quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

DO COMUNISMO CRISTÃO AO FASCISMO DOS CRISTÃOS - I PARTE

 


                 O Papa Francisco, em conferência internacional franciscana, proferiu a seguinte afirmação: “a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto e intocável o direito à propriedade”. E arrematou: “o direito de propriedade é um direito natural secundário, derivante do direito que todos têm que nasce da destinação universal dos bens criados”. As afirmativas ditas à época do­­ cristianismo primitivo não teriam nada de revolucionárias, como hoje se pode imaginar o alvoroço que causou ao mundo secular.

            O Incra, em meados da década de 1990, estimou que a Igreja Católica detinha terras suficientes para 22 mil famílias de sem-terra.

 

            Os essênios

            Allan Kardec, na introdução de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” faz referência a essa seita judia, fundada no ano 150 antes de Cristo. Destacava-se pelos costumes suaves e pelas virtudes austeras, ensinando o amor a Deus e ao próximo, a imortalidade da alma, e criam na ressurreição. Os essênios combatiam a escravidão e a guerra, e tinham seus bens em comum e se entregavam à agricultura.

            Segundo Kardec, eles se aproximavam ao estilo de vida dos primeiros cristãos, e os princípios morais que professavam fizeram algumas pessoas suporem que Jesus fizera parte dessa seita, antes do início da sua missão pública.

            Justin Taylor, neolandês, professor de Novo Testamento e História da Igreja Primitiva na École Biblique de Jerusalém, em seu livro As Origens do Cristianismo, considera que os essênios foram discípulos de Jesus Cristo, o que explica a sua não menção nos Evangelhos, a exemplo dos fariseus e saduceus. Ele esclarece:

 

“os de ‘dentro’ não empregariam o termo usado pelos outros para designá-los. Em vez disso, os evangelhos falam de ‘discípulos’, nome mais próximo do sentido de essênios como ‘fiéis’, a saber, de um mestre (‘rabino’), João Batista ou Jesus.”

 

            Taylor vai mais além ao explicar as semelhanças entre a Igreja dos Atos dos Apóstolos e os essênios, que poderiam os primeiros cristãos terem tomado para si as estruturas dos essênios, o que ele considera improvável, pois não se detecta nenhum conflito quanto a ritos, como seria de esperar que fossem estranhos ao grupo original. Ele conclui: “Quer dizer, o ambiente do qual o cristianismo surgiu era do tipo essênio.”

            Que ambiente era esse?

            Karl Kautsky (1854-1938), filósofo tcheco-austríaco, jornalista, teórico marxista e um dos fundadores da ideologia social-democrata, em sua festejada obra A Origem do Cristianismo, atesta a origem proletária dos essênios e desenvolveram uma organização social que indica um claro comunismo.

         Citando Fílon de Alexandria (10 a.C – 50 d.C), filósofo judeo-helenista que viveu durante o período do helenismo, Kautsky escreve:

 

“Ali vivem juntos, (...), organizados em corporações, uniões livres, habitações coletivas, e acham-se, usualmente, ocupados nas várias tarefas da comunidade”.

 

            Ele prossegue:

 

“Porque nenhum deles deseja ter nenhuma propriedade privada, seja uma casa ou um escravo, terras ou rebanhos, ou qualquer outra coisa geradora de riqueza. Mas, juntando tudo que possuem, sem exceção, todos recebem assim um benefício comum.”

“O dinheiro, que obtêm por seus vários trabalhos, confiam-no a um fideicomissário eleito, que o recebe e compra com ele o que é necessário, providenciando alimentos abundantes e todo o necessário para a vida.”

 

            David Flusser (1917-2000) professor da Universidade Hebraica de Jerusalém de Cristianismo Primitivo e Judaísmo do período do Segundo Templo, estudando os Manuscritos do Mar Morto, em sua obra de três volumes, O Judaísmo e as Origens do Cristianismo (I), é cirúrgico, nessa análise, ao afirmar que a descoberta dos manuscritos mostrou que há elementos essênios na mensagem de Jesus, e através dos evangelhos essas doutrinas sociais influenciaram o pensamento moderno. Ele é peremptório ao afirmar que Jesus não queria os seus seguidores próximos do comunismo econômico, mas da pobreza quase absoluta.

           

            O comunismo

Kautsky e Flusser são unânimes em dizer que Jesus condenava a riqueza, como acúmulo individual. Kautsky destaca o selvagem ódio de classe dos proletários ante os ricos. Lembre-se da passagem de Lázaro e o rico (Lucas XVI:19-31) quando este vai para o inferno e o pobre vai para o seio de Abraão. Na parábola do camelo (Lucas XII:33), fica claro que o acesso ao reino dos Céus só é acessível ao rico se este distribuir suas riquezas entre os pobres. Contudo, o revisionista Mateus coloca a condição como hipotética fazendo Jesus dizer “Se queres ser perfeito, anda, vende o que tens e dá aos pobres.” (XIX:21)

            Contudo, diz Flusser que, após a morte de Jesus, a comunhão de propriedade foi introduzida pela Igreja-Mãe de Jerusalém, e as descrições de sua instituição nos Atos dos Apóstolos teve grande impacto sobre os movimentos revolucionários cristãos, dos taboritas da Boêmia aos tempos modernos.

            A questão é que, com o tempo, as verdades originais de Jesus aos seus partidários ou membros da comunidade passaram a ser somente para quem aspirasse à perfeição, diz Kautsky. E, na medida que aumentava a influência das classes educadas do cristianismo, este se distanciava cada vez mais do comunismo. No entanto, é inegável que nos discursos conhecidos sobre Jesus uma qualidade que aparece claramente é o comunismo da comunidade primitiva. Kautsky é ardoroso em defender essa posição, ao afirmar:

 

“Temos que procurar a razão em qualquer outra coisa, menos na ausência do comunismo no cristianismo primitivo.”

 

           

            No entanto, é necessário frisar que o comunismo em que aspirava ao cristianismo primitivo era – de acordo com as condições da época – um comunismo de estandardização de consumo, um comunismo na sua distribuição e no consumo coletivo. Quando aplicado à agricultura, podia ser considerado um comunismo na produção, por meio do trabalho coletivo organizado. Para ele se realizar, não havia necessidade de se estender por toda a sociedade, mas começar simplesmente dentro de uma área limitada.

Um comentário:

  1. Muito boa a correlação envolvendo o INCRA, a questão da má distribuição fundiária no Brasil - envolvendo a própria questão da Igreja, bem como as menções históricas. Há muito a ser aprofundado em todos esses temas.

    ResponderExcluir