“ROUSSEAU, PESTALOZZI, HIPPOLYTE RIVAIL,
KARDEC (CONTINUAÇÃO)
A
coluna que sustenta a Doutrina Espírita é sabidamente Jesus, sua ética e ensino
universais. Sem controvérsias, a sua passagem pelo planeta foi o marco que
semeou a mensagem que haverá de libertar, a todo aquele que a entenda, das
amarras da escravidão moral que caracteriza a humanidade. Antes de sua vinda
pessoal teria enviado prepostos na condição de abre-alas, precursores que
assinaram a Introdução de O Livro dos Espíritos, como Sócrates e Platão, entre
tantos outros.
O
desembarque do Espiritismo, no entanto em 27/04/1857, teve uma ligação direta
com a efervescência do pensamento libertário que encontra em Rousseau
(28/06/1712 – 22/07/1778) a sua pedra fundamental pelo enfoque que dirigia para
a formação do caráter da criança sob a observação dos fenômenos da Natureza,
adepto que era da crença em uma religião natural, onde o ser humano poderia
encontrar Deus em seu próprio coração, de forma a transformar seus direitos
naturais em direitos civis. Suas idéias foram fundamentais para que a
humanidade tivesse o legado da revolução Francesa em seu tripé de Liberdade,
Igualdade e Fraternidade.
Influenciado pelas ideeias de
Rousseau, após ler a obra Emílio, Pestalozzi (12/01/1746 – 17/02/1827), um dos
maiores pedagogista de todos os tempos (pedagogo formador de educadores),
influenciado pelo movimento naturalista se tornou um revolucionário dispondo a
educação num patamar de fenômeno cultural, social, político e psíquico na
produção de um indivíduo capaz de criticar a situação política do país em que
vivia, ele próprio um crítico. Vê a escola como a mola mestra dessa formação do
cidadão. Foi exatamente Pestalozzi quem preparou o arcabouço cultural de
Hippolyte Rivail em sua adolescência influenciando decisivamente a bagagem
cultural daquele que após aprender com o mestre suíço, dedicou-se a produzir
reformas de ensino na França e levar a educação para os menos afortunados, de
forma gratuita, combatendo, junto com a sua esposa a professora Amélie Boudet,
o pensamento hegemônico que dispunha os estudos apenas para os nobres, sendo
considerado na condição de também revolucionário em sua época.
Após 50 anos de ensaios em
educação, pelas vias do debate e das controvérsias impostas pela sociedade
burguesa, o Sr. Hippolyte sai de cena e entrega ao pseudônimo de Allan Kardec a
organização de um corpo doutrinário que nada tinha de convencional e chegava
detonando o pensamento espiritual vigente. A Doutrina espírita chegava ao mundo
passando pelas mãos de um discípulo de Pestalozzi, que sua vez teria em
Rousseau a sua grande influência, razão pela qual o seu convite à razão não se
submete a qualquer onda retrógrada do pensamento, desde que o seu libelo tecido
por Jesus, morto por ser revolucionário, é alicerçado por pensadores que
identificaram desde sempre que o ser humano necessita divergir para finalmente
encontrar o seu espaço de convivência responsável.
Certamente é esse papel que
Sócrates, Platão, Jesus, Rousseau, Pestalozzi e Kardec esperam de cada um de
nós, espíritas contemporâneos.”
