quinta-feira, 8 de junho de 2023

MACACO? TODOS FOMOS UM DIA!

 

Por Jorge Luiz

          O homem é o grande desconhecido de si mesmo. Apesar de todo o avanço tecnológico alcançado, muito bem exemplificado com a conquista da Inteligência Artificial em seu ápice, o homem continua sendo seu grande desconhecido e sequer conhece a sua inteligência natural.

A partir desse desconhecimento, a família e a sociedade continuam a ser disfuncionais. Três perguntas básicas, sempre repetidas, se respondidas, mudarão de uma forma radical as relações entre os seres vivos: quem somos; de onde viemos; para onde vamos.

Dentre alguns fatores responsáveis pelo lento progresso do conhecimento humano, anote-se a precarização do sistema de trabalho, tendo a propriedade privada como principal móvel da sociedade.

            O episódio de racismo na Espanha envolvendo o jogador brasileiro Vinícius Júnior reflete muito bem essa ignorância, inflada nesses dias com a ascensão da fascismo em todo o mundo.

            Olhando na esteira dos tempos ver-se-á que o racismo é um processo civilizatório que surge com a ideia de julgar o caráter moral de uma pessoa por suas feições e sua expressão. Segundo a antropóloga Anne Maxwell, o pioneiro nesse propósito foi, em 1789, o escritor e pastor suíço Johann Kaspar Lavater (1741-1801). A ele se seguiram tantos outros cientistas com ideologias racistas, como, por exemplo, o físico e anatomista estadunidense Samuel George Morton (1799-1851), que colecionou algumas centenas de crânios que o levaram a conclusões poligenistas racistas. Entre 1839 e 1849, Morton publicou vários trabalhos, nos quais classificou os negros como menos desenvolvidos do que os brancos, associando-os a deficiência moral, desvio sexual e menor inteligência. Alguns com ideias escravagistas chegaram a afirmar que os negros alcançavam sua perfeição física e moral, e também longevidade, em estado de escravidão.

            Em 1859, o naturalista e geólogo inglês Charles Darwin (1809-1882) publicou o livro A Origem das Espécies, no qual afirmava que toda espécie humana havia se originado de ancestrais comuns. A ideia monogenista de Darwin revolucionou o meio científico da época e foi de encontro a numerosos estudos e teorias, dividindo opiniões. Obviamente, os racistas brancos, já que eram poligenistas, teriam que mudar suas hipóteses, e logo concluíram que os mais brancos e considerados fisicamente “perfeitos” eram que estavam mais longe dos macacos. Dava-se, assim, o tiro de abertura da corrida para que fosse encontrado o “elo perdido” – aquele ser que, acreditavam, ficara no limbo entre o macaco e o homem e que não podia ser exatamente classificado como “humano”.

            Naturalmente, os brancos que conduziam os estudos da época e comparavam os crânios de pessoas brancas, representadas principalmente pelo ideal clássico das estátuas gregas e romanas, com os crânios de pessoas negras, e todos esses aos dos símios. Todos esses esforços dos brancos fizeram com que aquelas imagens e mensagens não fossem inteiramente esquecidas e ainda hoje servem de estopim para o racismo contra pessoas negras, como o episódio do brasileiro Vinícius Júnior.

            As pesquisas de Darwin, não por acaso, vêm ao mundo na mesma quadra das pesquisas de Allan Kardec. Darwin apresenta ao mundo a evolução do princípio material, o Homem; já Allan Kardec, com O Livro dos Espíritos, a evolução do princípio espiritual, o Espírito. Dois livros, dois autores e o futuro da Humanidade. Ambos não foram aceitos facilmente pelos meios científicos e religiosos, e muitas controvérsias causaram e ainda causam.

