Pular para o conteúdo principal

E SE EU QUISER FALAR COM DEUS?


             

   Gilberto Gil compôs a música Se eu quiser falar com Deus em 1981 e a trama da música é elaborada em um ritual de preparação para o momento do encontro, sendo que o mais importante é a percepção do compositor que o Deus que ele encontrará será totalmente diferente do que ele havia imaginado por toda sua vida.

    A conclusão de Gilberto Gil é sábia, nossa concepção de Deus foi construída ao longo da história, a partir dos sentidos humanos e dos desdobramentos filosóficos possíveis a partir de nossa mesma percepção sensorial e posterior cultura que foi sendo estabelecida. Deus não é nada parecido com qualquer coisa que possamos imaginar. Talvez pela nossa incapacidade de entender e conceber Deus, Jesus tenha sido elevado a Deus pela Igreja Católica pelo simples fato de Jesus ser um referencial Terra-Terra, mais compreensível do que qualquer suposição a respeito de Deus.


    Stephen Hawking, físico e cosmólogo, deixa claro que, segundo seu ponto de vista, não há como afirmar que Deus não existe, porém a ciência fez esse personagem desnecessário. Em alguns vídeos no youtube.com, os quais não consegui verificar a veracidade se a citação é dele mesmo, ele justifica sua descrença em Deus pelo fato de que antes do Big Bang não existia o tempo e espaço, assim, não haveria como existir um Deus – ótimo argumento, aliás.

    Porém, o próprio Hawking em parceria com Mlodinow escreve um artigo para a Scientific American em 2013 – The (Elusive) Theory of Everything que pode ser contraposto à teoria de que Deus, se existe, é desnecessário.

    Antes de falar do artigo é importante ressaltar que Hawking procurava desde sempre uma única fórmula que unificasse a física e o entendimento do mundo real, o que foi retratado no filme a Teoria de Tudo (2014), baseado em livro da primeira esposa de Hawking, Jane Beryl Hawking. Então, no citado artigo, os autores afirmam que há inúmeras boas teorias sobre o entendimento do mundo, cada qual dando conta da realidade percebida pelas condições de observação de cada pesquisa. Essa constatação fez com que a busca pela Teoria de Tudo seja alterada pela busca de uma família de teorias que deem conta de explicar o mundo.

    Entretanto, Hawking e Mlodinow põem em cheque a realidade, já que a percepção de mundo varia do observador e de seu interesse, e é possível que não exista uma realidade a ser unificada, os modelos científicos podem existir aos milhares e cada qual dar conta de uma parcela de algo supostamente objetivo, e nenhuma dessas teorias poderia se sobrepor às outras a partir do momento que, se testadas, elas se fizessem eficientes. Um ou outro modelo poderia ser utilizado a partir da melhor conveniência.

    Segundo os autores, a tão badalada física quântica não será a redenção para a Teoria de Tudo. Nesse campo também há problemas. Citam que em 1970 a teoria quântica nasceu com a aura de ser aquela que traria a verdade, colocando a variável da gravidade para os holofotes. Porém com o tempo, cinco teorias nasceram e ainda pouco conversam entre si. Atualmente, ou pelo menos em 2013, os estudos quânticos estavam buscando aproximar o máximo possível as cinco teorias sob o tema da uma Teoria Fundamental que foi chamada de Teoria -M, o que na prática é a família de teorias que citamos acima.

    Assim, se entendermos as teorias sobre o mundo e sua realidade a partir do ponto de vistas dos pesquisadores, e que existem várias teorias que se fazem fortes o suficientes na explicação do mundo, e que muitas delas não se conversam, as palavras de Hawking sobre Deus ser desnecessário enfraquece, ou pelo menos fica limitada a partir dos próprios métodos de observação científicos possíveis.

    Nesse momento pulamos para Kardec.

    No Livro dos Espíritos, Kardec registra nas respostas sobre os questionamentos sobre Deus uma argumentação que muito se aproxima do método científico de hoje, pois ele destaca que é uma tarefa impossível definir Deus, por não haver metodologia possível para tanto.

    Segundo o Livro dos Espíritos, os humanos não tem condição de captar a essência de Deus, falta mesmo linguagem apropriada para descrever o que seria Deus. Esse tipo de resposta alinha-se à impossibilidade de criar um modelo cientifico para observá-lo e a partir dessa observação criar alguma teoria. Isso, como bem disse Hawking, não significa que ele não exista. Mesmo a afirmação que antes do Big Bang não havia tempo e espaço, portanto não havia como existir um Criador antes desse clímax, pode ser contestado, pois o modelo usado limita-se ao Big Bang.

    Um conceito importante que foi bem enfatizado no Livro dos Espíritos é que o nada não existe. O nada não cria nada, se houve criação havia alguma coisa. O ponto seguinte dessa lógica é que se o criado reflete algo inteligente, o criador era provido de inteligência. Por fim, se houve criação, houve vontade, a vontade é ação e intenção, atributos de seres inteligentes.

    O Livro dos Espíritos aponta que a prova de Deus está ao se observar tudo aquilo que não é obra dos homens, a natureza que nos rodeia, a imensidão do espaço, a tranquilidade dos mares, tudo isso está bem registrado na ciência a partir das leis que regem a matéria, mas a organização dessas leis a partir de uma explosão, o Big Bang, ainda não foi identificada.

    Assim, falar com Deus não está ligado aos fracos da Terra, aqueles que sucumbiram perante o mundo e refugiam-se na religião. Pelo contrário, é um ato humano e consciente de ligação às nossas origens e ao Criador. Falar com Deus, por outro lado, propriamente dito não é um processo fácil para qualquer um. Por exemplo, limpar a imagem do velhinho onipotente e musculoso pintado por Michelangelo e tudo que ela representa e sintetiza no imaginário humano não é uma tarefa simples.

