na prática do mal, porquanto todos os espíritos passam pela fieira da ignorância (7) e a prova pela qual passam dá-lhes todo o mérito da resistência (8).

Em verdade, o mal não é enquadrado nas qualidades naturais da vida, sendo apenas a ausência do bem, assim como a escuridão é falta da luz. Se estivermos em pleno negrume, basta apenas um simples palito de fósforo aceso para afastar as trevas. Assim, da mesma forma, acontece quando doutrinas malsãs tentam acessar os mecanismos excelsos da abençoada Doutrina Consolador de Jesus, sendo prontamente repelidas e inseridas no local certo, que é o da obscuridade e do ostracismo.

A magnânima codificação kardeciana enfatiza e esclarece que “o homem não é um anjo decaído, a lamentar a perda de um paraíso imaginário, nem carrega pecado original algum que o estigmatize desde o berço” (9). Igualmente, afirma que “a encarnação não é, em absoluto, uma punição para o espírito, como qualquer um possa pensar, mas uma condição inerente à inferioridade do espírito e um meio de progredir” (10).

O insigne escritor e pesquisador Gabriel Delanne, de saudosa memória, em sintonia com a Doutrina que sempre amou e respeitou, reafirma que “longe de sermos criaturas angélicas, decaídas; longe de havermos habitado um paraíso imaginário, foi com imensa dificuldade que conquistamos o exercício de nossas faculdades, para vencer a natureza” (11).

Segundo o Espiritismo, em conformidade com a amorosa atuação da Paternidade Divina, os seres espirituais primitivos “não são criaturas degradadas, mas crianças que crescem” (12) e, com as incontáveis experiências na carne, os seres vão evoluindo e paulatinamente vão adquirindo, assim como os Bons Espíritos, a “predominância sobre a matéria” (13) e, no estado santificante de pureza, “percorreram todos os graus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria” (14). Conforme asseverou Dom Bosco, proclamado santo em 1934: “O que somos é presente de Deus; no que nos transformamos é o nosso presente a Ele”.

A doença como acicate à evolução espiritual e física

A doença com todo o seu cortejo de dor e aflições é inerente aos habitantes de mundos inferiores como a Terra. Os animais, por exemplo, não possuem via moral, o sofrimento que sentem é estritamente físico. Quando estão sob o guante da dor, a sua consciência se expande, na mesma maneira quando se defrontam com sentimentos de amor, como os relacionados com os seus proprietários. Lembremo-nos que os nossos irmãos animais inferiores caminham paulatinamente para a faixa de humanidade e suas experiências, com o desenrolar das encarnações, vão ampliando-se, gradativamente, maturando e alcançando maior abrangência evolutiva.

Quanto aos seres humanos, a doença serve como acicate à evolução espiritual, apresentando um papel importante e essencial como lei de equilíbrio e educação. Todas as ações impetradas em equívocos refletem, em nossa intimidade espiritual, vincando o períspirito e são refletidas no corpo físico. Muitas doenças são recebidas como provas indispensáveis ao ser em determinada fase de sua evolução, assim como o desague das impurezas acumuladas na vestimenta astral são lançadas no corpo somático como força geradora das doenças de cunho expiatório.

A doença, com seu aparato doloroso, pode modificar o estado espiritual em minutos, o que talvez dependesse de muitas vivências reencarnatórias. Lembro-me, quando criança, de ter deparado com um assunto familiar de grande expressividade, pois o tio da minha mãe, comunista confesso e, praticante, acamado em decorrência de um câncer pulmonar, manifestou, para surpresa de todos os familiares presentes, o desejo de ser ouvido por um padre, o que deixou a todos perplexos, pelo motivo de ter sido até então um descrente confesso.

A dor, em decorrência de uma doença grave, foi o gatilho que lhe desencadeou a oportunidade redentora do contato com o transcendental em um momento tão importante para o seu espírito imortal. Todos os que estavam acompanhando seu calvário surpreenderam-se com sua mudança. Desencarnou em paz. O enterro transcorreu em clima de serenidade e de muita esperança.

O poeta mais conhecido da Antiga Roma, o célebre Horácio, deixou-nos a seguinte máxima: “A adversidade desperta em nós capacidade que, em circunstâncias favoráveis, teriam ficado adormecidas”. Realmente, a doença pode ter um importante papel de ser a força poderosa de modificar nossos pensamentos e propiciar indispensáveis modificações, com vistas ao nosso caminho evolutivo.

A doença, portanto, representa meio de elevação, como diz a saudosa missionária evangélica americana, Lettie Cowman: “A provação vem, não só para testar o nosso valor, mas para aumentá-lo; o carvalho não é apenas testado, mas enrijecido pelas tempestades”.

Encerrando, trazemos o valoroso Léon Denis: “Suprimi a dor e suprimireis, ao mesmo tempo, o que é mais digno de admiração neste mundo, isto é, a coragem de suportá-la. Nada iguala o poder moral que daí provém” (15).

Não poderíamos deixar de acrescentar que todas as condições que levaram à dor, através das doenças, foram os grandes estimuladores do progresso vivenciado pela humanidade, devido aos esforços para fazer alguma coisa que exterminasse a dor e o sofrimento.

Que o Mestre de todos nós, o Amado Jesus, irradie sobre todos os leitores do conceituado Jornal Espírita suas bênçãos de paz, saúde e refazimento espiritual.

 

 

 

Bibliografia

1- A Gênese, XIV: 12; 2- Primeira Epístola de João, IV:8; 3- A Gênese, XIV: 12; 4- Primeira Epístola aos Coríntios, VI:19;  5- O Livro dos Espíritos, Q. 634; 6- Ibidem, Q. 470. 7- Ibidem, Q. 120; 8- Ibidem, Q. 871; 9- A Gênese, XI-67; 10- Ibidem, XI-25; 11-A Evolução Anímica, III; 12- OESE, III-8; 13- O Livro dos Espíritos, Q. 107; 14- Ibidem, Q. 113; 15- O Problema do Ser, do Destino e da Dor

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