Confesso que este ofício de lidar com informações diariamente não me cansa, não enfada, não desanima, na verdade, sensibiliza.
É assim que ficamos quando os acontecimentos relativos à pandemia chegam aos nossos olhares, arrancando lágrimas por vezes.
Porque estamos vendo nosso povo desleixando com os cuidados, nossos parentes e amigos postando fotos em lanchonetes e bares, normalmente.
Foi assim com o relato da Doutora Jane. Li e chorei. Pedi licença para publicar porque tenho esperança de sensibilizar pessoas as quais amo, com as quais me importo e vejo que estão negando os perigos do coronavírus.
A médica em questão está na linha de frente (e oro sempre por ela, pela proteção que precisa e merece!). Vamos conhecer seu relato mais atual:
”Há uma semana e meia, Sr. M. foi admitido na minha UTI. Tabagista pesado, muita falta de ar e isso era tudo o que sabíamos dele. Sem familiares, “sem história”. Então eu mesma escrevi a história dele, pra ele e pra mim, uma história que posso vir relatar outro dia, mas já adianto que eu a criei bem bonita e, de tão bonita, me apeguei a ela.
Entre as suas respirações cortadas, enquanto tentava respirar com uso da máscara, Sr. M. sorria porque eu ficava brincando e apertando o dedão do pé dele. Quase gritava, porque a sua angústia para tentar respirar era grande e certamente ele me ouvia com dificuldades, já que falo naturalmente num tom mais baixo.
– Sr. M. vou apertar seu dedão até o senhor parar de tentar tirar essa máscara, tá ligado? Até o senhor sossegar. Sossega, homem.
E ele melhorava… Piorava de novo… Melhorava.
– Olha… Melhor… A sra… Me salvar… Ou me deixa .. morrer… Mas parar de.. fumar… Eu não… Paro…
– tá bom, Sr. M, depois o senhor pensa no seu cigarro, agora o senhor só precisa usar a máscara de oxigênio, tá vendo que o senhor se sente melhor com ela?
Mas não teve jeito e no dia seguinte foi pro tubo, isso foi na quarta-feira. Hoje eu boto meu pé aqui e já chegam:
– Sr. M. perdeu o tubo, tem que colocar outro.
Foi o tempo de vestir o uniforme e o Sr. M. já entra em parada cardiorrespiratória. Enquanto eu organizava o fluxo da reanimação, mentalmente eu implorava pra ele voltar: “volte, Sr. M., por favor, volte! Eu fumo com o senhor, a gente conversa sobre o cigarro outro dia, mas volte”.
Minha vez e a massagem ganhou um gás descomunal, apesar da minha dor intensa no ombro. Comecei a bradar pelas medicações e pedir novamente, já em voz alta: “SR. M. VOLTA, O SENHOR TEM QUE VOLTAR”. Foram 26 minutos de parada em tentativa de reanimação, mas ele já havia partido.
O cigarro adoeceu o pulmão de Sr. M. mas foi Covid-19 que o levou embora.
Eu já perdi as contas de quantos pacientes vi morrer, alguns literalmente na minha mão. Mas é o 2° que eu faço uma transferência cabulosa, invento histórias, me apego e depois fico tentando descobrir de onde vou tirar força pra terminar o dia sem me acabar de chorar na frente de todo mundo – porque médico não chora, vocês não falam isso? Tentando pensar em como guardar os meus sentimentos e me vestir de uma Jane séria que precisa preencher uma Declaração de Óbito.
Descanse em paz, Sr. M. que eu vou ficar aqui pra contar a sua história, aquela que eu inventei antes do senhor partir.
Com muito amor,
Jane.”
Eu não sei você leitor/leitora, mas eu já estou chorando outra vez.
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