segunda-feira, 10 de maio de 2021

A DEMOCRACIA, A CIDADANIA E A LEI DE CAUSA E EFEITO

 


             Uma eleitora recentemente fez uma mea-culpa diante das atrocidades praticadas pelo governo do seu eleito nas urnas e pediu perdão pelos crimes cometidos pelo candidato, em seu nome. Até onde um eleitor, no exercício pleno da cidadania, pode responder pela lei de causa e efeito nessas circunstâncias?

            Esse é exemplo prático resultante dos ataques que os fundamentos da democracia vêm sofrendo no Brasil e no mundo. E essa cruzada é de ordem espiritual, até porque os ideais democráticos são de inspiração evangélica e, sem ela, a democracia não poderá subsistir, conforme assinala Jacques Maritain (1872-1973), filósofo francês de orientação católica cujos pensamentos influenciaram o conceito de democracia cristã, no opúsculo Cristianismo e Democracia.Expressa-se:

 

“(...) vimos durante um século as forças dirigentes das democracias modernas renegarem o Evangelho e o cristianismo em nome da liberdade humana, ao passo que as forças dirigentes das camadas sociais cristãs combatiam durante um século as aspirações democráticas em nome da religião.”

 

            A obra de Maritain foi escrita em 1943. Nela, o filósofo faz referência à forma que a burguesia dita livre-pensadora esmagou, simultaneamente, o movimento operário de 1848 e a chama que ele proporcionava; e a força social da religião agiu em favor da burguesia, como anteriormente havia agido e age em favor da política do trono e do altar.

            O século XX se foi e a realidade continua a mesma. Os efeitos da pandemia vêm agudizando ainda mais esse processo.

            A sociedade humana não está compreendendo o propósito provacional que a pandemia lhe está submetendo. E nem mesmo todos os espíritas têm esse alcance e nem as repercussões da sua inserção nos desdobramentos da sua gestão e dos ataques à democracia.

            A pandemia e as dezenas de mortes que ela provoca não terão termo enquanto não ocorra no mundo a purificação das relações econômico-financeiras, dos pensamentos, das suas filosofias de vida e da política.

            E essas repercussões, obviamente, estão intrinsecamente relacionadas com o exercício da cidadania.

O Espírito André Luiz, na obra Evolução em Dois Mundos, assim se expressa, e ajuda nessa compreensão:

 

“Todos os nossos sentimentos e pensamentos, palavras e obras, neles se refletem, gerando consequências felizes, pelas quais entramos na intimidade da luz ou da sombra, da alegria ou do sofrimento.”

 

Allan Kardec, em “A Gênese”, acerca dos fluidos, demonstra como o pensamento plasticiza a ideia e reflete no envoltório perispirítico, como num espelho, toma nele corpo e aí de certo modo se fotografa. Importante lembrar que nos evangelhos são encontradas várias passagens onde os evangelistas assim se referem a Jesus: “... Mas Jesus, vendo o pensamento de seus corações...” Embora as leis escritas não punam tal situação, não ocorre o mesmo com as leis morais.

 

         O Espírito Clélia Duplantier, em mensagem inserta em Obras Póstumas, assim se expressa acerca da responsabilidade de cada Espírito, enquanto encarnado:

 

 

“Três caracteres há em todo homem: o do indivíduo, do ser em si mesmo; o de membro da família e, finalmente, o de cidadão. Sob cada uma dessas três faces pode ele ser criminoso e virtuoso, isto é, pode ser virtuoso como pai de família, ao mesmo tempo que criminoso como cidadão e reciprocamente. Daí as situações especiais que para si cria nas suas sucessivas existências.”

 

            Apesar de o Artigo 5º da Constituição Federal contemplar os direitos civis, isto não quer dizer que o exercício da cidadania seja pleno. As desigualdades sociais são profundas no Brasil, o que se sucede também com a cidadania. O voto talvez seja o único item dos direitos civis que torna os cidadãos brasileiros iguais. E ainda assim, o voto no Brasil nunca foi sinônimo de democracia.

            Para que o voto seja realmente uma ferramenta cidadã, é preciso que o eleitor tenha uma consciência política; é necessário haver bons eleitores, sem esquecer que as mídias corporativas são decisivas nesse processo, o que não acontece no Brasil. O império da mentira (fakenews), eufemisticamente chamada de pós-verdade, com os mecanismos das redes sociais, violenta a consciência da cidadania, atingindo principalmente as camadas desamparadas culturalmente. É a corrupção do pensamento.

Os candidatos também não têm nenhum compromisso com os eleitores, a não ser com os grupos representativos que os financiam. Tem-se hoje no congresso a “bancada da bala”, “da bíblia” “do agronegócio”, e assim sucessivamente.

            Como se vê, são atenuantes por demais compreensíveis para o exercício correto da cidadania. No entanto, os pensamentos e sentimentos dos eleitores e eleitos ressoam energeticamente em sintonia e afinidade repercutidas no contexto da lei de causa e efeito.

            O Espírito Clélia Duplantier realça esse aspecto:

 

“Depois, como já o dissemos, há as faltas do indivíduo e as do cidadão; a expiação de umas não isenta da expiação das outras, pois que toda dívida tem que ser paga até a última moeda. As virtudes da vida privada diferem das da vida pública.”

           

            Todos como cidadãos, indiscutivelmente, responderão pelos flagelos sociais no contexto de sua família, cidade, estado e nação. Isto é um fato. Por isso, o ativismo espírita exige de cada um de nós uma ação política(1) contundente. Obviamente que aqui não se discute a política partidária.

            Um fato que merece destaque na atitude dessa eleitora é a expressão de arrependimento, que deve seguir à expiação e à reparação, fundamentos do Código Penal da Vida Futura, desenvolvido por Allan Kardec na obra “O Céu e o Inferno.”

         A complexidade desse assunto passa por muitas variáveis. O que dizer – outro exemplo – daqueles que mesmo diante da tirania de um representante político ainda continuem apoiando esse modelo de governança?

            Todas essas variáveis convergem para a mais significativa e definidora para os efeitos da reciprocidade das Leis Morais e se encontram na questão nº 621 de O Livro dos Espíritos, onde os Luminares da Revelação assinalam que as leis de Deus estão insculpidas na Consciência de cada indivíduo.

            Allan Kardec, em A Gênese, no capítulo citado acima, exemplifica que alguém ao idealizar assassinar alguém, mesmo não levando a efeito o ato, não o isenta da culpa diante das leis morais. Portanto, se é responsável não somente pelas atitudes, mas também pelos sentimentos, pensamentos e palavras.

            Óbvio, portanto, que agravantes e atenuantes serão considerados. Repercussões ocorrerão, apesar de o Brasil ter democracia como exercício de retórica em todos os seus fundamentos, inclusive o voto.

            Lembre-se, por fim, que a humanidade está, permanentemente, submetida à Lei do Progresso, aquele ou aquela que de alguma forma contribua para entravar a marcha do progresso será alcançado pelas Leis Morais, em suas particularidades – questão nº 781 “a”, de O L.E.

 

Referências:

AMORIM, Deolindo. Análises espíritas. Rio de Janeiro: FEB, 1993.

KARDEC, Allan. A Gênese. São Paulo: LAKE, 2010.

____________. O Livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2000.

____________. Obras póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 1987.

MARITAIN, Jacques. Cristianismo e democracia. Rio de Janeiro: AGIR, 1949.

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