Pular para o conteúdo principal

POR UMA SOCIOLOGIA ESPÍRITA LIVRE

 


Considero importante partilhar algumas circunstâncias que reverberam a intolerância cega que floresce no meio espírita brasileiro, no intuito da reflexão que nos ajude a compreender tais processos, sem cair nas armadilhas do ódio, que costuma camuflar sua feiura com narrativas de salvação.

Uma pessoa que se dizia espírita e demonstrava muita mágoa com o teor das minhas análises e escrita, visitou meu perfil na rede social facebook, me acusando de desonestidade e outras coisas. Não tomando isso como algo pessoal, mas estritamente ligado ao caráter questionador daquilo que escrevo, mais uma vez aceito a oportunidade para buscar o aprimoramento do senso de compreensão dos fenômenos políticos que interferem em nossa evolução.

Manuel Porteiro (1881-1936)

Seguimos a linha de Manuel Porteiro, que afirmou: “As convulsões políticas e sociais do momento histórico em que vivemos nos obrigam a separar nossa atenção dos problemas de índole psicológica para fixá-la nos de índole econômica e social, que também ocupam uma das fases de nossos estudos e exigem ser tratados à luz do Espiritismo”.


Este tem sido um ponto interessante das nossas abordagens, por considerarmos a influência de classe como energia política preponderante no desenvolvimento do meio espírita brasileiro, herdeiro e reprodutor de religiosismos promotores de crenças ingênuas e úteis ao poder dominante.

Narrativas sobre o caráter político dos espíritos encarnados e desencarnados, como as que prefiro sustentar, não retiram das práticas espíritas a capacidade de diálogo em mesas de tratamento e cura, mas pelo contrário, evita a prevalência de moralismos ocos nas falas mediadoras, que tantas vezes orientam e podem de fato ajudar necessitados nos dois planos dimensionais.

Considerar o teor político infiltrado em nossas escolhas, convicções e discursos, é parte mesmo do processo evolucionista idealizado, como fala Porteiro: “Para o espírita, a sociedade humana é um dinamismo espiritual que se move por impulsos de ideias e sentimentos no sentido progressivo; […] E assim sucessivamente, de ciclo em ciclo, a humanidade vai se elevando para formas sociais mais perfeitas.”

Como fazer esta dinâmica se tornar real sem abrir mão dos princípios reconhecidamente obsoletos, como aqueles que ainda induzem multidões a odiarem aquilo que sequer conhecem, como por exemplo “comunismo”, “anarquismo”, “socialismo” e “progressismo”?

Precisamos enfrentar os obstáculos úteis ao pensamento dominante que lucra com a miséria moral e social, e a placa a ser movimentada é esta que expõe pensamentos cristalizados em moralismos psicologizantes que distorcem o sentido do arbítrio e elevam hierarquias e castas.

A simplicidade da verdade libertadora tem se tornado cada vez insuportável a estas hordas que se autodeclaram “pessoas de bem” no meio espírita.

Os opositores do livre pensamento investem contra nossas vozes, no intuito de silenciar o que consideram dissidência, porque se apropriaram de uma legitimidade criada por eles mesmos, e com isso vitalizam a política de dominação que já justificou tantos genocídios. Mas o cenário ainda não foi dominado no todo, e estamos em resistência a este modo de propagar Espiritismo.

Manuel Porteiro nos diz que “o Espiritismo ao enfrentar o problema social, não se limita a explicar as injustiças sociais tomando-as como efeitos de causas remotas.” E por concordar com este entendimento, recusamos assumir os discursos cármicos como justificativas para os males do mundo, apenas. Nossas investidas de fé e razão acreditam nas transformações políticas como aberturas de novos caminhos relacionais, em perspectiva planetária, do macro ao micro, diminuindo os efeitos das dores até cessar aquilo que as origina.

É um idealismo? Pode ser. Mas não há mal em perseguir um ideal de benefício comum, principalmente quando acreditamos em “evolução”, “regeneração” e “mundos felizes”, como nós espíritas.

Finalizamos então, com Porteiro mais uma vez dizendo, que “o espírita pode e deve influir na sociedade para que a injustiça econômica e os males que origina desapareçam ou, pelo menos, diminuam.”

A intolerância não nos intimida, nem nos convence a entrar em guerras vãs. Nossa perspectiva continua sendo o amor em sua potência máxima de revolução, através da razão, dos sentimentos nobres e desejos de amanhãs felizes, neste hoje cercado de luto e lutas no Brasil.

 

 

 

PORTEIRO, Manuel. Conceito Espírita de Sociologia. Edição digital. PENSE – Pensamento Social Espírita.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.