Pular para o conteúdo principal

A VIDA SEGUE






A vida não cessa.
A vida é fonte eterna
e a morte é o jogo escuro das ilusões.



Por Francisco Barbosa (*)








Despertara como se de repente houvesse perdido os sentidos. Achava-se no meio de uma rua que não lhe era estranha, mas não conhecia ninguém dos que o carcavam, principalmente os que o abordavam insistentemente. Não recordava nada do que precedera aquele momento. Mas estava bem, apenas um tanto atordoado e sem saber o que fazer. Estranhamente chamavam-no pelo nome, como se o conhecessem e o convidavam a seguir em determinada direção. Não os poderia acompanhar agora, fosse para onde fosse, pois antes tinha que procurar pela família. E como que por intuição, seguiu por uma determinada viela, reconhecendo logo adiante o rumo em que ficava a sua casa. Com indizível alegria, passou a correr e sentiu como que flutuasse, chegando em casa rápido como o pensamento e agradeceu a Deus por isto. Mas qual não foi o seu espanto ao avistar uma multidão em frente de casa, parentes, vizinhos, amigos, desconhecidos, muitos carros. De repente a sua alegria se transformou em desespero. O que era aquilo, alguém doente, um velório ?. Ninguém o atendia, ninguém o ouvia ou não queria dizer nada. Abriu caminho no meio da multidão e viu toda a família em desespero, aos prantos e sendo amparados por parentes e amigos. Não tinha mais dúvida, um dos seus havia morrido. Mas quem? Avistava os dois filhos e a esposa, mas o caixão estava pousado sobre os suportes ali na sala. Correu aos braços da esposa, a interrogá-la a respeito, mas esta, como que passada de dor, nem o ouviu ou acolheu, tal qual os demais parentes e amigos, como que anestesiados. Angustiado ao extremo, dirigiu-se ao esquife, para ver com os próprios olhos, o motivo de tudo aquilo. Qual não foi a surpresa, ao ver que quem ocupava aquele caixão era ele próprio ou um sósia. Mais aflito ainda, passou a interrogar a um e a outro, mas ninguém lhe dava ouvidos, senão alguns poucos estranhos que lhe pediam calma e paciência, mas nada esclareciam. Maior foi a confusão em sua mente e achou-se agora delirando, quando diante de si apareceu a sua avó paterna, falecida há vinte anos atrás e o mais curioso, ela o ouvia e do mesmo modo pedia calma e paciência. Ora, nunca tinha visto fantasma e nem acreditava que quem já morreu voltasse a ter contato com ninguém que está vivo, até porque foi isto que ensinou a sua religião.

Mas a sua vó insistia para que a acompanhasse e aos que a seguiam, os únicos que o ouviam e prometiam de tudo dar-lhe explicações. Como não sabia realmente o que fazer e para onde ir naquele momento, até porque a maioria dos presentes lhe eram indiferentes, resolveu seguir aquele grupo solícito. Mas eles não respondiam à maioria das perguntas que lhes fazia, eram evasivas muitas das respostas. Caminharam muito, e embora não tivesse noção do tempo, sabe que passaram por muitos lugares que lhe eram estranhos, deles muito sombrios e até mal cheirosos, onde desconhecidos e a maioria mesmo maltrapilhos, se lamentava, chorava, blasfemava. Seguiam indiferentes, e em determinado prédio, numa sala pouco iluminada em que penetraram, um grupo reunido em torno de uma mesa estava como que concentrado, pois nenhum os olhou chegarem. A mesma atitude tomaram os que o conduziam e lhe sinalizaram fazer o mesmo. Em seguida foi-lhe determinado aproximar-se de um dos que estavam sentados e em prece pedir-lhe ajuda. Embora sem entender o que lhe ocorria e sem de nada lembrar do passado que cria recente, atendeu e então sentiu-se extremamente leve e muito próximo daquele estranho, a quem mentalmente pediu ajuda. Embora recebido com carinhosas palavras de boas- vindas, sentia-se agora um tanto pesado e tinha dificuldade para falar. Inquirido, quis saber o que estava acontecendo consigo, pois estava a ponto do ficar louco, mas foram poucas as palavras que pode pronunciar, como se o seu sistema vocal estivesse emperrado. Apesar disto, percebeu que o interlocutor o entendeu e prometeu que o ajudariam, pois a Providência Divina a ninguém desampara. Praticante de sua religião, acreditava em Deus, mas não tinha explicação para aquela sua situação inédita. Agora queria o seu novo amigo saber se acreditava numa vida futura, ao que respondeu positivamente, pois lhe fora dito desde criança que temos o céu ou o inferno como destinos, dependendo dos nossos atos aqui na Terra. Mas o que isto tem a ver com a sua situação de momento, quando o que pretende é saber porque há um defunto com a sua cara e velado em sua casa e ele próprio, que está vivo, se acha em tamanha perturbação, tratado com total indiferença pelos parentes e amigos, apenas assistido por desconhecidos e acima de tudo vendo a alma de sua avó, que sabe não mais existir. Foi quando lhe foi dito que não se morre, muda-se de plano, pois a alma é imortal e somente o corpo físico fenece. Que quando se extinguem as energias dos órgãos materiais, a alma ou espírito se desprende e entra em relação com os que também já deixaram o invólucro de carne. Sentiu-se estremecer e, desconfiado perguntou: “então eu morri ?” Como já lhe foi dito, esclareceu o outro, o ser espiritual não morre, e tanto é verdade que você está aí, plenamente lúcido, somente perturbado e contrariado com o novo, porém amparado pelo seu Deus, aqui representado pelos que o guiaram até aqui. É preciso que tenha fé e siga os ensinamentos que lhe serão ministrados e que não serão diferentes dos que você ouviu até agora, talvez displicentemente e pouco valorizados. Não havia mais dúvida, era verdadeiramente o seu corpo que era velado em sua residência e também entende agora porque não o viam nem ouviam. E chorou. Já tinha saudades dos filhos queridos e da amada esposa. Saiu daquela sala desolado, amparado embora pela bondosa avó e seus seguidores, que trataram de confortá-lo enquanto o conduziam a ambientes de tratamento e estudo.
Eis, caros leitores, como em linhas gerais se desenvolve um exemplo do drama da passagem de um plano a outro da vida, a que todos estamos sujeitos, nas diversas e variadas etapas da existência humana.
Na sabedoria da Questão 149 de o Livro dos Espíritos, respondem os Espíritos a Kardec que “no instante da morte a alma volta a ser Espírito, quer dizer, retorna ao mundo dos Espíritos, que deixou momentaneamente. E que ela conserva a sua individualidade, não a perde jamais. E que seria ela se não a conservasse, indagam ?”  

