Pular para o conteúdo principal

QUEM ERA MARIA DE MADALENA? O FEMININO E O MASCULINO EM CADA UM DE NÓS

 


Se somos espíritos que podemos reencarnar ora como homem, ora como mulher, é claro que possuímos as duas polaridades dentro de nós. É o Ying e o Yang, o ativo e o passivo, a razão e a intuição, a virilidade e a feminilidade. E a meta de nossa ascensão é chegarmos à integração das duas polaridades: o espírito elevado realiza em si a força e a delicadeza, a racionalidade e a sensibilidade, a paternidade e a maternidade, a ação enérgica e o cuidado amoroso.

Quanto mais essas polaridades estejam muito acumuladas num só lado, seja num indivíduo, seja na sociedade, ou seja, quanto mais a mulher é apenas feminina e o homem é apenas masculino, a mulher se fragiliza e o homem se brutaliza. No Livro dos Espíritos está a reflexão pertinente de que a emancipação da mulher caminha com o avanço da civilização, porque a sua submissão é a barbárie da lei do mais forte.

Assim, cabe-nos caminhar para um estágio de cada vez maior integração psíquica entre as duas pontas e cada vez maior cooperação equilibrada entre os gêneros, até que um dia na eternidade, não precisemos mais de corpos femininos ou masculinos e seremos espíritos puros.

María MagdalenaEssas reflexões me vieram depois de assistir ao filme Maria Madalena, de que gostei e não gostei ao mesmo tempo e vou explicar por quê. Trata-se de um filme bíblico que pretende discutir as questões de gênero – o que por si só é muito oportuno e pertinente. Mas nessa discussão, o filme erra um pouco a mão em alguns aspectos.

É claro que as narrativas masculinas dos que escreveram os Evangelhos canônicos (são os que estão na Bíblia) não contaram que Madalena certamente era uma apóstola de Jesus. Mas mesmo a narrativa misógena do contexto da época não conseguiu ocultar o fato de que Jesus andava acompanhado também de mulheres. E não era apenas Madalena, como mostra o filme erroneamente. Nos Evangelhos, Madalena aparece sempre acompanhada de outras mulheres, inclusive na cena da aparição de Jesus após a sua crucificação. (Esse ponto é importante e já direi por que mais adiante). A narrativa masculina deixou também clara a conduta igualitária de Jesus, ao não condenar a “pecadora”, ao falar livremente com a samaritana, ao dirigir-se a Marta e Maria, validando a opção dessa de ouvi-lo e segui-lo. Lembremos que no judaísmo tradicional até hoje as mulheres não têm status de igualdade religiosa. E em que pese a atitude libertária de Jesus, os cristãos seguiram os romanos, os judeus e mais tarde, os muçulmanos foram na mesma rota, de colocar as mulheres em plano secundário e às vezes invisível nas práticas religiosas. Até hoje, a Igreja Católica não aceita o sacerdócio feminino.

O machismo estruturante das religiões e das culturas de muitos quadrantes da Terra, da Índia à Grécia, da China à Europa chegou até nós de maneira ainda palpável na violência doméstica, nos estupros, na diferença salarial, no discurso e na ação de políticos abjetos…

Então, nunca é demais recontar a história do ponto de vista feminino, empoderar figuras antigas ou contemporâneas que foram escondidas, esquecidas ou consideradas prostitutas.

Só agora, por exemplo, ficou claro historicamente que Maria Madalena não era prostituta, pois em nenhum lugar dos Evangelhos se fala dela como tal. Na verdade, houve por parte da própria Igreja Católica uma mistura de várias personagens bíblicas numa só, chamada de Maria de Madalena. E hoje, a própria Igreja já reconhece isso. Por aí se vê como são problemáticos os livros mediúnicos, que apenas repetem a tradição e não apresentam nenhuma visão mais avançada.

Mas então, quem foi essa mulher? O que fez? Qual a sua história?

Aí é que está. Sabemos muito pouco. Quase nada. E onde não há fatos históricos, há especulações.

As especulações começaram 200 anos depois de Jesus. Os Evangelhos gnósticos, que não foram considerados legítimos, são os primeiros a fantasiar sobre sua história. E há inclusive um Evangelho de Madalena, cujo manuscrito foi descoberto em 1896.

Há uma idealização geral – também entre alguns espíritas – de que os Evangelhos gnósticos são mais fieis à história e à mensagem de Jesus. Mas não é verdade. Eles foram escritos mais de um século depois dos Evangelhos canônicos, aliás, nem esses foram escritos diretamente pelos apóstolos. E quem se debruçar sobre um Evangelho gnóstico, como o de Tomé, Judas ou Madalena, verá coisas bem estranhas. Por exemplo, a linguagem é cifrada, excessivamente simbólica e mística e Jesus aparece sem a elevação moral que lhe é própria. Por exemplo, no Evangelho de Tomé, quando criança, Jesus mata uma pessoa com um olhar; no de Judas, ele combina a sua morte com esse discípulo, que era o único que o compreendia e a narrativa toda é irônica e com extremo desprezo para com os outros discípulos.