O espírita, exceto se
consentir em negar a inclinação progressista do Espiritismo, avaliando as
desigualdades que campeiam mundo afora, não haverá de se sentir inclinado a
defender conceitos que servem de pano de fundo para embalar a crueldade dos
detentores do poder. O que se entende por Meritocracia nesse mundo nada tem a
ver com aquele conceito espiritual, pois ali existem linhas de partida e de
chegada justas, aqui a linha de saída é completamente desproporcional e a de
chegada impossível para 99,9% dos que partiram saindo lá de trás. E não adianta
querer fazer da exceção regra pelo fato de raros conseguirem chegar ao topo,
saídos do Nada. Com coerência alguém vai lembrar que ninguém sofre sem merecer,
e isso deve ficar bem claro, porém o sofrimento que é infringido pela ambição e
a desigualdade deve ser combatido, por qualquer pessoa de senso. Entender que a
evolução do planeta depende justamente de não haver em sua dinâmica aqueles que
produzem o mal é que varre o mal de sua rotina,
daí na ausência da situação a ser enfrentada nesse espaço o Espírito que
precisa dessa situação vai procurá-la em outro espaço, desde que passe pela
experiência que lhe pertença. Por que então ser compassivos com os arbítrios na
Terra aceitando ativamente com as nossas crenças que deva permanecer esse
estado de coisas? Por que no Nordeste brasileiro pessoas são condenadas a se
alimentar de lixo e na Suíça, não? Então devemos aprovar a fome do Nordeste
porque há Espíritos que precisam da fome para se ressarcir dos problemas de
ontem? Por que não nascem na Suíça,
porque lá não existe a fome social, embora haja outras mazelas morais como o
usufruto da desigualdade.
Fundada depois de decantadas as primeiras
cinzas do genocídio que perpassou pela segunda Grande Guerra, a Organização das
Nações Unidas (ONU – 24/10/1945), é uma instituição internacional que objetiva
a manutenção da segurança e da paz mundial; promover o desenvolvimento
econômico, o progresso social, além de proteger o meio ambiente incentivando a cooperação entre os países; e
prover ajuda humanitária em caso de fome, desastres naturais e conflitos
armados. É sabido de suas grandes impossibilidades em assegurar os seus
objetivos mercê dos interesses que movem os principais países que compõem o seu
Conselho de Segurança, mandatários da riqueza mundial guindados pelo furor de
dominação das demais nações, especialmente daquelas onde se encontra a maioria
dos miseráveis que vivem abaixo linha da pobreza, entre eles o Brasil. Expostas
as suas fragilidades em decidir sobre os mais importantes temas de real defesa
dos mais vulneráveis, impedida pela ambição dos que têm poder de veto em suas
assembléias, seria injustiça imperdoável desconsiderar o contribuição
importante que a ONU oportunizou nesses anos de existência. Debates
internacionais ocorridos em 2015 criaram a Agenda ONU 2030, que sacramentam um
desejo mundial sob o mote “Ninguém deixado para
trás”, num documento que elenca 17 objetivos (ODS – Objetivos de
desenvolvimento Sustentável) e 169 metas de alta complexidade, com data-limite
estabelecida para alcançar as dimensões social, econômica e ambiental.
A constatação
é de que 1 bilhão de pessoas vivem abaixo da linha da miséria e são vítimas de
um fenômeno que foi traduzido pelo nome de MISTANÁSIA. E o que significa
Mistanásia? Essa expressão ainda ausente em alguns dicionários por se tratar de
um neologismo pode ser tratada como uma espécie de Eutanásia Social e é um
termo cunhado pela primeira vez por Leonard Martin (Nova Iorque – 18/12/1950),
crítico de cinema e historiador, com obras na área de estudos sociais. O
conceito que reflete sobre a nova palavra indica se tratar de um processo que
não poderia ser chamado de morte natural, aquela que sucede pela exaustão da
vitalidade, pelo acometimento de doenças inevitáveis ou até por acidentes.
Nesse caso o viés é de morte miserável e que ele entende fora e antes da hora,
fenômeno que ressalta a maldade humana, por motivos políticos, sociais e
econômicos. O esforço chancelado pela ONU é que em 2030 haja uma visão
diferente da distribuição de riquezas que contrabalancem tamanha desigualdade.
Tema que acredito deveria permear o universo de discussão de quem quer que se
ocupe com os destinos da humanidade.
