Pular para o conteúdo principal

ENDEREÇO DE DEUS


       

 
          Imaginemos que um gênio das Mil e uma Noites lhe concedesse a satisfação de três desejos, amigo leitor. O que você pediria? Certamente o conhecimento pleno do Evangelho, luz abençoada de Deus em nosso caminho, inspirar-lhe-ia nobre roteiro de realizações.

        Mas o homem comum, de visão limitada pela ignorância dos valores espirituais, coração sintonizado com o imediatismo terrestre, certamente optaria por riqueza, saúde, fama, poder, prazer, bem-estar…Geralmente as pessoas almejam uma existência sem sobressaltos, nem problemas, com tanta "sombra e água fresca" quanto possível, pois, afinal, "ninguém é de ferro"...


        No entanto, se nos concedessem a mesma possibilidade de escolha nos tempos em que vagávamos pelo Continente Espiritual, às vésperas da presente existência, certamente seria diferente. Em Ação e Reação, de André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, deparamos com ilustrativa experiência envolvendo Druso, dedicado orientador de uma instituição socorrista do Mundo Espiritual.

        Prestes a reencarnar, dirige-se a Jesus, em comovente oração, destacando, em dado momento: E agora, Senhor, que a esfera dos homens me descerrará as portas, acompanha-me, por acréscimo de misericórdia, com a graça da tua bênção. Não permitas que o reconforto do mundo me faça esquecer-te e constrange-me ao convívio da humildade para que o orgulho me não sufoque. Dá-me a luta edificante por mestra do meu resgate e não retires o teu olhar de sobre os meus passos, ainda que, para isso, deva ser o sofrimento constante a marca de meus dias.

        Não raro, mesmo beneficiados pelo conhecimento espírita, enfrentamos um problema "ótico" na apreciação da jornada humana. Imaginamos que as situações problemáticas e angustiantes são cobranças cármicas, relacionadas com débitos do pretérito. Não percebemos que se situam muito mais por abençoados estímulos, a fim de que não nos acomodemos, nem nos transviemos. Fácil observar que nossas preces mais sentidas, nossos anseios mais nobres, sustentam-se nos convincentes apelos da mestra Dor. Lutas e dificuldades do cotidiano inibem nossas tendências viciosas.          

        Conversei, certa feita, com um voluntário em obra assistencial espírita, desses que chegam cheios de boas intenções e logo se afastam, dispensando explicações.

        – Então, meu caro, por onde anda? Algum problema em nossa casa ou com você e a esposa? Ambos sumiram sem aviso…

        – Não, Richard, não houve nada de grave. Estamos muito bem. Talvez seja esse o problema… Como sabe, quando nos casamos, a vida era difícil. Eu ainda estudava. Ganhava o sustento em emprego precário, ajudado pela esposa que vendia roupas. Logo vieram dois filhos, o primeiro com problemas de saúde. Orçamento apertado, tudo controlado. Nada de gastos supérfluos, passeios, festas ou badalações…

        – Lembro bem… Economizavam até o passe de ônibus! Era uma boa caminhada até o Centro…

        – Isso mesmo! Não obstante as dificuldades ou até por causa delas, encontrávamos tempo e inspiração para o cultivo dos valores espirituais. Orávamos em família, participávamos dos serviços assistenciais no fim de semana, comparecíamos às reuniões doutrinárias.  Nossa vida tinha um sentido, um ideal a ser concretizado… Isso tudo nos dava muita força e abençoada tranquilidade.

Suspirou fundo e concluiu, melancólico: – Depois as coisas melhoraram. Comecei a ganhar dinheiro num promissor empreendimento comercial; meu filho superou os problemas de saúde, mudamos para um bairro de classe abastada. Multiplicaram-se compromissos profissionais e sociais. Atividade intensa, sem espaço para as orações em família, o culto, a atividade espiritual… Prosperamos materialmente, mas, tanto eu quanto minha esposa sentimos que algo precioso, de valor inestimável, ficou perdido…

– Talvez um sentido para a existência, um objetivo…

– Exatamente! Ficou um vazio… Lembro uma expressão popular que define o assunto: Éramos felizes e não sabíamos!

