Pular para o conteúdo principal

O CENTRO ESPÍRITA, ENTRE O SAGRADO E O PROFANO






Passados mais de um século e meio da fundação do primeiro centro espírita no Brasil é fácil de perceber que o modelo de funcionamento daquela época, comparado ao dos dias atuais, sofreu pouca alteração perante as demandas que a Sociedade vem exigindo. 
É fato que, como bem adverte os Espíritos, o homem a cada dia melhor compreende o que é mal, consequentemente, vai reprimindo os abusos, e se torna mais compreensível a necessidade do bem e das reformas.

É fato, contudo, que as instituições espíritas frente a essa realidade, não aprenderam a trabalhar com as macrotendências, para a partir delas, construir narrativas com força doutrinária formando estruturas apropriadas à pesquisa e integração entre os princípios espíritas e os múltiplos segmentos da sociedade para atender os seus anseios. O próprio Codificador advertiu que a “Sociedade tem necessariamente que exercer grande influência, conforme o disseram os próprios Espíritos; sua ação, porém, não será, em realidade, eficiente, senão quando ela servir de centro e de ponto de ligação donde parta um ensinamento preponderante sobre a opinião pública.”
Vê-se que o propósito de Kardec é estabelecer uma ação direta entre o centro espírita e a sociedade, ao falar sobre opinião pública. É óbvio que o significado de opinião pública no Século XIX, foi estabelecido dentro de variáveis diferentes das que são consideradas para a definição nos dias atuais. A opinião pública está longe de representar um consenso geral, até porque o conjunto de subjetividades que induzem à sua formação são condicionadas por diversos interesses. É a partir disso que ao longo da sua história os espíritas têm que, através dos tempos, interrogarem: qual o modelo centro espírita que a sociedade exige? Por não agir assim, o movimento espírita consolidou um perfil estático o que impediu de alcançar uma filosofia da evolução do indivíduo sintonizada com a dinâmica criadora do ideal reencarnacionista.
É fácil de compreender que Kardec exige que os espíritas tenham a consciência do histórico-social para que a partir daí compreendam o papel que cabe ao Espiritismo na evolução da Humanidade, valendo das raízes tanto no caráter coletivo, como no movimento de massas que ele se desenvolve. Leia-se o que afirma Humberto Mariotti, filósofo, poeta, jornalista, escritor e socialista espírita, nascido na Argentina:

“Se os valores espíritas permanecerem à margem do social, isso retardará muito a conquista do mundo material pelo Espiritismo, pois a penetração de sua ideologia espiritual no histórico-social colocaria de forma definitiva a Ciência Espírita na tábua dos valores filosóficos e religiosos. Dessa maneira, o pensamento contemporâneo reconhecerá a Filosofia Espírita como resultado de um novo estado de consciência, em desenvolvimento na Terra.”
          Os fatos contemplados pelo histórico-social de uma coletividade, abordam questões alheias ao mundo das elites, mas sim das classes menos favorecidas da sociedade, o que se entende que o foco maior da Filosofia Espírita é também tornar protagonistas do Mundo os deserdados da Terra. O exemplo a ser seguido é o das ações desenvolvidas por Jesus e os seus discípulos. Sobre isso Kardec, orienta: “(...) porque aos deserdados, mais do que aos felizes do mundo, é que o Espiritismo se dirige.”
É fácil de se deduzir que as ações da Filosofia Espírita deverão ser direcionadas para as diversas narrativas sociais vetorizadas no histórico-social, que contemplam a luta de classes, direitos humanos, direito de propriedade, migração, fome, dinamizado ações, vencendo o modo estático E justificando as discussões ante as graves questões sociais que enfrentam os Espíritos, enquanto encarnados.
          Esses objetivos só serão alcançados, diz Mariotti:

“...se os espíritas se entregarem ao estudo das questões sociais, abandonando o conceito conservador que ainda se sustenta em suas considerações sociológicas, em contradição com as considerações de Kardec.”

          Poder-se-á dizer alguns que isto seria se imiscuir em assuntos sociais e políticos, mas ai do movimento espírita se não se decidir ensaiar uma Sociologia espírita, contemplando os diversos fenômenos da coletividade, reforça Mariotti.
          Allan Kardec antevendo essas dificuldades de compreensão, naquilo que o professor Herculano Pires classifica como espiritistas misoneístas, atesta:

“A verdade é para aqueles uma questão secundária ou, melhor dizendo, a verdade para certas pessoas está toda naquilo que não lhes causa extorsão alguma (grifos nossos); todas as ideias progressistas são para elas subversivas, e por isso lhes votam um ódio implacável e lhes fazem encarniçada guerra.”

