Pular para o conteúdo principal

RAZÃO VERSUS DOGMATISMO


 

Muitas vezes participamos de debates com sacerdotes católicos e pastores evangélicos, os quais ostensivamente atacaram a Doutrina Espírita, recebendo de nossa parte a devida refutação. Realmente, como “da discussão surge a luz”, os adversários da Terceira Revelação Divina prestaram um favor e um bom serviço à causa espiritista, porquanto suscitaram a devida e necessária réplica e, consequentemente, a manifestação da verdade. Afirmou Kardec: “Contra a vontade de Deus não poderá prevalecer a má-vontade dos homens” (1).

Em uma das oportunidades, um pastor protestante se dirigiu por carta a uma pessoa da nossa família que se afastara da sua igreja e se tornara espírita, dizendo, com muita impropriedade e infelicidade, o seguinte: “A senhora teve o privilégio de conhecer a fonte da Água da Vida e não deve trocá-la jamais por cisternas rotas, que não têm água, somente lodo”.


Convém frisarmos bem que a crença espiritista, tanto quanto a umbanda e o candomblé, sofre intensamente com atitudes agressivas por parte de fanáticos e intolerantes indivíduos. Lembramos, a propósito, dos livros espíritas queimados em solo espanhol, na época de Kardec, episódio vergonhoso conhecido como “Auto de Fé de Barcelona”, o qual serviu positivamente para disseminar o interesse pela Doutrina Espírita. Dignos, igualmente, de citação os atos infelizes de depredação dos locais de reuniões das citadas religiões e de infames ataques aos responsáveis pelos seus trabalhos mediúnicos.

Eça de Queiroz, um dos mais admiráveis escritores portugueses, autor de famosos romances, certa feita, por via mediúnica, esclareceu: “Cada um pensa como quer, como sabe, como lhe deixam ou como lhe convém” (2). Paulo, em Carta aos Gálatas, nos ensina como deverá ser o nosso comportamento nessas ocasiões: “Irmãos, se alguém for surpreendido numa falta, vós, que sois animados pelo Espírito, admoestai-o em espírito de mansidão. E tem cuidado de ti mesmo, para que não caias também em tentação!” (3). Na Primeira Epístola aos Coríntios, o mesmo apóstolo nos diz: “Quando era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino; mas logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Antes via as coisas como em espelho, obscuramente, agora começo a ver tudo face a face” (4).

Os espíritas não estão subordinados a dogmas, os quais não são fundamentados na razão e, igualmente, repudiam a fé cega contrária à evolução e ao progresso dos seres humanos. Já afirmava Léon Denis, cognominado de “O Apóstolo do Espiritismo”: “A fé cega é como o farol cujo vermelho clarão não pode transpassar o nevoeiro” (5). Célebre o pensamento de Kardec, inserido em O Evangelho segundo o Espiritismo: “A fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade” (6).

A Doutrina Espírita é essencialmente moral e cristã. Representa o cristianismo redivivo, sem os manuais teológicos e princípios dogmáticos que obscureceram a fonte de luz emanada dos Evangelhos. Vem ensinar aos homens a origem divina de todas as lições de Jesus e edificar as religiões com lições calcadas na lógica e na razão.

Através da doutrina da reencarnação, atesta o Espiritismo a misericórdia do Pai que não tem fim. Pela mediunidade, revela que os mortos vivem e que o decesso físico não interrompe a vida. O profitente da Terceira Revelação Divina à Humanidade não sente temor de Deus, sabendo que o Pai é verdadeiramente Amor, como revela o apóstolo João (7) e que não castiga seus filhos com o chamado “fogo eterno”, expressão emblemática, ressaltando o sofrimento vivenciado em espírito com a aparência de eterno, sem fim.

Em verdade, assim como o judeu fanático de outrora, o religioso ortodoxo hodierno está aprisionado às letras das Escrituras, sem considerar o sentido, o simbolismo e o espírito de que estão revestidas. Faz da Bíblia uma verdadeira idolatria, denominando-a de “palavra de Deus”, não sabendo distinguir o que é de origem humana. Aliás, não observam, no chamado “Livro dos Livros”, qualquer deslize, nenhum erro, denominando de profanos o que a leem, utilizando a razão.

Importante considerarmos que os dirigentes espíritas não percebem remuneração financeira, vivem para a religião e nunca da religião. No terreno delicado das coisas espirituais e no trato das questões profundas da alma, não pode haver fonte de renda material. Devemos entender o sentido profundo e o ensinamento tão atual da expulsão pelo amado Jesus de todos os que se aproveitavam da religião para estabelecer um comércio no templo de Jerusalém (8).

Infelizmente, as crenças dogmáticas estão envolvidas, em grande expressão, com o poder econômico, com a posse de empresas de grande vulto e, ao par da pregação da humildade do Cristo, possuem aviões particulares e considerável pompa e riqueza.

