Pular para o conteúdo principal

EU VIM PARA SERVIR...

 


  Por Jorge Luiz     

            Os leitores do blog Canteiro de Ideias, possivelmente, tenham observado que este resenhista vem dando destaques em seus artigos à temática das Igrejas Neopentecostais no Brasil. Isso é fato. Sem nenhuma identidade histórica com o cristianismo nascente, as seitas pentecostalistas têm sido instrumentalizadas pela política partidária através de algumas das suas lideranças, e esse crescimento desordenado até pelos propósitos conhecidos, também, tem atraído milícias, narcotráfico, ideias fascistas, e já dispõe uma bancada no parlamento que se destaca pela demanda desconstituída de nenhum valor cristão. A imersão dessa temática busca construir uma tomada de consciência de nós espíritas das reais ameaças que, à penumbra, avançam e ameaçam a sociedade como um todo.

            A principal justificativa para o crescimento das igrejas neopentecostais nas periferias brasileiras não é, tão somente, ligada à prosperidade financeira pregada pela Teologia da Prosperidade, mas, principalmente, segundo o pastor Ariovaldo Ramos, líder da Comunidade Cristã Renovada e fundador e coordenador nacional da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, por duas situações, após reconhecer a invisibilidade dos residentes nessas comunidades, antes mais identificadas com as religiões de matriz africana. As situações que ele pontua são:

a)    O indivíduo começa a fazer parte de uma comunidade em que ele é tratado pelo próprio nome e há a escuta da sua história;

b)    A fé neopentecostalista enfatiza a manifestação divina através do fiel. Este, na sua caminhada, manifesta qualquer dom descrito com a presença de Deus e é levado imediatamente a uma posição de destaque na comunidade porque tem um dom, pois é um instrumento divino para abençoar outras pessoas.

Além disso, admite Ramos, “ele ganha dignidade pessoal porque é tido como filho de Deus; não é mais ser perdido no Universo, a serviço de uma máquina exploradora que vive à custa da mais-valia.”

      Não se pode esquecer que é dito haver iniciativas sociais envolvidas na  formação de grupos de jovens, com a inserção da arte e cultura.

É fato, contudo, que há um “empoderamento místico” e o profitente passa a ter uma relevância significativa no seio da sua comunidade. A partir desse empoderamento, o fiel passa a ser um líder em sua comunidade, e sem nenhuma formação teológica, boa parte dos pentecostais praticam uma hermenêutica equivocada e experiencial, diz Fernando Habitzreuter, na sua tese de conclusão do curso de Teologia das Faculdades Batista do Paraná. Citando o pastor Paulo Romeiro, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Universidade Mackenzie, ele diz que a “hermenêutica pentecostal” é a responsável pelas novas doutrinas e ensinamentos, os quais são utilizados com o intuito de angariar fundos e fiéis, e, por consequência, causando feridas espirituais que fazem parte de seus grupos religiosos. Nesse cenário, passam a ocorrer abusos que Habitzreuter classifica como “abusos espirituais”, que é a coerção, o controle e o uso abusivo das “Escrituras Sagradas”.

É uma inverdade e contradição, portanto, em  afirmar que o fiel deixa de não estar, mas a serviço da máquina exploradora capitalista pelo simples fato de ser um frequentador da igreja. Tudo isso possibilita identificar uma manipulação oportunista sobre essas comunidades que padecem de uma consciência cidadã e apela para Deus que mude os rumos de suas vidas.

            Vê-se, nesses fatores elencados, nenhuma propositura de natureza realmente cristã, nem mesmo na bancada chamada de Frente Parlamentar Evangélica no Congresso, que é integrada, também, por parlamentares católicos conservadores. As proposituras se circundam entre hábitos e costumes, tendo como parâmetro o Antigo Testamento, muito diverso do segmento confessadamente cristão no Brasil. O que se tem visto é que as iniciativas dos parlamentares buscam apenas benefícios para a categoria dos religiosos, nunca para a classe pobre dos brasileiros.

            Esse preâmbulo poderia ser mais amplo, mas acredito ser suficiente para o desenvolvimento da ideia que se propõe, que é elaborar um diálogo com o que se convencionou chamar de Promoção Social Espírita em seus resultados práticos.

            No primeiro momento, vê-se um lapso de memória ou descaso intencional de Ramos ao não se referir à presença dos espíritas nessas comunidades, já que a benemerência espírita é soberbamente conhecida pelos brasileiros.

