Pular para o conteúdo principal

JESUS NEFELIBATA





 Por Sérgio Aleixo (*)


Onde ficou o Cristo? Numa posição intermediária do mito irracional da Trindade, dando origem a toda a mitologia cristã. Transformado em parte intrínseca de Deus, Jesus de Nazaré perdeu a sua personalidade própria, ensanduichado entre Deus e o Espírito Santo. (Herculano Pires. Revisão do Cristianismo, II.)
A satanização de toda e qualquer análise, de toda e qualquer atitude crítica, como se fossem necessariamente um fator de dissolução do rebanho, bem como as influências mistificadoras que grassam no movimento espírita, fomentou, pouco a pouco, a visão de um Jesus absolutamente nefelibata.
Trata-se de um Jesus que andava nas nuvens, divorciado da realidade imediata e incapaz dos testemunhos varonis de que os evangelistas nos dão conta. No entanto, foram tais exemplos que se quer esquecer que consagraram a figura ímpar do mestre como ego ideal de nossa mais elevada consciência moral.

Este Jesus todo o tempo melífluo, o “meigo” nazareno de alguns, aquele que não expulsou os vendilhões do templo e nunca admoestou a hipocrisia dos fariseus, há de ter morrido numa bem curtida velhice, não como jovem vítima das instituições humanas fundadas no desprezo pela verdade. Muito seguro, Kardec nos preveniu contra os perigos de uma visão assaz mitificada, mesmo quanto a Jesus:
[...] toda gente, em geral, faz dos homens apenas conhecidos por seu espírito um ideal que cresce com o afastamento dos tempos e dos lugares. Eles são como que despojados da humanidade; parece que não devem falar nem sentir como o mundo; que sua linguagem e seus pensamentos devem estar constantemente no diapasão da sublimidade, sem cuidar que o espírito não poderia estar constantemente em estado de tensão, e num perpétuo estado de superexcitação. No contato diário da vida privada se vê demasiado o homem material, que nada distingue do vulgar. O homem corporal, que impressiona os sentidos, apaga quase o homem espiritual, que impressiona o espírito [...]. (A Gênese, XVII, 2.)
Assim é que, atento às lições dos Evangelhos e certo da validade histórica destes relatos neles contidos, o mestre lionês nada encontrou de avesso à pureza do Espírito Jesus nos passos que vim de mencionar, tanto que deste modo os comentou:
Jesus expulsou os vendilhões do templo, e assim condenou o tráfico das coisas santas, sob qualquer forma que seja. Deus não vende a sua bênção, nem o seu perdão, nem a entrada no reino dos céus. O homem não tem, portanto, o direito de cobrar nada disso. (O Evangelho segundo o Espiritismo, XXVI, 6.)
Estarão todas [as seitas cristãs] isentas das apóstrofes que [Jesus] dirigia aos fariseus de seu tempo? Todas, enfim, em teoria assim como na prática, são a expressão pura de sua doutrina? (A Gênese, XVII, 26.)
Por que não seriam sublimes e mesmo serenas as severas admoestações do mestre?
Mentes e corações obstinados na inércia intelecto-moral não teriam necessidade disso? As crianças não entendem a precisão da energia, de quando em vez, empregada por seus pais para adverti-las, mas, passado algum tempo, reconhecem-lhe a sabedoria. Não atribuamos a Jesus o descaso que nossa falsidade até apelida de “educação”, institucionalizando a tibieza de caráter, o descomprometimento fantasiado de virtude cristã. Ouçamos a advertência de Herculano Pires:
Há mais serenidade no homem que defende com entusiasmo e calor os seus princípios do que no indivíduo falacioso, que procura serenamente as suas evasivas. É mais sereno o murro de uma verdade na mesa do que o palavreado untuoso da mentira na boca de um santo de artifício. (O Ser e a Serenidade, II.)
Quanto ao episódio evangélico da expulsão dos exploradores do Templo, vejamos os comentários do erudito Prof. Carlos J. Torres Pastorino:
O fato da expulsão dos exploradores do Templo, bem aceito pela teologia católica, quer romana, quer reformada, sofre grandes restrições no ambiente espiritista. Convictos da bondade de Jesus, de seu amor para com os pecadores e humildes, não querem admiti-lo violento. Parece-nos haver confusão entre violência e energia, entre bondade e complacência.
Pode e deve haver bondade enérgica, frequentemente indispensável na educação de crianças rebeldes, sem que haja violência. A moleza de caráter (muitas vezes chamada benevolência) pode em certos casos constituir até crime. Cruzaríamos os braços diante de um bandido que estivesse para assassinar um bando de crianças, e se tivéssemos força capaz de detê-lo sem matá-lo? E nossa conivência, sob a capa cômoda da caridade, não seria cumplicidade?
Não se alegue que Jesus perdeu a linha, porque nenhum evangelista deixa supô-lo.
Repreender com severidade, derrubar uma mesa de cambista, pegar um feixe de pequenas cordas para enxotar animais, é um gesto de justa indignação que supõe grande elevação espiritual diante da profanação de um lugar sagrado. Vem isto provar-nos que não devemos — nem podemos — pactuar com o abuso, sobretudo de negociar nos lugares destinados à oração.
Quanto ao chicote de cordéis, não é necessário supor-se uma figura, dizendo que era o chicoteda palavra. Não se diz no Evangelho que Jesus espancou os exploradores, mas apenas que fez o chicote, com ele espantando os animais, que não podiam entender as palavras candentes que dirigiu aos homens.
O episódio não pode ser posto em dúvida, quando vem narrado nos quatro evangelistas. E em muitas outras ocasiões podemos observar o retrato de um Jesus másculo e forte. Jamais o vemos fraco e covarde. Seria inadmissível que um Espírito, com a autoridade de Jesus, que criou o planeta, aqui chegasse com um caráter mole e efeminado. A força moral de Jesus, assim como sua energia, é bem confirmada pelas palavras duras com que enfrentava os enganadores do povo, que faziam da religião simples degraus para subir no conceito popular e para adquirir prestígio e honrarias, ou posição política, ou riquezas e isenção de obrigações. (Sabedoria do Evangelho. Vol. 1. Expulsão dos exploradores.)