(*) escritor, membro da Associação Maçônica de Letras do Estado do Ceará, e voluntário do C.E. Casa do Caminho, em Aquiraz.




Comentários

  1. Ainda bem que nunca estamos desamparados!
    Que há esta doutrina tão esclarecedora!

    Obrigado sr. Barbosa

    Vanessa Alves

    ResponderExcluir
  2. Simples e esclarecedor texto Sr. Francisco Barbosa!
    Que todos sejamos amparados no infinito amor de Deus!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

DIA DE FINADOS À LUZ DO ESPIRITISMO

  Por Doris Gandres Em português, de acordo com a definição em dicionário, finados significa que findou, acabou, faleceu. Entretanto, nós espíritas temos um outro entendimento a respeito dessa situação, cultuada há tanto tempo por diversos segmentos sociais e religiosos. Na Revista Espírita de dezembro de 1868 (1) , sob o título Sessão Anual Comemorativa dos Mortos, na Sociedade Espírita de Paris fundada por Kardec, o mestre espírita nos fala que “estamos reunidos, neste dia consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para dar aos nossos irmãos que deixaram a terra, um testemunho particular de simpatia; para continuar as relações de afeição e fraternidade que existiam entre eles e nós em vida, e para chamar sobre eles as bondades do Todo Poderoso.”

O DISFARCE NO SAGRADO: QUANDO A PRUDÊNCIA VIRA CONTRADIÇÃO ESPIRITUAL

    Por Wilson Garcia O ser humano passa boa parte da vida ocultando partes de si, retraindo suas crenças, controlando gestos e palavras para garantir certa harmonia nos ambientes em que transita. É um disfarce silencioso, muitas vezes inconsciente, movido pela necessidade de aceitação e pertencimento. Desde cedo, aprende-se que mostrar o que se pensa pode gerar conflito, e que a conveniência protege. Assim, as convicções se tornam subterrâneas — não desaparecem, mas se acomodam em zonas de sombra.   A psicologia existencial reconhece nesse movimento um traço universal da condição humana. Jean-Paul Sartre chamou de má-fé essa tentativa de viver sem confrontar a própria verdade, de representar papéis sociais para evitar o desconforto da liberdade (SARTRE, 2007). O indivíduo sabe que mente para si mesmo, mas finge não saber; e, nessa duplicidade, constrói uma persona funcional, embora distante da autenticidade. Carl Gustav Jung, por outro lado, observou que essa “másc...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

O CORDEIRO SILENCIADO: AS TEOLOGIAS QUE ABENÇOARAM O MASSACRE DO ALEMÃO.

  Imagem capa da obra Fe e Fuzíl de Bruno Manso   Por Jorge Luiz O Choque da Contradição As comunidades do Complexo do Alemão e Penha, no Estado do Rio de Janeiro, presenciaram uma megaoperação, como define o Governador Cláudio Castro, iniciada na madrugada de 28/10, contra o Comando Vermelho. A ação, que contou com 2.500 homens da polícia militar e civil, culminou com 117 mortos, considerados suspeitos, e 4 policiais. Na manhã seguinte, 29/10, os moradores adentraram a zona de mata e começaram a recolher os corpos abandonados pelas polícias, reunindo-os na Praça São Lucas, na Penha, no centro da comunidade. Cenas dantescas se seguiram, com relatos de corpos sem cabeça e desfigurados.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

09.10 - O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

            Por Jorge Luiz     “Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)                    Cento e sessenta e quatro anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outr...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

O MEDO SOB A ÓTICA ESPÍRITA

  Imagens da internet Por Marcelo Henrique Por que o Espiritismo destrói o medo em nós? Quem de nós já não sentiu ou sente medo (ou medos)? Medo do escuro; dos mortos; de aranhas ou cobras; de lugares fechados… De perder; de lutar; de chorar; de perder quem se ama… De empobrecer; de não ser amado… De dentista; de sentir dor… Da violência; de ser vítima de crimes… Do vestibular; das provas escolares; de novas oportunidades de trabalho ou emprego…