Pular para o conteúdo principal

"BILL, EU VOU SENTIR A SUA FALTA!"




 
No recôndito do lar, o neto entristecido afirma ao avô que tinha aprendido algo naquele dia. Indagado sobre a origem do aprendizado, respondeu ao avô:
- Os adultos não se interessam por abaixo-assinado de crianças. Continuou ele, o Miguel o retirou do lugar que afixamos – visível aos adultos – e rasgou com raiva. Miguel aniversariou naquele dia.
O avô redarguiu:
- Acredito que vocês não o entregaram à pessoa certa.
O abaixo-assinado fora assinado por todas as crianças do condomínio onde residiam, contra a saída abrupta de Bill, zelador do condomínio que já contara com mais de dezessete anos de convivência com as crianças que ali residiram e residem.

- Vô, - voz embargada - não iremos brincar e comemorar o aniversário do Miguel, em sinal de protesto.
Aquela tarde noite foi desoladora para as crianças. Ao ser comunicado do seu afastamento de maneira pouco civilizatória, sem aviso prévio nenhum, Bill parecia uma ave atingida a procura de um lugar. Olhos marejados, voz embargada, procurava uma justificativa para tal atitude. Não foi lhe dada nem oportunidade de se despedir dos condôminos e nem esses tampouco se interessaram em fazer. As crianças apoiaram-no. De repente, uma vozinha soa distante, embargada pela saudade já sentida:
- Bill, eu vou sentir a sua falta. Bill não se sustenta e o choro é inevitável. Bill se despede sem saber como seria o dia de amanhã.
O avô prometera ao neto interceder junto a empresa terceirizada, cujo contrato fora rompido, na tentativa de Bill se transferir para uma outra unidade da empresa.

                                                 ----------x-----------x-------------

Situação inusitada, mas tão comum em nossos dias marcada pela falta de empatia que marca a sociedade contemporânea. A empatia ou ausência dela resulta da capacidade ou não do indivíduo manter relações construtivas/colaborativas de se colocar na condição do outro para entender aquilo que ele está pensando e sentido. Tem estrutura anatômica no cérebro humano, nos conhecidos neurônios espelhos. Os circuitos de neurônios-espelho permitem que nos coloquemos no lugar do outro. Quanto mais uma pessoa sente empatia, mais acentuada é a resposta dos seus neurônios-espelho. Essas células se localizam no cérebro-motor A escassez ou pouca resposta nos neurônios-espelhos determina a pouca ou inexistência de empatia. Para Sigmund Freud (1856-1939), médico neurologista, criador da psicanálise, esses neurônios são determinantes para caracterizar a diferença entre mentes “saudáveis e psicopáticas”, traço essencial para que uma pessoa expresse compaixão pela outra. A falta de empatia é o câncer da sociedade moderna, que gera o individualismo predatório.
E o avô refletindo sobre o aprendizado do neto não podia deixar de lembrar do Meigo Nazareno quando rompe com a sociedade patriarcal à sua época quando afirmou: “Deixai vir a mim os pequeninos, e não os impeçais, porque dos tais é o reino de Deus.” (Lc, 18:15-17) Jesus em linguagem metafórica se reporta às crianças como símbolo da ternura e da pureza.
Jesus chamava a si a infância intelectual da criatura formada: os fracos, os escravos, os viciosos. Ele nada podia ensinar à infância física, presa na matéria, sujeita ao jugo dos instintos, e ainda não integrada na ordem superior da razão e da vontade, que se exercem em torno dela e em seu benefício. Jesus queria que os homens se entregassem a ele com a confiança desses pequenos seres de passos vacilantes, cujo apelo lhe conquistaria o coração das mulheres, que são todas mães. (1)

