Pular para o conteúdo principal

DESAMPARO AFETIVO






Por Jorge Hessen (*)


A 2ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina negou indenização por danos morais a uma filha que alegava “abandono afetivo” do pai. O tribunal entende que não se pode obrigar um pai a amar o filho com a ameaça de indenização. Segundo o desembargador Gilberto Gomes de Oliveira, relator do caso “o afeto não é algo que se possa cobrar, quer in natura ou em pecúnia, tampouco se pode obrigar alguém a tê-lo, pois não se pode exigir que pai ame filhos com ameaça de indenização”. [1]

Em direção oposta, três anos atrás, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou um pai a indenizar em R$ 200 mil a filha por “abandono afetivo”. A ministra Nancy Andrighi entendeu que é possível exigir indenização por dano moral decorrente de “abandono afetivo” pelos pais. Para ela “amar é faculdade, cuidar é dever”, afirmou no acórdão, pois não há motivo para tratar os danos das relações familiares de forma diferente de outros danos civis.” [2]


A ministra Andrighi ressaltou que nas relações familiares o dano moral pode envolver questões subjetivas, como afetividade, mágoa ou amor, tornando difícil a identificação dos elementos que tradicionalmente compõem o dano moral indenizável: dano, culpa do autor e nexo causal. Porém, entendeu que a paternidade traz vínculo objetivo, com previsões legais e constitucionais de obrigações mínimas. Concluindo que “aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”, argumentou a ministra. [3]

Sob as vias dos contextos jurídicos, Samara Luiza Pereira Hessen [4], técnica judiciária do Tribunal de Justiça do DF, formanda em direito, explicou-me que “o dano moral possui dois aspectos: o primeiro é a condenação de alguém ao pagamento de danos morais para compensar algum sofrimento que adveio sobre a vítima. Sob este ponto de vista, e considerando que o pai biológico tivesse arcado com todas as obrigações legais, não haveria que se falar em sofrimento da vítima, consequentemente seria impossível a condenação de alguém por “abandono afetivo”.

Entretanto, conforme Samara Luiza, “existe a teoria do desestímulo (punitive damages), ou seja, o que se condena é a atitude do agente causador do dano.  Assim, ter um filho e simplesmente pagar pensão alimentícia, sem cumprir com o dever de pai, causaria indenização por danos morais, além de coibir que outros tenham filhos e simplesmente paguem pensão alimentícia, sem a preocupação de formalizarem a família, de acompanharem o crescimento do filho”.

Sob quaisquer aspectos jurídico ou espírita, elevado é o preço que pagamos pelas lesões afetivas[5] que provocamos nos outros. Rodeando o tema, sem propor debatê-lo em profundidade em face do contexto jurídico sobre a eficácia ou não da indenização por danos morais por “abandono afetivo”, ressaltamos que os pais que não assumem seus filhos (bastardos ou não) comprometem drasticamente a composição psicológica dos rebentos. A consternação de experimentar a rejeição afetiva continuará até que o filho recusado consiga optar pelo indulto.

Em psicologia, o termo afetividade é utilizado para designar a suscetibilidade que o ser humano experimenta perante determinadas alterações que acontecem no mundo exterior ou em si próprio. Nossa vida afetiva é composta de dois afetos básicos: o amor e o desamor. Esses dois elementos estão presentes em nossa vida psíquica e também estão juntos em nossas expressões, ações e pensamentos. A afetividade não se vive por estes meros sentimentos e sim pela prática, pela ação que vem oriunda do sentimento. Afeição é uma atitude, e não somente um sentimento. A relação de mãe e pai para com os filhos naturais é afeto automático.

Já as relações afetivas de amizade ou de amor, precisam ser cultivadas. Os vínculos afetuosos, na Terra, permitem-nos abeirar dos nossos afetos e desafetos do pretérito, que também renascem sob liames biológicos, em sujeição aos compromissos assumidos com as leis da vida. Desta forma, as ligações da consanguinidade nos possibilitam experiências em comum, nas quais podemos nos tornar instrumentos de aprendizado recíproco.

Sim! O convívio no corpo nos enseja o desenvolvimento da compreensão, da paciência, do perdão, da abnegação, valores que, gradualmente, nos educam o amor absoluto. Mas se não nos habituamos a renunciar, a abdicar mormente de nós mesmos, nos doarmos pelo próximo, despojar-nos de ambições, enfim, não esperar que a vida gire à nossa volta, sofreremos os reveses naturais de maneira inevitável. Em face disso, aos pais e filhos (bastardos ou não) sem cogitar de serem amados a qualquer preço, lhes é indispensável amar, especialmente àqueles que talvez não alcancem evidenciar o verdadeiro e desapaixonado amor em razão das circunstâncias talhadas pela vida.


Referências:

[1]            Disponível em http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/nao-se-pode-exigir-que-pai-ame-filhos-com-ameaca-de-indenizacao-diz-justica/   acesso 20/11/2015

[2]            Disponível em http://oglobo.globo.com/brasil/stj-condena-pai-indenizar-filha-por-abandono-afetivo-4793531  acesso 21/11/2015

[3]            Idem

[4]            Filha do autor do texto (Jorge Hessen)

[5]            Afetividade, Afecção, do Latim afficere ad actio, onde o sujeito se fixa, onde o sujeito se liga.