          Esse comportamento tornou as questões cruciais para a Filosofia Espírita, entre as quais seria o profundo sentido do Cristianismo que é o de combater toda espécie de dor e injustiça, tratando de transformar o homem e o mundo, tornando-o menos trágico e imperfeito. Assim, as questões sócio-políticas se tornaram narrativas profanas no meio espírita. Por outro lado, práticas alienistas como cristalterapia, cromoterapia, florais de Bach, os hinários, assumem o status de sagrado, fomentado pelo misticismo larvar, o misticismo mediúnico, o religiosismo igrejeiro tornando os vieses terapêuticos e fenomênicos, como imperativos.
          A atual conjuntura sócio-política tem sido de fundamental importância para melhor compreensão do estágio que o movimento espírita alcançou na contemporaneidade. O emparedamento grupal que fomentou a resistência à discussão desses temas no contexto espírita, através dos tempos, deveu-se, notadamente, ao índice de espíritas conservadores (?) que apresentou nas estatísticas eleitorais, constatado pelos órgãos de pesquisas.
É necessário, urgente e apressado se resgatar o caráter revolucionário social-espiritual do Espiritismo, embora seja compreensível que a voz subversiva que clama nesse sítio, ainda não ressoe no deserto do imaginário paligenésico-romântico do movimento espírita brasileiro. Ainda que isso demore, é bom que se saiba que Kardec com sua visão humanitária e progressista, não idealizou discípulos conservadores, tíbios e pusilânimes, muito pelo contrário, ele ao afirmar que o Espiritismo marchava com o progresso, determina um estado mental que supera a cada dia as velhas formas de pensar.
Os espíritas deverão se debruçar sobre o estudo e discussão das questões sociais, considerando que a Filosofia Espírita só estará definitivamente arraigada no mundo no dia em que se dedicar à consideração filosófica, social e religiosa da chamada lutas de classes, atesta Mariotti.

         
Referências:
KARDEC, Allan. A gênese. LAKE. São Paulo. 2010;
MARIOTTI. Humberto. O homem e a sociedade numa nova civilização. EDICEL. Buenos Aires. 1963
PIRES, Herculano. J. O centro espírita. LAKE. São Paulo.1990.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

   I Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

“TUDO O QUE ACONTECER À TERRA, ACONTECERÁ AOS FILHOS DA TERRA.”

    Por Doris Gandres Esta afirmação faz parte da carta que o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1854! Se não soubéssemos de quem e de quando é essa declaração poder-se-ia dizer que foi escrita hoje, por alguém com bastante lucidez para perceber a interdependência entre tudo e todos. O modo como vimos agindo na nossa relação com a Natureza em geral há muitos séculos, não apenas usando seus recursos, mas abusando, depredando, destruindo mananciais diversos, tem gerado consequências danosas e desastrosas cada vez mais evidentes. Por exemplo, atualmente sabemos que 10 milhões de toneladas de plásticos diversos são jogadas nos oceanos todo ano! E isso sem considerar todas as outras tantas coisas, como redes de pescadores, latas, sapatos etc. e até móveis! Contudo, parece que uma boa parte de nós, sobretudo aqueles que priorizam seus interesses pessoais, não está se dando conta da gravidade do que está acontecendo...

"ANDA COM FÉ EU VOU..."

  “Andá com fé eu vou. Que a fé não costuma faiá” , diz o refrão da música do cantor Gilberto Gil. Narra a carta aos Hebreus que a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. Cremos que fé é a certeza da aquisição daquilo que se tem como finalidade.

FUNDAMENTALISMO AFETA FESTAS JUNINAS

  Por Ana Cláudia Laurindo   O fundamentalismo religioso tenta reconfigurar no Brasil, um país elaborado a partir de projetos de intolerância que grassam em pequenos blocos, mas de maneira contínua, em cada situação cotidiana, e por isso mesmo, tais ações passam despercebidas. Eles estão multiplicando, por isso precisamos conhecer a maneira com estas interferências culturais estão atuando sobre as novas gerações.

NÃO SÃO IGUAIS

  Por Orson P. Carrara Esse é um detalhe imprescindível da Ciência Espírita. Como acentuou Kardec no item VI da Introdução de O Livro dos Espíritos: “Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram”, sendo esse destacado no título um deles. Sim, porque esse detalhe influi diretamente na compreensão exata da imortalidade e comunicabilidade dos Espíritos. Aliás, vale dizer ainda que é no início do referido item que o Codificador também destaca: “(...) os próprios seres que se comunicam se designam a si mesmos pelo nome de Espíritos (...)”.

JESUS TEM LADO... ONDE ESTOU?

   Por Jorge Luiz  A Ilusão do Apolitismo e a Inerência da Política Há certo pedantismo de indivíduos que se autodenominam apolíticos como se isso fosse possível. Melhor autoafirmarem-se apartidários, considerando a impossibilidade de se ser apolítico. A questão que leva a esse mal entendido é que parte das pessoas discordam da forma de se fazer política, principalmente pelo fato instrumentalizado da corrupção, que nada tem do abrangente significado de política. A política partidária é considerada quando o indivíduo é filiado a alguma agremiação religiosa, ou a ela se vincula ideologicamente. Quanto ao ser apolítico, pensa-se ser aquele indiferente ou alheio à política, esquecendo-se de que a própria negação da política faz o indivíduo ser político.

A REENCARNAÇÃO DE SEGISMUNDO

            O material empírico acerca da comprovação da reencarnação disponível já é suficiente para que a ciência materialista a aceite como lei biológica. Esse material é oriundo de várias matrizes de pesquisas, que sejam das lembranças espontâneas de vivências passadas em crianças, principalmente as encabeçadas por Ian Stevenson (1918 - 2007), desenvolvidas por mais de 40 anos. Da mesma forma, o milhares de casos de regressão de memórias às vidas passadas como terapia, com vistas a soluções para a cura de enfermidades psicossomáticas (TRVP). As experiências de quase morte (EQM), além das pesquisas desenvolvidas pela Transcomunicação instrumental através de meios eletrônicos (TCI).