Interessante frisar que muitas vezes que o
assunto da desigualdade é tocado entre grupos de pessoas, entre essas os
espíritas, é comum que apareça o raciocínio de que se “as riquezas fossem
divididas de forma igual por toda a população não restaria condição alguma de
haver progresso”, mas quem discordaria de tal premissa ou pensaria em tal
asneira. Somos diferentes e essa diferença também haverá de se mostrar em
relação às posses. Entre os espíritas há aqueles que buscam apoio em Allan
Kardec (LE – q. 811 e 811a) que informam que os pendores diferentes
inviabilizam que todos tenham condições econômico-financeiras iguais, do que
não se pode discordar, mas escondem a questão seguinte (LE – q. 812) que pergunta
se é possível que todos tenham bem estar, e resposta é SIM. Há pessoas que
acham que precisam ter caros, helicópteros e mansões e isso é uma situação
particular delas e devem ser livres para esse fim, mas Educação, Saúde,
Moradia, Lazer, Segurança, Alimentação, Trabalho não deveriam ser vistos como
artigo de luxo para nenhum ser humano. Essa base é completamente possível se
uma discussão verdadeiramente profunda passasse a estar presente nas pautas de
todos os grupamentos. A cultura da concentração mórbida de renda, que alguns
buscam defender sob a alegação de que é a Meritocracia a sua origem, é o
instrumento mais poderoso da maldade humana e só vencido esse capítulo é que a
Terra poderá ousar a trajetória para outros estágios evolucionais. Não é
necessário dividir de forma igual as riquezas, basta que se faça justiça social
e todos possam privar de condições básicas mínimas de competir pelos seus
pendores e vocações, sem que isso seja visto como uma esmola, mas a partilha da
riqueza de um planeta que, enfim pertence ao conjunto da população. Há os que
desejam grandes fortunas e outros que só pretendem o bem estar com sobriedade,
sem excessos e todos deveriam ter possibilidades a alcançar seus intentos.
E por que
importa aos espíritas discutirem esse tipo de morte, a Mistanásia? Certamente
ela não ocorre fora do tempo, se considerado que, exceto por suicídio, todas as
mortes acontecem dentro do plano existencial de cada alma. Provavelmente não
seja resultado de uma pane na Justiça Divina, pois a Lei de Deus jamais se
engana. Também não será porque altere o lugar destinado aos que partem nessas
condições, pois o mundo espiritual não muda pela natureza da desencarnação. Com
certeza a necessidade dessa discussão não vai estar respaldada por qualquer
detalhe doutrinário propriamente dito, mas se configura como uma ponte
descortinando uma visão mais ampla do papel dos conceitos espirituais como
fator de transformação de nossa sociedade em um lugar melhor para se viver. A
disposição em discuti-la simplesmente virá a alimentar a capacidade de entender
as comunidades que afluem à casa espírita para receber cestas de alimentos,
bolsas de agasalhos e enxovais para recém-nascidos, atividades filantrópicas
muito praticadas em diversos grupos, inclusive por outras denominações
religiosas, que anseiam praticar esse tipo de ação que pode ser entendida como
Caridade Material. Principalmente pela possibilidade de orientar tais pessoas
para, dentro das lições do Evangelho de Jesus, identificarem o seu lugar no
mundo sem conformismo, concitando-as à compreenderem que devem buscar a
participação comunitária como forma de resistência e de empoderamento. A
discussão serve para ampliar a compreensão de direitos humanitários, os quais
estarão sempre agregados aos deveres recíprocos e sua aplicação nas atividades
quaisquer desenvolvidas terá a chancela da essência dos ensinamentos de Jesus.
Favorece à inserção de temas sociais na orientação diária das casas espíritas,
com total encaixe na Codificação, mas apoiando as pessoas que acorrem em busca
do socorro sobre temas como guerras, violência social, racismo, aborto,
orientação sexual e outros temas de relevância, com uma linguagem moderna sem
perder o norte das orientações advindas da Universalidade do Ensino dos
Espíritos.
Concluo
evocando a questão 799 de O Livro dos Espíritos: “De que maneira o Espiritismo pode contribuir
para o progresso? — Destruindo
o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz os homens
compreenderem onde está o seu verdadeiro interesse. A ‘vida futura não
estando mais velada pela dúvida, o homem compreenderá melhor que pode
assegurar o seu futuro através do presente. Destruindo os preconceitos de
seita, de casta e de cor, ele ensina aos homens a grande solidariedade que
os deve unir como irmãos.
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