            Bom ressaltar que Darwin não considera em suas pesquisas a espiritualidade humana, ele se concentra somente em termos de evolução orgânica, o que não implica na inexistência do Espírito. Nesse ponto é que se abre a possibilidade de um diálogo possível entre Darwin e Kardec, e que a bióloga e pesquisadora na área da genética, Hebe Laghi de Souza, assim afirma:

 

“Kardec nos aponta para a evolução da vida como um processo acionado por um agente espiritual. Transfere, portanto, a evolução para o Espírito, considerando-o como o agente que progride no tempo; que se utiliza das possibilidades do material biológico para impulsionar o processo de evolução orgânica na criação das formas, pelas quais passará, até alcançar a humanidade. (...)”

           

            Allan Kardec em A Gênese, estudando a gênese orgânica, classifica o homem do ponto de vista corporal e anatômico aos mamíferos, da qual difere somente por alguns detalhes. Dentro dessa classe, o homem pertence à ordem dos bímanos. Imediatamente abaixo dele vêm os quarúmanos (animais de quatro mãos) ou macacos, dos quais alguns, como o orangotango, o chimpanzé, o mono, têm certas semelhanças com o homem. Salienta Kardec: seguindo passo a passo a série dos seres, dir-se-ia que cada espécie é um aperfeiçoamento, uma transformação da espécie imediatamente inferior.” 

             Prossegue Kardec:

 

“Embora isto possa ferir seu orgulho, o homem deve se resignar a ver em seu corpo material, o último elo da animalidade sobre a Terra. O inexorável argumento dos fatos aí está, e será em vão levantar protestos contra tal situação.”

           

            O elo perdido não são os negros como se insinuou. O Espírito André Luiz assim se reporta aos elos desconhecidos da evolução, que se operam em regiões extrafísicas, desde que o princípio divino aportou a Terra, emanado da Esfera Espiritual:

 

“(...) razão pela qual variados elos da evolução fogem à pesquisa dos naturalistas, por representarem estágios da consciência fragmentária fora do campo carnal propriamente dito, nas regiões extrafísicas que essa mesma consciência incompleta prossegue elaborando o seu veículo sutil, então classificado como protoforma humana, correspondente ao grau evolutivo em que se encontra.”

 

            Hebe, em suas pesquisas, emoldura essas verdades quando afirma:

 

“Eis, então, um diálogo possível, numa linguagem comum, apresentando o homem como um produto de evolução espiritual, que se faz acompanhar e é dependente de toda evolução biológica, nos moldes descritos por Darwin.”

 

Há, nas últimas décadas, citações e comentários de Allan Kardec que levaram muitos a considerarem-no racista. A compreensão do Espiritismo e a participação de Kardec na sua sistematização passam necessariamente em entender o contexto social e cultural, principalmente o conceito de raça como aqui anotado.

Todos os Espíritos encarnados na Terra são da categoria Homo sapiens sapiens, não havendo qualquer distinção biológica, todos têm a mesma origem e destinação. O Espírito pode sucessivamente reencarnar revestindo envoltórios diversos, nascer em posições diferentes. Kardec esclarece:

 

“Os privilégios de raça têm sua origem na abstração que os homens geralmente fazem do princípio espiritual, para considerar apenas o ser material exterior. Da força ou da fraqueza constitucional de uns, de uma diferença de cor em outros, do nascimento na opulência ou na miséria, da filiação consanguínea nobre ou plebeia, concluíram por uma superioridade ou inferioridade.”

 

            Kardec foi previdente quando afirmou que o “Espiritismo caminharia de par com o progresso, assim, jamais seria ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto.”

            Jared Diamond, geógrafo, historiador, ornitólogo e escritor norte-americano, escrevendo acerca da inventividade humana, afirma que apesar de toda a nossa singularidade, admite que não somos nada únicos. Não apenas somos um animal, mas é até bastante que tipo de animal é esse. Somos um dos grandes símios africanos. Temos as mesmas partes anatômicas que os símios e as mesmas – ou quase – proteínas. Jared vai mais além e cita três espécies do gênero Homo: Homo troglodytes (chimpanzé comum); Homo paniscus (chimpanzé pigmeu), e o terceiro chimpanzé ou humano, Homo sapiens.

