Coragem tem em sua etimologia o significado
“ato do coração”. Esse conceito pode ser relacionado a várias expressões, como
convicção e direcionamento da energia para fazer o certo, força moral ante o
perigo, poder para resolução, ânimo, bravura, firmeza, intrepidez, ousadia,
constância, perseverança, desembaraço e franqueza. Expressões literárias
traduziram a coragem associada à virtude, como Aristóteles, que a considerou “a
primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras”. Por exemplo,
Miguel de Cervantes, em sua obra Dom Quixote, revela a coragem como um esteio
da vida, escrevendo: “quem perde seus bens perde muito; quem perde um amigo
perde mais; mas quem perde a coragem perde tudo”. Coragem está também
intimamente relacionada com autoestima, vontade, princípios e valores éticos
perante a vida.
Diante da adversidade, a coragem e os
resultados subsequentes, quando positivos, conferem uma autoimagem satisfatória
de dignidade. Contudo, sendo a coragem um alicerce para a manutenção da
dignidade moral, se enfraquecida pode desempenhar um papel causal na crítica
depreciativa e desmoralização. A coragem é vista pelo senso comum como a
virtude dos heróis; e quem não admira os heróis?
As pessoas se sentem às vezes desmoralizadas
por não terem ainda a coragem suficiente ao enfrentamento. A cultura “somente
os mais fortes sobrevivem” pode exercer influência crítica nesse sentido, com
auto-julgamentos pejorativos de covardia, fraqueza e incapacidade. Por muitas
vezes, ouvi de pacientes no início do tratamento frases como “sou um fraco,
sinto medo de enfrentar essa situação, eu me sinto incapaz…”. Sempre que
necessário, ajudo as pessoas a corrigirem essas crenças com algumas reflexões.
Em primeiro lugar, não são os mais fortes, mas os que se adaptam melhor, que
sobrevivem.
Portanto, o trabalho terapêutico deve visar
recursos de adaptação ao ambiente e às condições atuais. Além disso, o medo não
exclui a coragem ao enfrentamento, mas faz parte de processos adaptativos e sem
ele não estaríamos aqui. Em outras palavras, a coragem não é a ausência de
medo, mas uma superposição a ele por razões, conhecimentos, valores e valências
emocionais mais fortes.
O que
Significa Coragem?
Considero que a coragem sem o medo pode ser uma
temeridade. Infelizmente, poucos falam sobre os “atos de coragem” malsucedidos
ou reportam aprendizados vindos do insucesso. A coragem líquida (advinda do
efeito do álcool) foi estudada em relação à probabilidade de manifestação dos
comportamentos sexuais de risco. Os autores do Departamento de Psicologia da
Universidade de Washington mostram que o álcool deprecia a censura, e algumas
pessoas se sentem mais “sensíveis, alegres, agressivas ou corajosas” quando
alcoolizadas. Os comportamentos sexuais de risco não estiveram correlacionados
ao grupo controle de participantes sóbrios.
Por outro lado, os comportamentos de extremo
risco (como não fazer uso de preservativo com parceiras desconhecidas)
estiveram significativamente correlacionados ao grau de embriaguez. Refletindo
sobre esses achados, ressalto que o uso do álcool pode favorecer riscos, em parte,
pela atenuação ou neutralização do medo e da ansiedade.
Conceitos pragmáticos de coragem como um
comportamento de aproximação a despeito da vivência do temor são usados em
estudos científicos. A aproximação pode ser objetiva e/ou subjetiva. Por exemplo,
22 voluntários com fobia de aranha foram estudados quanto à coragem de
enfrentamento de seus medos. Os participantes foram submetidos a instrumentos
psicológicos que avaliam direta e indiretamente a coragem, assim como a
exposição real a quatro tarântulas taxidermizadas (que parecem reais) com o
objetivo de aproximar a mão o máximo possível.
O estudo, realizado em 2009 pelo Departamento
de Psicologia da Universidade de Houston, mostrou que os escores de coragem
subjetiva eram significativa- mente correlacionados às distâncias de
aproximação das aranhas, isto é, os participantes com maior pontuação de
coragem chegaram mais perto das aranhas.
De fato, a coragem é um importante fator para o
enfrentamento de temores e adversidades.
A chegada ao consultório psicoterápico revela
esse passo de coragem e a motivação para vencer a dificuldade. Considerando que
a expressão do medo se relaciona diretamente a vulnerabilidades específicas ao
que o indivíduo não controla e/ou não conhece, a coragem fortalecerá, durante a
psicoterapia, com o conhecimento e controle gradativamente adquiridos.
Amparando essa abordagem, os desempenhos sob estresse de profissionais
especializados em desarmar bombas e de pessoas sem experiência anterior nessa
tarefa foram comparados.
Os resultados publicados em 1983 no periódico British Journal of Psychology mostraram
que os especialistas apresentaram menor frequência cardíaca, menor ansiedade e
maior controle cognitivo da situação em comparação com os não profissionais,
que executaram a mesma tarefa com medo exacerbado e pior desempenho. Os
indicadores de coragem foram similares nos dois grupos estudados.
Esses achados evidenciam que o conhecimento e o
controle da situação estão correlacionados à coragem e também ao melhor
desempenho relativo à exposição de riscos importantes.
fonte: Livro “TRAUMA E SUPERAÇÃO – O que a
Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade Ensinam”. – Dr. Julio Peres
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