Pular para o conteúdo principal

UM GRITO DE INDEPENDÊNCIA

 

Grito dos Excluídos

 
Por Mário Portela

A “independência do Brasil” aconteceu em 7 de setembro 1822, tendo como grande marco o grito da independência que foi realizado por D. Pedro I, às margens do Rio Ipiranga. Durante o período Joanino, muitas medidas modernizadoras foram implantadas no Brasil, dentre elas podemos citar a elevação à condição de Reino Unido e, assim, o Brasil deixaria de ser colônia portuguesa. Com o retorno de D. João VI para Portugal, D. Pedro foi colocado como regente do Brasil. O que muitos desconhecem é que esse processo de libertação do Brasil não foi pacífico. Com a declaração da independência, uma série de regiões no Brasil demonstrou sua insatisfação e rebelou-se contra o processo de independência. Certos movimentos eclodiram nas províncias, não aderindo ao processo de autonomia da nação, optando por se manterem leais a coroa portuguesa. Mas, para além dos fatos históricos, o que podemos aprender com tudo isso? Que reflexões podemos tirar do bicentenário da independência?

A conquista da independência é, também, um processo natural do ser humano, quando, aos poucos, à medida que vamos crescendo, novas sensações vão sendo descobertas. Os primeiros passos, o balbuciar das primeiras palavras, a autonomia das primeiras escolhas são o prelúdio das decisões do amanhã. O processo de construção humana é contínuo e todos os dias lutamos por nosso lugar ao sol. Construímo-nos a partir de uma complexa teia de relações sociais e à medida que cedemos a uma pulsão infinita de crescimento, nos percebemos objetos finitos e incompletos. Talvez daí, surja nossa vontade de independência. Há de se pensar, porém, na sutil diferença entre os termos independência e autonomia. O primeiro diz respeito a nossa capacidade de desempenhar as atividades rotineiras sem o auxílio de terceiros, a exemplo de vestir-se, comer, caminhar etc. O segundo, por sua vez, refere-se à capacidade de gerirmos nossa própria vida, de tomarmos decisões que supomos serem mais assertivas. Significa viver de acordo com nossos anseios e regras. Debruçando-me sobre a janela do tempo, vejo que passados duzentos anos de nossa independência trazemos, ainda, enorme dificuldade de entendermos esse vocábulo. Em meio a conflitos políticos, sorvermos o fel do ódio separatista, capaz de corroer qualquer ideal nacionalista que deveria nos unir enquanto povo. Anestesiados por delírios religiosos vindo da construção infantil de um Deus antropomórfico, excluímo-nos uns aos outros criando ilhas de valores moralistas. Não mais a alegria, mas o medo toma conta de nossos corações. Armados mental e agora fisicamente, vivemos em guerra cotidiana em que o inimigo é todo aquele que pensa diferente de mim.  - A liberdade me fez assim, faço o quero, diz o imbecil. - Tenho direitos, expresso-me como quiser, vocifera o idiota egocêntrico. E nessa visão medíocre de independência, travestida de liberdade de expressão nos tornamos cada vez mais individualistas. Pobre homem, infeliz! Anseia por liberdade, mas constrói seus sonhos no charco movediço dos pântanos da ilusão.

Em sua análise do cotidiano, o filosofo alemão Martin Heidegger, percebe que o ser humano é marcado pela angústia, que, por sua vez, ativa uma espécie de aversão, sentida por nós como uma ausência. Essa angústia é decodificada como um medo diante de algo ameaçador. Mas o que determina a angústia é justamente o fato do homem se perceber um-ser-no-mundo. Trata-se de um sentimento que, para Heidegger, não tem uma razão específica, simplesmente se manifesta como se o mundo perdesse o seu sentido. Isto posto, nos resta duas opções, fuga para vivermos uma existência inautêntica, ou a tentativa de transcendermos, buscando atribuir um sentido ao ser; é dessa forma que a angústia traz a possibilidade de uma revelação privilegiada, isto porque a angústia nos convida ao processo de individuação.  Este processo retira o ser-aí de sua decadência e torna manifestas para ele a autenticidade e inautenticidade como possibilidades do seu ser. A autonomia de suas emoções são apresentadas como possibilidades do ser.

A autenticidade é a singularização da existência, isto é, a autonomia de si, é a tomada de consciência do Ser-aí, é a abertura às mais diversas possibilidades. É o olhar em profundidade buscando uma compreensão mais harmônica com o mundo, assumindo a responsabilidade na forma como me relaciono com ele. Já a inautenticidade, é marcada pela aparência, pelas máscaras desnecessárias; diferente do modo autêntico de ser, busca, tão somente, apropriar-se das coisas com as quais se relaciona, para delas tirar proveito.