            Inspirada no lema “Fora da Caridade não há Salvação”, a assistência social espírita foi criada pela Federação Espírita Brasileira (FEB), em 20 de abril de 1890, tornando-se o centro das atenções para a divulgação do Espiritismo.

            Na realidade, os espíritas são pioneiros nessa empreitada, já que somente através da Constituição Federal de 1988, no seu artigo n.º 203, a assistência social passa a ser dever do Estado e direito do cidadão.

            Essa temporalidade é de fundamental importância para se entender que o centro espírita sempre foi e continua sendo um espaço de acolhimento dos sujeitos onde a fraternidade é a bandeira de convivências. Aperfeiçoada pelas experiências passou-se a consorciar a assistência com a promoção social espírita, que sai do assistencialismo e passa a oferecer condições para que   indivíduo passe a superar as dificuldades econômicas, sociais, morais e espirituais em que momentaneamente se encontre, além de auxiliá-lo a ultrapassar as próprias limitações, reconhecendo que estas, embora sendo características de sua atual personalidade, possuem caráter transitório, uma vez que nenhum ser foi criado para o mal ou para o infortúnio.

            Somente nas dimensões da educação e da pedagogia espírita tivemos experiências de sucesso com Eurípedes Barsanulfo, Anália Franco, Tomás Novelino e Ney Lobo. É possível ainda citar as obras assistenciais de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco. Aqui no Ceará, nesses dias, existe a obra social “Pão da Vida”, em Viçosa do Ceará, dirigida pelo confrade Everaldo Mapurunga, a qual deve ser conhecida por aqueles que ainda não a conhecem.

            As iniciativas na benemerência espírita somam-se às milhares replicadas pelos centros espíritas nos diversos rincões do Brasil, isto é indiscutível.

            As atividades de benemerência espírita não evoluem aleatoriamente. Desenvolvem-se seguindo presentes os conceitos filosóficos-espirituais bem definidos em suas obras básicas, essencialmente em “O Livro dos Espíritos” (L.E.) no livro III – As Leis Morais.  Sobre elas, Allan Kardec, na questão n.º 617 “a”, comenta: “As outras concernem especialmente ao homem e às suas relações com Deus e seus semelhantes. Compreendem as regras da vida do corpo e as da vida da alma: são as leis morais.”

            Na questão n.º 635 de o (L.E.), o mesmo Kardec faz as seguintes considerações: “As condições da existência do homem mudam segundo as épocas e os lugares, e disso resultam para ele necessidades diferentes e condições sociais correspondentes a essas necessidades. (...) Cabe à razão distinguir as necessidades reais das necessidades fictícias ou convencionais.”

            Todo o arcabouço doutrinário do Espiritismo capacita o espírita a dimensões éticas conscientes do homem como ser interexistencial que orbita os mundos físico e extrafísico, imortal e jornadeante através do tempo na esteira das vidas sucessivas, tendo Deus como Inteligência Suprema e causa primária de todas as coisas. Tudo isso favorece uma concepção espírita do mundo e do ser, favorecendo o ajuste às dinâmicas da vida, que é repassado aos acolhidos nas instituições espíritas.

            Os espíritas têm em Jesus o modelo e o guia, conforme está definido na questão n.º 625 de o (L.E.). Esse ensinamento já proporciona ao espírita um posicionamento diferenciado; uma conduta ética diante do próximo e da vida.

            Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, no capítulo XXV,  Allan Kardec recomenda o não proselitismo, afirmando: “Não violenteis nenhuma consciência; não forceis ninguém a deixar a sua crença para adotar a vossa; não lanceis o anátema sobre os que não pensam como vós. Lembrai-vos das palavras de Cristo: antigamente o céu era tomado por violência, mas hoje o será pela caridade e a doçura.”

            Críticas existem nas iniciativas da promoção social espírita, principalmente pela acriticidade dos reais motivos que levam muitos brasileiros ao estado de miséria e invisibilidade. Todavia, o espaço espírita não foi tomado pelo partidarismo político, conduzido a processos de manipulação para favorecer essa ou aquela corrente política. Isto é motivo de júbilo para os espíritas, quando se analisa o quadro caótico dos pentecostalistas, coabitando com a política de extrema-direita, além de propósitos suspeitos e demandas criminosas em suas atividades.

            Afinal, Jesus afirmou (M, 10:45): “Pois nem mesmo o Filho do Homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos".