Uma verdadeira epidemia de ramificações pseudo-evangélicas prolifera em nossa Pátria, cada uma fazendo a sua própria interpretação bíblica e aproveitando-se da credulidade passiva de muitas pessoas. Interessante que, no Livro de Atos dos Apóstolos, podemos observar o mesmo tipo de conduta e atuação. Contudo, conhecidos como “exorcistas ambulantes”, foram desmascarados por Paulo, na cidade de Éfeso (9).

De forma alguma, a Doutrina dos Espíritos é “lodo” e, a partir de diversas contestações por nossa parte, surgiram várias produções literárias, em forma de artigos e livros, proporcionando a milhares de pessoas a oportunidade da obtenção de muitas informações a respeito da Doutrina Espírita, aliada da razão e do bom senso, em sintonia com o progresso científico.

Em verdade, hodiernamente, não deveria haver mais clima para a intolerância religiosa, como igualmente para a manutenção dos conceitos dogmáticos. Torna-se premente a revisão da teologia dogmática, exigindo-se sua reformulação, atualizando-a, desde que o ser humano necessita crer sabendo e estar em sintonia com o conhecimento universal, cuja síntese é amparada pela filosofia e pela ciência, fazendo com que a “Fé cega”, o “Credo quia absurdum” (“creio, porque é absurdo") e o “Fora da Igreja não há salvação” sofram o devido anátema, recebendo o impacto do bisel da razão, do bom senso e da lógica. Vivendo-se o apogeu dos conhecimentos científicos e tecnológicos, não podemos mais aceitar com fidelidade a fé cega que afasta do aprisco divino àqueles que utilizam o intelecto e não aceitam o absurdo.

O mundo sem Deus está em crise e se desfazendo. O homem passa por momentos cruciais, precisando tanto secar suas lágrimas, sair do cipoal do sofrimento onde reinam a angústia e a depressão, como também ter a certeza de sua sobrevivência espiritual, o motivo de sua estada na Terra e qual o seu porvir.

Allan Kardec, dirigindo-se aos contraditores do Espiritismo, assim se expressou: “Quereis, vós todos que o atacais, um meio de combatê-lo com êxito? Aqui o tendes. Substitui-o por alguma coisa melhor; indicai solução mais filosófica para todas as questões que ele resolveu; dai ao homem outra certeza que o faça mais feliz; porém compreendei bem o alcance da palavra certeza, porquanto o homem não aceita como certo senão o que lhe parece lógico” (10).

O excelso Mestre Jesus clamou que a verdade seria conhecida e ela nos libertaria (11).



Bibliografia:

    Kardec, O Livro dos Espíritos - Parte Quarta - Das esperanças e consolações – Conclusão V;
    Espírito Eça de Queirós - Médium: Fernando de Lacerda - Obra: Do País da Luz - volume 1;
    Paulo, Carta aos Gálatas, Cap. 6: v.1;
    Paulo, Primeira Epístola aos Coríntios, cap. 13: v. 11;
    Léon Denis, Depois da Morte, Quinta Parte, cap. 44:
    Allan Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. 19, item 7;
    João, na 1ª Epístola, cap. 4: vers.8;
    Lucas, Evangelho, cap. 19: vers. 45-46;
    Atos dos Apóstolos, cap. 19: vers. 13;
    Kardec, O Livro dos Espíritos - Parte Quarta – Das esperanças e consolações – Conclusão V;
    João, Evangelho, cap. 8: vers. 32).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DEUS¹

  No átimo do segundo em que Deus se revela, o coração escorrega no compasso saltando um tom acima de seu ritmo. Emociona-se o ser humano ao se saber seguro por Aquele que é maior e mais pleno. Entoa, então, um cântico de louvor e a oração musicada faz tremer a alma do crente que, sem muito esforço, sente Deus em si.

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

É HORA DE ESPERANÇARMOS!

    Pé de mamão rompe concreto e brota em paredão de viaduto no DF (fonte g1)   Por Alexandre Júnior Precisamos realmente compreender o que significa este momento e o quanto é importante refletirmos sobre o resultado das urnas. Não é momento de desespero e sim de validarmos o esperançar! A História do Brasil é feita de invasão, colonização, escravização, exploração e morte. Seria ingenuidade nossa imaginarmos que este tipo de política não exerce influência na formação do nosso povo.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

OS ESPÍRITAS E OS GASPARETTOS

“Não tenho a menor pretensão de falar para quem não quer me ouvir. Não vou perder meu tempo. Não vou dar pérolas aos porcos.” (Zíbia Gaspareto) “Às vezes estamos tão separados, ao ponto de uma autoridade religiosa, de um outro culto dizer: “Os espíritas do Brasil conseguiram um prodígio:   conseguiram ser inimigos íntimos.” ¹ (Chico Xavier )                            Li com interesse a reportagem publicada na revista Isto É , de 30 de maio de 2013, sobre a matéria de capa intitulada “O Império Espírita de Zíbia Gasparetto”. (leia matéria na íntegra)             A começar pelo título inapropriado já que a entrevistada confessou não ter religião e autodenominou-se ex-espírita , a matéria trouxe poucas novidades dos eventos anteriores. Afora o movimento financeiro e ...