O fenômeno da angústia, dentro do pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger, se manifesta como uma possibilidade original de desvelamento do homem em seu ser. Metaforicamente, é o momento em que diante das margens do rio Ipiranga da vida, bradamos ficar com nós mesmo, como nossa capacidade criativa autentica que diante de um processo de construção de si e de auto apercebimento, jamais confunde força com expressão de poder. Montados nos corcéis da razão e de posse da espada da consciência, bradamos o grito de nossa independência dizendo: o amor é despoder.

Temos muito a refletir nesse 7 de setembro de 2022.  Trazemos uma incongruência profunda na forma como vivemos, falamos e pensamos. Relembrar o passado é trazer na memória a nossa responsabilidade na construção de um Brasil mais digno, menos desigual, mais inclusivo. Nossos símbolos nacionais trazem a marca de uma nação fulgurante, que em meio a tanta desigualdade, construída sobre um passado sangrento e mordaz, luta para se tornar a pátria amada de todos nós. Somos o Brasil, somos brasileiros. Que essa identidade seja capaz de gerar a irmandade que tantos precisamos para bradarmos em alto e bom tom:

 

“Gigante pela própria natureza

És belo, és forte, impávido colosso

E o teu futuro espelha essa grandeza

Terra adorada, entre outras mil és tu, Brasil

Ó pátria amada.

Dos filhos deste solo, és mãe gentil

Pátria amada, Brasil!

 

Feliz Dia da Independência!

 

Ab imo pectore!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

O BRASIL CÍNICO: A “FESTA POBRE” E O PATRIMONIALISMO NA CANÇÃO DE CAZUZA

  Por Jorge Luiz “Não me convidaram/Pra esta festa pobre/Que os homens armaram/Pra me convencer/A pagar sem ver/Toda essa droga/Que já vem malhada/Antes de eu nascer/(...)/Brasil/Mostra a tua cara/Quero ver quem paga/Pra gente ficar assim/Brasil/Qual é o teu negócio/O nome do teu sócio/Confia em mim.”   “ A ‘ Festa Pobre ’ e os Sócios Ocultos: Uma Análise da Canção ‘ Brasil ’”             Os verso s acima são da música Brasil , composta em 1988 por Cazuza, período da redemocratização do Brasil, notabilizando-se na voz de Gal Costa. A música foi tema da novela Vale Tudo (1988), atualmente exibida em remake.             A festa “pobre” citada na realidade ocorreu, realizada por aqueles que se convencionou chamar “mercado”,   para se discutir um novo plano financeiro, para conter a inflação galopante que assolava a Nação. Por trás da ironia da pobreza, re...

TRAPALHADAS "ESPÍRITAS" - ROLAM AS PEDRAS

  Por Marcelo Teixeira Pensei muito antes de escrever as linhas a seguir. Fiquei com receio de ser levado à conta de um arrogante fazendo troça da fé alheia. Minha intenção não é essa. Muito do que vou narrar neste e nos próximos episódios talvez soe engraçado. Meu objetivo, no entanto, é chamar atenção para a necessidade de estudarmos Kardec. Alguns locais e situações que citarei não se dizem espíritas, mas espiritualistas ou ecléticos. Por isso, é importante que eu diga que também não estou dizendo que eles estão errados e que o movimento espírita, do qual faço parte, é que está certo. Seria muita presunção de minha parte. Mesmo porque, pelo que me foi passado, todos primam pela boa intenção. E isso é o que vale.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

É HORA DE ESPERANÇARMOS!

    Pé de mamão rompe concreto e brota em paredão de viaduto no DF (fonte g1)   Por Alexandre Júnior Precisamos realmente compreender o que significa este momento e o quanto é importante refletirmos sobre o resultado das urnas. Não é momento de desespero e sim de validarmos o esperançar! A História do Brasil é feita de invasão, colonização, escravização, exploração e morte. Seria ingenuidade nossa imaginarmos que este tipo de política não exerce influência na formação do nosso povo.

A HISTÓRIA DA ÁRVORE GENEROSA

                                                    Para os que acham a árvore masoquista Ontem, em nossa oficina de educação para a vida e para a morte, com o tema A Criança diante da Morte, com Franklin Santana Santos e eu, no Espaço Pampédia, houve uma discussão fecunda sobre um livro famoso e belo: A Árvore Generosa, de Shel Silverstein (Editora Cosac Naify). Bons livros infantis são assim: têm múltiplos alcances, significados, atingem de 8 a 80 anos, porque falam de coisas essenciais e profundas. Houve intensa discordância quanto à mensagem dessa história, sobre a qual já queria escrever há muito. Para situar o leitor que não leu (mas recomendo ler), repasso aqui a sinopse do livro: “’...