Na questão nº 208 de O Livro dos Espíritos, Os Reveladores Celestes ensinam que "o Espírito dos pais tem a missão de desenvolver o dos filhos pela educação. Isso é para ele uma tarefa. Se nela falhar, será culpado." Já na questão nº 685"a", Allan Kardec adverte que essa educação "não é a intelectual, mas a moral, e nem ainda a educação moral pelos livros, mas a que consiste na arte de formar caracteres, aquela que cria os hábitos, porque educação é um conjunto de hábitos adquiridos." Isso só se alcança através do exemplo e não através de palavras, começando pelo respeito à dignidade humana.
A Humanidade Real que Jesus espera de todos os será alcançada pelos discípulos que vivenciarem os Seus ensinos. Mas isso não será, tão somente, pela expressão exterior condicionada a citações bíblicas, cânticos de louvores, salmos pelo simples compartilhamento nas redes sociais e a frequência semanal a qualquer instituição religiosa, e ela é representativa na frase de Pilatos ao expressar a sentença através de uma aclamação real: Eis, o Homem!, (João, 19:5), e não eis o condenado ou eis o bandido.
Essa Humanidade Real só se conseguirá através de uma gnose profunda, pela experiência vivida dos seus ensinamentos, como expresso no Evangelho de João, 13:38: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros.” Os pequeninos tiveram naquele dia um lampejo da Humanidade Real que se expressa pela vivência do amor ao próximo.

E o avô adormeceu ante o ressoar em sua consciência, daquela vozinha do pequenino:

“Bill, eu vou sentir a sua falta!”



(1)        Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. VII:I

Comentários

  1. Adorei o texto acima postado pelo amigo Jorge Luiz.
    Ao lê-lo, pude observar o quanto ainda estamos longe das orientações Cristãs, principalmente, na parte que fala sobre o "amar ao próximo como a si mesmo".
    O egoísmo, o orgulho e a vaidade ainda são muito fortes nesse mundo de provas e expiações. Por isso tantas dores e sofrimentos.
    Quando realmente entendermos que o Evangelho de Jesus é o roteiro seguro para nossa felicidade, essas injustiças sociais, se não desaparecerem por completo ainda, serão atenuadas amplamente.
    Até lá, vamos amargando as frustrações de tentarmos ser felizes individualmente.

    ResponderExcluir
  2. É uma mensagem de muita reflexão. As pessoas estão vendo as outras como uma coisa que se descarta. Socorro Rocha

    ResponderExcluir
  3. "Bill, eu vou sentir sua falta". Adorei. Gratidão a quem postou!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

O NATAL DE CADA UM

  Imagens da internet Sabemos todos que “natal” significa “nascimento”, o que nos proporciona ocasião para inúmeras reflexões... Usualmente, ao falarmos de natal, o primeiro pensamento que nos ocorre é o da festa natalina, a data de comemoração do nascimento de Jesus... Entretanto, tantas são as coisas que nos envolvem, decoração, luzes, presentes, ceia, almoço, roupa nova, aparatos, rituais, cerimônias etc., que a azáfama e o corre-corre dos últimos dias fazem-nos perder o sentido real dessa data, desse momento; fazem com a gente muitas vezes se perca até de nós mesmos, do essencial em nós... Se pararmos um pouquinho para pensar, refletir sobre o tema, talvez consigamos compreender um pouco melhor o significando do nascimento daquele Espírito de tão alto nível naquele momento conturbado aqui na Terra, numa família aparentemente comum, envergando a personalidade de Jesus, filho de Maria e José. Talvez consigamos perceber o elevado significado do sacrifício daqueles missionári...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

ASTRÔNOMO DIZ QUE JESUS PODE TER NASCIDO EM JUNHO (*)

  Por Jorge Hessen Astrônomo diz que Jesus pode ter nascido em junho Uma pesquisa realizada por um astrônomo australiano sugere que Jesus Cristo teria nascido no dia 17 de junho e não em 25 de dezembro. De acordo com Dave Reneke, a “estrela de Natal” que, segundo a Bíblia, teria guiado os Três Reis Magos até a Manjedoura, em Belém, não apenas teria aparecido no céu seis meses mais cedo, como também dois anos antes do que se pensava. Estudos anteriores já haviam levantado a hipótese de que o nascimento teria ocorrido entre os anos 3 a.C e 1 d.C. O astrônomo explica que a conclusão é fruto do mapeamento dos corpos celestes da época em que Jesus nasceu. O rastreamento foi possível a partir de um software que permite rever o posicionamento de estrelas e planetas há milhares de anos.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.