Pular para o conteúdo principal

SER ESPÍRITA LAICO É CHOCANTE?

 


Por Ana Cláudia Laurindo

Obviamente que a pergunta exposta no título, é para você leitor ou leitora, que se interessa por Espiritismo.

Acha absurdo que alguém seja espírita, e ao mesmo tempo, não comungue de uma prática religiosa?

O laicismo espírita não significa ausência de crença, porque isto é circunscrito às individualidades e suas relações intimistas com Deus. Se refere a uma vivência espírita liberta de ritual e cartilha religiosista. Neste caso, o Espiritismo não é uma religião, não tem sacramentos nem qualquer outro aparato resgatado de referências advindas de práticas orientais ou ocidentais de fé.

No segundo capítulo do livro autoral (R)evolução Política dos Espíritos, que estará trafegando na materialidade literária a partir do dia 12 de dezembro deste ano, tratamos sobre “livre pensamento e laicismo espírita”, como parte de uma jornada de descoberta e exercício de autonomia intelectual, elementos aos quais valorizamos na condição real de aprendizado.

Ser espírita laico não é uma distopia. É uma vertente que permite a imersão no amor pela busca do conhecimento, sem negociar resultados transcendentais, sentidos e aceitação das questões inerentes à vida planetária. A condição mais livre de ser espírita, talvez seja esta. Mas existem inúmeras formas de ser, viver, acreditar e materializar experiências corpóreas com vistas à evolução. Não nos parece atrativo selecionar certo e errado onde a liberdade de escolha orienta adesões formais, mas consideramos importante falar um pouco sobre o não-religiosismo e a perspectiva evolutiva contida em processos político/existenciais.

Eis a delícia de pensar e experimentar o diálogo para além dos grilhões formais, com outros e outras, que também estejam interessados em dialogar assim.

O meio espírita tradicional preenche muitas vidas com a divulgação da ação caridosa, em processos que podem levar toda uma existência sem questionar desigualdades e injustiças, sempre alimentando a compreensão de que fazem parte de um carma coletivo ou pessoal, adquirido pelas pessoas necessitadas. Com o pensamento crítico, que é por certo uma característica de beleza espiritual, buscamos aprimorar a compreensão da caridade, agregando um senso de justiça social, que derruba estas convicções sobre a culpa pregressa do sofredor, principalmente quando o mal resulta da pobreza, miséria e ampla ignorância, como resultado histórico de políticas excludentes.”

Sensibilizar sem desqualificar, sem afastar mas respeitando os que preferem a distância, abrimos estes caminhos de amor, para trabalharmos a dialética gerada pelas crenças cristalizadas que professam o religiosismo espírita como única forma de manifestar adesão ao kardecismo.

“Quando a percepção da geopolítica e manuseios do mercado se apresentam como responsáveis pelo sofrimento corporal e mental a transtornar tantas vidas, é possível seguir justificando a dor como resultado do passado pessoal de cada ser, simplesmente? A crença na punição do pobre e miserável como resultado do seu passado encarnatório, não nos torna coniventes com as políticas de desigualdades deste mundo, na última hora? A visão espírita laica libera um potencial interessante de análise crítica e revela que o saber é feito de dialética, não de servilismos e, principalmente, instiga buscas por mais conhecimento, sob outras perspectivas, inclusive.”

O cerne do livro em questão é a postura político/existencial como condutora de evolução espiritual.

O capítulo voltado ao laicismo está conectado a outros vieses de análises e debates que consideramos importantes.

Por certo não conhecemos tudo, mas também não somos pessoas tímidas. Buscar saber mais sobre nosso devir é um estímulo renovador. Já que o grande desconhecido está entre nós, em nós, feito saga infinda a encantar os que percebem a dinâmica do tempo como ampliação da vida através do desbravar da inteligência em benefício da evolução. O fenômeno existencial humano/espiritual é bonito em sua originalidade, e mesmo as variáveis que o marcam pela dor e pelo egoísmo não conseguem ser maiores do que a esperança de superação da fraqueza e do erro, quando a evolução desponta em todas as direções guiando para o amanhã inevitável.”

A escrita da esperança, abre um caloroso abraço para receber sua leitura!

Amar sob o viés de uma experiência de vida laica talvez seja o desafio incompreendido pelas teologias, filosofias e teorias ligadas ao melhoramento do ser. Obviamente que isto sugere um território de ação vasto, desafiador, principalmente para nós humanos deste século, ávidos por nos associarmos a algum tipo de referência protetora, que seja aceita pelos aglomerados sociais que traduzem visibilidade e reconhecimento, validando pertenças.

O exercício constante do livre pensamento é caminho de diálogo entre espíritas e não-espíritas sobre questões inerentes aos interesses da vida, presentes na sociedade e, também de cada pessoa. Assim pode superar as designações de gueto, que são redutoras do envolvimento comum. A percepção política das relações próximas e distantes, promove intercâmbios interessantes.

Eis a partilha do capítulo, e a leitura do livro é uma indicação para os pensadores e pensadoras que acatem este exercício de libertação paradigmática.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração (1) , isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

EU POSSO SER MANIPULADO. E VOCÊ, TAMBÉM PODE?

  Por Maurício Zanolini A jornalista investigativa Carole Cadwalladr voltou à sua cidade natal depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit). Ela queria entender o que havia levado a maior parte da população da pequena cidade de Ebbw Vale a optar pela saída do bloco econômico. Afinal muito do desenvolvimento urbanístico e cultural da cidade era resultado de ações da União Europeia. A resposta estava no Facebook e no pânico causado pela publicidade (postagens pagas) que apareciam quando as pessoas rolavam suas telas – memes, anúncios da campanha pró-Brexit e notícias falsas com bordões simplistas, xenofobia e discurso de ódio.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

RECORDAR PARA ESQUECER

    Por Marcelo Teixeira Esquecimento, portanto, como muitos pensam, não é apagamento. É resolver as pendências pretéritas para seguirmos em paz, sem o peso do remorso ou o vazio da lacuna não preenchida pela falta de conteúdo histórico do lugar em que reencarnamos reiteradas vezes.   *** Em janeiro de 2023, Sandra Senna, amiga de movimento espírita, lançou, em badalada livraria de Petrópolis (RJ), o primeiro livro; um romance não espírita. Foi um evento bem concorrido, com vários amigos querendo saudar a entrada de Sandra no universo da literatura. Depois, que peguei meu exemplar autografado, fui bater um papo com alguns amigos espíritas presentes. Numa mesa próxima, havia vários exemplares do primeiro volume de “Escravidão”, magistral e premiada obra na qual o jornalista Laurentino Gomes esmiúça, com riqueza de detalhes, o que foram quase 400 anos de utilização de mão de obra escrava em terras brasileiras.

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.