            Diamond conclui:

 

“Na verdade, dizer que diferimos em 1,6% dos outros chimpanzés é exagerar a singularidade humana, pois nossos atributos depende de diferenças de DNA bem menores que 1,6%. (...). Assim sendo, apenas a minúscula fração de 0,16% do nosso DNA poderia explicar o motivo de estarmos discutindo evolução na linguagem de Ulisses do James Joyce, em vez de forragear sem fala pela selva, como outros chimpanzés.”

           

            Fantástica a concepção de Diamond. A ciência considera que 90% do nosso DNA é sucata codificante, coisa impossível de se conceber. Fácil de entender, contudo, que a quase insignificante diferença de 0,16%, é pouco representativo para a enorme diferença entre a inventividade humana e a do chimpanzé. Allan Kardec realça essa hipótese em “A Gênese”, ao afirmar que a semelhança do corpo do homem com o corpo do macaco não implica na paridade entre seu Espírito e o do macaco. A definição de “sucata codificante” é o ponto de corte do materialismo, para o que propõe Kardec, quando afirma:

 

“O Espiritismo caminha a par com o materialismo, no terreno da matéria; admite tudo o que este admite; porém, onde o materialismo se detém o Espiritismo prossegue.”

 

            Ouvindo Kardec, ouso dizer que no percentual definido como “sucata codificante” estão os DNA com gênese espiritual, que expressam o desejo de transcendência do homem. O geneticista estadunidense Dean Hamer, assinala que o Homo sapiens teve crenças espirituais desde o surgimento de nossa espécie. Na verdade, diz ele, “a espiritualidade é uma das heranças genéticas humanas fundamentais. Ela é na verdade, um instinto.”

 

            Hamer, concorda com o princípio kardeciano acima, quando admite:

 

“Portanto, não é surpresa que não se possa simplesmente observar a sequência do genoma e dizer onde está o gene de Deus (ele admite a existência) – aqueles responsáveis pela predisposição à espiritualidade – se encontram.”

                       

            Ele prossegue:

 

 “Mesmo que se conhecesse a função bioquímica de todos os genes, não se saberia como eles interagem entre si e com o ambiente para moldar uma característica tão complexa quanto a espiritualidade.”

             O princípio inteligente (espírito), distinto do princípio material, ao atingir sua individualidade, se elabora e alcança a condição de Espírito (ser inteligente da criação), alcançando a condição de se humanizar. Os corpos dos macacos foram os mais apropriados às suas necessidades, e mais próprios ao exercício de suas faculdades, que o corpo de qualquer animal. A partir daí, por influência do Espírito, o envoltório se modificou, embelezou seus detalhes, sempre conservando a forma geral do conjunto. O Espírito encarnado, a partir daí, inicia o seu processo de individuação. O Espírito do macaco não foi aniquilado, continuou a procriar corpos de macaco, como até os dias de hoje. Todos os Espíritos encarnados na Terra, autóctones, passaram por esse estágio.

 O racismo é um intumescimento moral da sociedade e somente passará a ser combatido quando o Brasil e o mundo admitirem-se racistas.

 

Referências:

DIAMOND, Jared. O terceiro chimpanzé. Rio de Janeiro, 2010.

HANER, Dean. O Gene de Deus. São Paulo. 2005;

KARDEC, Allan. A gênese. São Paulo, 2010.

_____________ Revista Espírita, junho/1867. Brasília, 2007.

KOUTSOUKOS, Sandra S. M. Zoológicos Humanos. Ebook, 2008.

MORAES, Elias. Contextualizando Kardec. Ebook, 2009.

MURPHY, Michael P. & O’NEILL, Luke A. J. O que é vida – 50 anos depois. São Paulo, 1997.

SOUZA, Hebe L. Darwin e Kardec: um diálogo possível. São Paulo, 2002.

XAVIER, F. C. & VIEIRA, Waldo. Evolução em dois mundos. Brasília, 1994.

 

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