Os Evangelhos gnósticos não são igualitários. Há sempre um personagem escolhido, que mais entende Jesus e que é por ele iniciado em mistérios. O mestre demonstra exclusivismo, com desprezo dos outros. Aliás, na filosofia gnóstica (judaica, grega ou cristã) há ideias de iniciação e de desigualdade entre os seres humanos. Há aqueles que saberão e verdade e serão iluminados e a grande massa é vista como incapaz de acessar a luz do conhecimento. Neles não aparece nenhuma das simples, grandes e universais verdades a que estamos acostumados a ouvir desde séculos de Jesus: amar ao próximo indistintamente, perdoar setenta vezes sete, não julgar para não sermos julgados, olhar os lírios do campo e tantos outros ensinos poéticos e profundos. As palavras são cheias de mistérios, que só os iniciados entenderão.

Ora, há um eco gnóstico nesse filme da Madalena. Parece que só ela o entende, não aparece nenhum dos grandes ensinos de Jesus e o que é pior, Jesus se mostra fraco, desmaia duas vezes e precisa da força de Madalena para enfrentar a cruz.

Então, acho que a narrativa feminina do filme caiu no outro extremo. Não bastou valorizar Madalena, reconhecer nela alguém que seguiu e compreendeu Jesus e que o mestre confiou nela e a empoderou como apóstola. O filme tende a desvalorizar os homens, o masculino em geral, até no próprio Jesus.

Eu gostaria mais de um Jesus e de um entorno de Zeffirelli (do filme Jesus de Nazaré) com uma Madalena desse filme.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

“TUDO O QUE ACONTECER À TERRA, ACONTECERÁ AOS FILHOS DA TERRA.”

    Por Doris Gandres Esta afirmação faz parte da carta que o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1854! Se não soubéssemos de quem e de quando é essa declaração poder-se-ia dizer que foi escrita hoje, por alguém com bastante lucidez para perceber a interdependência entre tudo e todos. O modo como vimos agindo na nossa relação com a Natureza em geral há muitos séculos, não apenas usando seus recursos, mas abusando, depredando, destruindo mananciais diversos, tem gerado consequências danosas e desastrosas cada vez mais evidentes. Por exemplo, atualmente sabemos que 10 milhões de toneladas de plásticos diversos são jogadas nos oceanos todo ano! E isso sem considerar todas as outras tantas coisas, como redes de pescadores, latas, sapatos etc. e até móveis! Contudo, parece que uma boa parte de nós, sobretudo aqueles que priorizam seus interesses pessoais, não está se dando conta da gravidade do que está acontecendo...

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

"ANDA COM FÉ EU VOU..."

  “Andá com fé eu vou. Que a fé não costuma faiá” , diz o refrão da música do cantor Gilberto Gil. Narra a carta aos Hebreus que a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. Cremos que fé é a certeza da aquisição daquilo que se tem como finalidade.

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

   I Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

FUNDAMENTALISMO AFETA FESTAS JUNINAS

  Por Ana Cláudia Laurindo   O fundamentalismo religioso tenta reconfigurar no Brasil, um país elaborado a partir de projetos de intolerância que grassam em pequenos blocos, mas de maneira contínua, em cada situação cotidiana, e por isso mesmo, tais ações passam despercebidas. Eles estão multiplicando, por isso precisamos conhecer a maneira com estas interferências culturais estão atuando sobre as novas gerações.

JESUS TEM LADO... ONDE ESTOU?

   Por Jorge Luiz  A Ilusão do Apolitismo e a Inerência da Política Há certo pedantismo de indivíduos que se autodenominam apolíticos como se isso fosse possível. Melhor autoafirmarem-se apartidários, considerando a impossibilidade de se ser apolítico. A questão que leva a esse mal entendido é que parte das pessoas discordam da forma de se fazer política, principalmente pelo fato instrumentalizado da corrupção, que nada tem do abrangente significado de política. A política partidária é considerada quando o indivíduo é filiado a alguma agremiação religiosa, ou a ela se vincula ideologicamente. Quanto ao ser apolítico, pensa-se ser aquele indiferente ou alheio à política, esquecendo-se de que a própria negação da política faz o indivíduo ser político.

NÃO SÃO IGUAIS

  Por Orson P. Carrara Esse é um detalhe imprescindível da Ciência Espírita. Como acentuou Kardec no item VI da Introdução de O Livro dos Espíritos: “Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram”, sendo esse destacado no título um deles. Sim, porque esse detalhe influi diretamente na compreensão exata da imortalidade e comunicabilidade dos Espíritos. Aliás, vale dizer ainda que é no início do referido item que o Codificador também destaca: “(...) os próprios seres que se comunicam se designam a si mesmos pelo nome de Espíritos (...)”.

A HISTÓRIA DA ÁRVORE GENEROSA

                                                    Para os que acham a árvore masoquista Ontem, em nossa oficina de educação para a vida e para a morte, com o tema A Criança diante da Morte, com Franklin Santana Santos e eu, no Espaço Pampédia, houve uma discussão fecunda sobre um livro famoso e belo: A Árvore Generosa, de Shel Silverstein (Editora Cosac Naify). Bons livros infantis são assim: têm múltiplos alcances, significados, atingem de 8 a 80 anos, porque falam de coisas essenciais e profundas. Houve intensa discordância quanto à mensagem dessa história, sobre a qual já queria escrever há muito. Para situar o leitor que não leu (mas recomendo ler), repasso aqui a sinopse do livro: “’...