 (*) articulista com textos publicados na Revista Reformador da FEB, O Espírita de Brasília, O Médium de Juiz de Fora, Brasília Espírita, Mato Grosso Espírita, Jornal União da Federação Espírita do DF. Artigos publicados na Revista eletrônica O Consolador, no Jornal O Rebate, site da Federação Espírita Espanhola, site da Espiritismogi.com.br

Comentários

  1. A questão envolve o dano moral e sua aferição. Longe do dano material que traduz um prejuízo sempre preciso e avaliável em pecúnia, o dano moral liga-se ao sentimento, ao prejuízo psíquico. E este possui valor inestimável, não se podendo avaliar os prejuízos, pois cada ser humano sofre numa dimensão personalíssima. Quanto às decisões judiciais mencionadas, uma examinou a matéria à luz do direito e da psicologia e aí decidiu a favor do dano moral como medida educativa e sancionadora para o pai arredio para com o filho. O dano aí tem uma função pedagógica de fazer ver ao pai egoísta que filhos se tratam com dedicação e amor, como insinuou Jesus Cristo. Já
    a sentença que negou o dano moral pelo abandono, prendeu-se a questões unicamente materiais, com os argumentos de que ninguém é obrigado a amar a outrem e de que o que gera indenização no direito brasileiro é o abandono material. Uma decisão foi humana, paternal e jurídica; outra, estritamente jurídica, aplicando exclusivamente o direito material e relegando um direito bem maior que tem fundamentos no amor, na sabedoria, atributos que qualquer homem deve buscar.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

      Por Wilson Garcia Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

CONFLITOS E PROGRESSO

    Por Marcelo Henrique Os conflitos estão sediados em dois quadrantes da marcha progressiva (moral e intelectual), pois há seres que se destacam intelectualmente, tornando-se líderes de sociedades, mas não as conduzem com a elevação dos sentimentos. Então quando dados grupos são vencedores em dadas disputas, seu objetivo é o da aniquilação (física ou pela restrição de liberdades ou a expressão de pensamento) dos que se lhes opõem.

DIA DA ESPOSA DO PASTOR: PAUTA PARASITA GANHA FORÇA NO BRASIL

     Imagens da internet Por Ana Cláudia Laurindo O Dia da Esposa do Pastor tem como data própria o primeiro domingo de março. No contexto global se justifica como resultado do que chamam Igreja Perseguida, uma alusão aos missionários evangélicos que encontram resistência em países que já possuem suas tradições de fé, mas em nome da expansão evangélico/cristã estas igrejas insistem em se firmar.  No Brasil, a situação é bem distinta. Por aqui, o que fazia parte de uma narrativa e ação das próprias igrejas vai ocupando lugares em casas legislativas e ganhando sanções dentro do poder executivo, como o que aconteceu recentemente no estado do Pará. Um deputado do partido Republicanos e representante da bancada evangélica (algo que jamais deveria ser nominado com naturalidade, sendo o Brasil um país laico (ainda) propôs um projeto de lei que foi aprovado na Assembleia Legislativa e quando sancionado pelo governador Helder Barbalho, no início deste mês, se tornou a lei...

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

“TUDO O QUE ACONTECER À TERRA, ACONTECERÁ AOS FILHOS DA TERRA.”

    Por Doris Gandres Esta afirmação faz parte da carta que o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1854! Se não soubéssemos de quem e de quando é essa declaração poder-se-ia dizer que foi escrita hoje, por alguém com bastante lucidez para perceber a interdependência entre tudo e todos. O modo como vimos agindo na nossa relação com a Natureza em geral há muitos séculos, não apenas usando seus recursos, mas abusando, depredando, destruindo mananciais diversos, tem gerado consequências danosas e desastrosas cada vez mais evidentes. Por exemplo, atualmente sabemos que 10 milhões de toneladas de plásticos diversos são jogadas nos oceanos todo ano! E isso sem considerar todas as outras tantas coisas, como redes de pescadores, latas, sapatos etc. e até móveis! Contudo, parece que uma boa parte de nós, sobretudo aqueles que priorizam seus interesses pessoais, não está se dando conta da gravidade do que está acontecendo...

JESUS TEM LADO... ONDE ESTOU?

   Por Jorge Luiz  A Ilusão do Apolitismo e a Inerência da Política Há certo pedantismo de indivíduos que se autodenominam apolíticos como se isso fosse possível. Melhor autoafirmarem-se apartidários, considerando a impossibilidade de se ser apolítico. A questão que leva a esse mal entendido é que parte das pessoas discordam da forma de se fazer política, principalmente pelo fato instrumentalizado da corrupção, que nada tem do abrangente significado de política. A política partidária é considerada quando o indivíduo é filiado a alguma agremiação religiosa, ou a ela se vincula ideologicamente. Quanto ao ser apolítico, pensa-se ser aquele indiferente ou alheio à política, esquecendo-se de que a própria negação da política faz o indivíduo ser político.

JUSTIÇA COM CHEIRO DE VINGANÇA

  Por Roberto Caldas Há contrastes tão aberrantes no comportamento humano e nas práticas aceitas pela sociedade, e se não aceitas pelo menos suportadas, que permitem se cogite o grau de lucidez com que se orquestram o avanço da inteligência e as pautas éticas e morais que movem as leis norteadoras da convivência social.  

FUNDAMENTALISMO AFETA FESTAS JUNINAS

  Por Ana Cláudia Laurindo   O fundamentalismo religioso tenta reconfigurar no Brasil, um país elaborado a partir de projetos de intolerância que grassam em pequenos blocos, mas de maneira contínua, em cada situação cotidiana, e por isso mesmo, tais ações passam despercebidas. Eles estão multiplicando, por isso precisamos conhecer a maneira com estas interferências culturais estão atuando sobre as novas gerações.