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UM TREM NO JARDIM?¹



           
 


         

            É possível que a maioria das pessoas tenha dificuldade em ver-se nessa realidade, mas é desafiador refletir a respeito disso: somos seres condicionados. Haverá certamente controvérsias e desagrados por parte de muitos, afinal buscamos defender a possibilidade de autonomia e liberdade naquilo que realizamos. Ainda aí, até mesmo esse senso que defendemos é uma proposta com a qual nos condicionamos.
            A explicação não é tão complexa, sem que se busque para a mesma uma aceitação unânime. Precisamos estabelecer princípios se quisermos viver de forma harmônica com nossa proposta de vida. Princípios são aqui referidos como um conjunto de normas que estabelecem a sucessão de medidas e atitudes a serem adotadas em situações que eclodem a todo o tempo. Consignam-se, então os princípios como sendo as diretrizes que formam os trilhos de uma existência. Quem anda em trilhos são os trens, essa uma afirmação comum. O que sucede se um trem resolve, por cansado que esteja dos trilhos, deslocar-se em um jardim? O jardim por mais belo que seja não é local de deslocamento de trens, não é mesmo?

            Sucede que numa época como a nossa, onde as pessoas vivem fugindo de estigmas, o moderno é se apresentar maleável, moldável, sem opinião formada, enquanto se joga no fosso da radicalidade aqueles que possuem um conjunto de princípios que norteiam as suas vidas, incluindo aí tantos que não desejam impor a terceiros as suas opiniões. Esquecemos que ser radical não é ter certezas quanto às próprias escolhas, mas sim querer intervir impondo as suas idéias à vida dos outros. Ao mesmo tempo em que ser maleável, reflexivo ou livre pensador não significa ter uma mente flutuante que julga que todas as coisas podem ter o mesmo peso e gravidade sob a alegada relatividade que impera no nosso mundo das formas.
            Definir princípios não significa desconhecer realidades que transitam fora do núcleo selecionado, mas compromete a pessoa com o conjunto de ideias definidas, as quais se prevê o dever de respeito e defesa, sem a necessidade de agredir a quem não lhe seja simpático justamente por abraçar outros princípios. Forçoso, contudo que todas as pessoas questionem em suas atitudes quais os seus princípios norteadores, sem o receio de sentir-se radical ou menos moderno, pois ao contrário o risco que se corre é o de viver sob uma contínua tempestade de valores que denota fragilidade de caráter.
            Há terrenos, sobretudo aqueles que definem a defesa da vida, nos quais não podemos abrir concessões. A certeza da imortalidade não pode conferir razão para que se aceite o assassínio. O vislumbre da Justiça divina não dá espaço para se aplaudir a injustiça social. Saber da correção das leis universais não permite paciência com o ultraje à lei humana. Entender o chamado à honestidade jamais acobertará a mentira oportunista sob quaisquer motivos.   
           Independente de julgamentos possíveis é preciso saber qual o condicionamento se quer alimentar, sem chances para tergiversações, pois condicionados somos todos. Jesus vaticinou (Mateus VI; 24) “... vocês não podem servir a Deus e a Mamon”. Temos princípios, logo temos trilhos. Não é permitido ao trem querer dar uma voltinha no jardim, e Jesus muito bem nos chamou a atenção (Mateus V; 37): seja o teu falar, sim sim, não não.



¹ editorial do programa Antena Espírita de 11.06.2017

               

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