        Lamentavelmente, não obstante o desabafo, meu amigo ainda não encontrou tempo para retomar os ideais negligenciados.

        Quando o caminho é fácil, esquecemos a bússola do discernimento. Acabamos nos desviando dos roteiros celestes que, bem sabemos, estão perfeitamente delineados nas lições de Jesus, reverenciado por Kardec no comentário à questão número 625 de O Livro dos Espíritos: Para o homem, Jesus constitui o tipo de perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm aparecido na Terra, o espírito divino o animava.

        Raros se disporiam a repetir a súplica de Druso, esquecidos de Jesus e do significado de sua missão. Mas estejamos certos de que Jesus não se esquece de nós, permitindo que venham dores, lutas e dificuldades em nosso caminho. Abençoado propósito inspira o Mestre Supremo: evitar que esqueçamos o endereço de Deus.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ANÁLISE DA FIGUEIRA ESTÉRIL E O ESTUDO DA RELIGIÃO

                 Por Jorge Luiz            O Estudo da Religião e a Contribuição de Rudolf Otto O interesse pela história das religiões   remonta a um passado muito distante e a ciência das religiões, como disciplina autônoma, só teve início no século XIX. Dentre os trabalhos mais robustos sobre a temática, notabiliza-se o de Émile Durkheim, As Formas Elementares da Via Religiosa.             Outro trabalhos que causou repercussão mundial foi o de Rudolf Otto, eminente teólogo luterano alemão, filósofo e erudito em religiões comparadas. Otto optou por ser original e abdicou de estudar as ideias sobre Deus e religião e aplicou suas análises das modalidades da experiência religiosa. Ao fazer isso, Otto conseguiu esclarecer o conteúdo e o caráter específico dessa experiência e negligenciou o lado racional e especulativo da religião, sempre...

SOBRE A INSISTÊNCIA EM QUERER CONTROLAR AS MULHERES

  Gravura da série O Conto da Aia, disponível na Netflix Por Maurício Zanolini Mulheres precisam se casar com homens intelectualmente e financeiramente superiores a elas ou o casamento não vai durar. Para o homem, a esposa substitui a mãe nos cuidados que ele precisa receber (e isso inclui cozinhar, lavar, passar e limpar a casa). Ao homem, cabe o papel de prover para que nada falte no lar. O marido é portanto a cabeça do casal, enquanto a mulher é o corpo. Como corpo, a mulher deve ser virtuosa e doce, bela e recatada, sem nunca ansiar por independência. E para que o lar tenha uma atmosfera agradável, é importante que a mulher sempre cuide de sua aparência e sorria.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

PUREZA ENGESSADA

  Por Marcelo Teixeira Era o ano de 2010, a Cia. de teatro da qual Luís Estêvão faz parte iria apresentar, na capital de seu Estado, uma peça teatral que estava sendo muito elogiada. Várias cidades de dois Estados já haviam assistido e aplaudido a comovente história de perdão e redenção à luz dos ensinamentos espíritas. A peça estreara dez anos antes. Desde então, teatros lotados. Gente espírita e não espírita aplaudindo e se emocionando. E com a aprovação de gente conhecida no movimento espírita! Pessoas com anos de estrada que, inclusive, deram depoimento elogiando o trabalho da Cia. teatral.

09.10 - O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

            Por Jorge Luiz     “Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)                    Cento e sessenta e quatro anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outr...

ALLAN KARDEC E A DOUTRINA ESPÍRITA

  Por Doris Gandres Deolindo Amorim, ilustre espírita, profundo estudioso e divulgador da Codificação Espírita, fundador do Instituto de Cultura Espírita do Brasil, em dado momento, em seu livro Allan Kardec (1), pergunta qual o objetivo do estudo de uma biografia do codificador, ao que responde: “Naturalmente um objetivo didático: tirar a lição de que necessitamos aprender com ele, através de sua vida e de sua obra, aplicando essa lição às diversas circunstâncias da vida”.

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...