 

Referências:

DIP, Andrea. Em nome de quem? Rio de Janeiro: ABDR, 2018.

KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. São Paulo: Lake, 2007.

_____________. O livro dos espíritos. São Paulo: Lake, 2000.

 

SITE:

https://www.febnet.org.br/portal/wp-content/uploads/2019/07/WEB-Orienta%C3%A7%C3%A3o-a-Assistencia-e-Promocao-Social-Espirita.pdf

 


Comentários

  1. Leonardo Ferreira Pinto10 de julho de 2024 às 10:54

    Excelente texto que me deu alegria ao saber que o espaço espírita não está tomado pela politicagem tacanha que visa apenas benefícios para seus partidários. E que o trabalho social espírita continua atuante.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

OS FANATISMOS QUE NOS RODEIAM E NOS PERSEGUEM E COMO RESISTIR A ELES: FANATISMO, LINGUAGEM E IMAGINAÇÃO.

  Por Marcelo Henrique Uma mensagem importante para os dias atuais, em que se busca impor uma/algumas ideia(s), filosofia(s) ou crença(s), como se todos devessem entender a realidade e o mundo de uma única maneira. O fanatismo. Inclusive é ainda mais perigoso e com efeitos devastadores quando a imposição de crenças alcança os cenários social e político. Corre-se sérios riscos. De ditaduras: religiosas, políticas, conviviais-sociais. *** Foge no tempo e na memória a primeira vez que ouvi a expressão “todos aprendemos uns com os outros”. Pode ter sido em alguma conversa familiar, naquelas lições que mães ou pais nos legam em conversas “descompromissadas”, entre garfadas ou ações corriqueiras no lar. Ou, então, entre algumas aulas enfadonhas, com a “decoreba” de fórmulas ou conceitos, em que um Mestre se destacava como ouro em meio a bijuterias.

PROGRESSO - LEI FATAL DO UNIVERSO

    Por Doris Gandres Atualmente, caminhamos todos como que receosos, vacilantes, temendo que o próximo passo nos precipite, como indivíduos e como nação, num precipício escuro e profundo, de onde teremos imensa dificuldade de sair, como tantas vezes já aconteceu no decorrer da história da humanidade... A cada conversação, ou se percebe o medo ou a revolta. E ambos são fortes condutores à rebeldia, a reações impulsivas e intempestivas, em muitas ocasiões e em muitos aspectos, em geral, desastrosas...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

A PROPÓSITO DO PERISPÍRITO

1. A alma só tem um corpo, e sem órgãos Há, no corpo físico, diversas formas de compactação da matéria: líquida, gasosa, gelatinosa, sólida. Mas disso se conclui que haja corpo ósseo, corpo sanguíneo? Existem partes de um todo; este, sim, o corpo. Por idêntica razão, Kardec se reportou tão só ao “perispírito, substância semimaterial que serve de primeiro envoltório ao espírito”, [1] o qual, porque “possui certas propriedades da matéria, se une molécula por molécula com o corpo”, [2] a ponto de ser o próprio espírito, no curso de sua evolução, que “modela”, “aperfeiçoa”, “desenvolve”, “completa” e “talha” o corpo humano.[3] O conceito kardeciano da semimaterialidade traz em si, pois, o vislumbre da coexistência de formas distintas de compactação fluídica no corpo espiritual. A porção mais densa do perispírito viabiliza sua união intramolecular com a matéria e sofre mais de perto a compressão imposta pela carne. A porção menos grosseira conserva mais flexibilidade e, d...

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

REENCARNAÇÃO E O MUNDO DE REGENERAÇÃO

“Não te maravilhes de eu te dizer: É-vos necessário nascer de novo.” (Jesus, Jo:3:7) Por Jorge Luiz (*)             As evidências científicas alcançadas nas últimas décadas, no que diz respeito à reencarnação, já são suficientes para atestá-la como lei natural. O dogmatismo de cientistas materialistas vem sendo o grande óbice para a validação desse paradigma.             Indubitavelmente, o mundo de regeneração, como didaticamente classificou Allan Kardec o estágio para as transformações esperadas na Terra, exigirá novas crenças e valores para a Humanidade, radicalmente diferenciada das existentes e que somente a reencarnação poderá ofertar, em face da explosiva diversidade e complexidade da sociedade do mundo inteiro.             O professor, filósofo, jornalista, escritor espírita, J. Herc...