 (*) escritor, expositor espírita, autor das obras: O Primado de Kardec, Ensaios da Hora Extrema, Com quem falaram os profetas.

Fonte: http://ometroquemelhormediukardec.blogspot.com/2010/06/capitulo-4.html

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

      Por Wilson Garcia Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

"ANDA COM FÉ EU VOU..."

  “Andá com fé eu vou. Que a fé não costuma faiá” , diz o refrão da música do cantor Gilberto Gil. Narra a carta aos Hebreus que a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. Cremos que fé é a certeza da aquisição daquilo que se tem como finalidade.

“TUDO O QUE ACONTECER À TERRA, ACONTECERÁ AOS FILHOS DA TERRA.”

    Por Doris Gandres Esta afirmação faz parte da carta que o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1854! Se não soubéssemos de quem e de quando é essa declaração poder-se-ia dizer que foi escrita hoje, por alguém com bastante lucidez para perceber a interdependência entre tudo e todos. O modo como vimos agindo na nossa relação com a Natureza em geral há muitos séculos, não apenas usando seus recursos, mas abusando, depredando, destruindo mananciais diversos, tem gerado consequências danosas e desastrosas cada vez mais evidentes. Por exemplo, atualmente sabemos que 10 milhões de toneladas de plásticos diversos são jogadas nos oceanos todo ano! E isso sem considerar todas as outras tantas coisas, como redes de pescadores, latas, sapatos etc. e até móveis! Contudo, parece que uma boa parte de nós, sobretudo aqueles que priorizam seus interesses pessoais, não está se dando conta da gravidade do que está acontecendo...

NÃO SÃO IGUAIS

  Por Orson P. Carrara Esse é um detalhe imprescindível da Ciência Espírita. Como acentuou Kardec no item VI da Introdução de O Livro dos Espíritos: “Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram”, sendo esse destacado no título um deles. Sim, porque esse detalhe influi diretamente na compreensão exata da imortalidade e comunicabilidade dos Espíritos. Aliás, vale dizer ainda que é no início do referido item que o Codificador também destaca: “(...) os próprios seres que se comunicam se designam a si mesmos pelo nome de Espíritos (...)”.

FUNDAMENTALISMO AFETA FESTAS JUNINAS

  Por Ana Cláudia Laurindo   O fundamentalismo religioso tenta reconfigurar no Brasil, um país elaborado a partir de projetos de intolerância que grassam em pequenos blocos, mas de maneira contínua, em cada situação cotidiana, e por isso mesmo, tais ações passam despercebidas. Eles estão multiplicando, por isso precisamos conhecer a maneira com estas interferências culturais estão atuando sobre as novas gerações.

TEMOS FORÇA POLÍTICA ENQUANTO MULHERES ESPÍRITAS?

  Anália Franco - 1853-1919 Por Ana Cláudia Laurindo Quando Beauvoir lançou a célebre frase sobre não nascer mulher, mas tornar-se mulher, obviamente não se referia ao fato biológico, pois o nascimento corpóreo da mulher é na verdade, o primeiro passo para a modelagem comportamental que a sociedade machista/patriarcal elaborou. Deste modo, o sentido de se tornar mulher não é uma negação biológica, mas uma reafirmação do poder social que se constituiu dominante sobre este corpo, arrastando a uma determinação representativa dos vários papéis atribuídos ao gênero, de acordo com as convenções patriarcais, que sempre lucraram sobre este domínio.

JESUS TEM LADO... ONDE ESTOU?

   Por Jorge Luiz  A Ilusão do Apolitismo e a Inerência da Política Há certo pedantismo de indivíduos que se autodenominam apolíticos como se isso fosse possível. Melhor autoafirmarem-se apartidários, considerando a impossibilidade de se ser apolítico. A questão que leva a esse mal entendido é que parte das pessoas discordam da forma de se fazer política, principalmente pelo fato instrumentalizado da corrupção, que nada tem do abrangente significado de política. A política partidária é considerada quando o indivíduo é filiado a alguma agremiação religiosa, ou a ela se vincula ideologicamente. Quanto ao ser apolítico, pensa-se ser aquele indiferente ou alheio à política, esquecendo-se de que a própria negação da política faz o indivíduo ser político.