    Pensar Deus é uma tarefa de abstração, Kardec lista seus atributos e dá algumas pistas de como pelo menos se sintonizar com ele. Para ajudar no treino de conexão com esse Ser sugiro também deixar-se embalar pela música de Gilberto Gil, quem provavelmente estava ligado mentalmente com algo além de nossa compreensão, quando a compôs.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DEMOCRACIA SEM ORIENTAÇÃO CRISTÃ?

  Por Orson P. Carrara Afirma o nobre Emmanuel em seu livro Sentinelas da luz (psicografia de Chico Xavier e edição conjunta CEU/ FEB), no capítulo 8 – Nas convulsões do século XX, que democracia sem orientação cristã não pode conduzir-nos à concórdia desejada. Grifos são meus, face à atualidade da afirmação. Há que se ressaltar que o livro tem Prefácio de 1990, poucas décadas após a Segunda Guerra e, como pode identificar o leitor, refere-se ao século passado, mas a atualidade do texto impressiona, face a uma realidade que se repete. O livro reúne uma seleção de mensagens, a maioria de Emmanuel.

JESUS E A QUESTÃO SOCIAL

              Por Jorge Luiz                       A Pobreza como Questão Social Para Hanna Arendt, filósofa alemã, uma das mais influentes do século XXI, aquilo que se convencionou chamar no século XVII de questão social, é um eufemismo para aquilo que seria mais fácil e compreensível se denominar de pobreza. A pobreza, para ela, é mais do que privação, é um estado de carência constante e miséria aguda cuja ignomínia consiste em sua força desumanizadora; a pobreza é sórdida porque coloca os homens sob o ditame absoluto de seus corpos, isto é, sob o ditame absoluto da necessidade que todos os homens conhecem pela mais íntima experiência e fora de qualquer especulação (Arendt, 1963).              A pobreza é uma das principais contradições do capitalismo e tem a sua origem na exploração do trabalho e na acumulação do capital.

A FÉ NÃO EXCLUI A DÚVIDA

  Por Jerri Almeida A fé não exclui a dúvida! No espiritismo, a dúvida dialoga filosoficamente com a fé. O argumento da “verdade absoluta”, em qualquer área do conhecimento, é um “erro absoluto”. No exercício intelectual, na busca do conhecimento e da construção da fé, não se deve desconsiderar os limites naturais de cada um, e a possibilidade de autoengano. Certezas e dúvidas fazem parte desse percurso!

ESPIRITISMO NÃO É UM ATO DE FÉ

  Por Ana Cláudia Laurindo Amar o Espiritismo é desafiador como qualquer outro tipo de relação amorosa estabelecida sobre a gama de objetividades e subjetividades que nos mantém coesos e razoáveis, em uma manifestação corpórea que não traduz apenas matéria. Laica estou agora, em primeira pessoa afirmando viver a melhor hora dessa história contemporânea nos meandros do livre pensamento, sem mendigar qualquer validação, por não necessitar de fato dela.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

TRAPALHADAS "ESPÍRITAS" - ROLAM AS PEDRAS

  Por Marcelo Teixeira Pensei muito antes de escrever as linhas a seguir. Fiquei com receio de ser levado à conta de um arrogante fazendo troça da fé alheia. Minha intenção não é essa. Muito do que vou narrar neste e nos próximos episódios talvez soe engraçado. Meu objetivo, no entanto, é chamar atenção para a necessidade de estudarmos Kardec. Alguns locais e situações que citarei não se dizem espíritas, mas espiritualistas ou ecléticos. Por isso, é importante que eu diga que também não estou dizendo que eles estão errados e que o movimento espírita, do qual faço parte, é que está certo. Seria muita presunção de minha parte. Mesmo porque, pelo que me foi passado, todos primam pela boa intenção. E isso é o que vale.

ÉTICA E PODER

     Por Doris Gandres Do ponto de vista filosófico, ética e moral são conceitos diferentes, embora, preferivelmente, devessem caminhar juntos. A ética busca fundamentação teórica para encontrar o melhor modo de viver de acordo com o pensamento e o interesse humanos. Enquanto que a moral se fundamenta na obediência a normas, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos – e mais, se fundamenta em princípios de respeito a valores superiores de justiça, fraternidade e solidariedade, ou seja, nas próprias leis naturais, as leis divinas.

O BRASIL CÍNICO: A “FESTA POBRE” E O PATRIMONIALISMO NA CANÇÃO DE CAZUZA

  Por Jorge Luiz “Não me convidaram/Pra esta festa pobre/Que os homens armaram/Pra me convencer/A pagar sem ver/Toda essa droga/Que já vem malhada/Antes de eu nascer/(...)/Brasil/Mostra a tua cara/Quero ver quem paga/Pra gente ficar assim/Brasil/Qual é o teu negócio/O nome do teu sócio/Confia em mim.”   “ A ‘ Festa Pobre ’ e os Sócios Ocultos: Uma Análise da Canção ‘ Brasil ’”             Os verso s acima são da música Brasil , composta em 1988 por Cazuza, período da redemocratização do Brasil, notabilizando-se na voz de Gal Costa. A música foi tema da novela Vale Tudo (1988), atualmente exibida em remake.             A festa “pobre” citada na realidade ocorreu, realizada por aqueles que se convencionou chamar “mercado”,   para se discutir um novo plano financeiro, para conter a inflação galopante que assolava a Nação. Por trás da ironia da pobreza, re...