quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

GESTÃO: O "NÓ" DA INSTITUIÇÃO ESPÍRITA

 O Espiritismo será o que o fizerem os homens.
 Similia similibus!
Ao contato da Humanidade as mais altas verdades às
vezes se desnaturam e obscurecem. Podem constituir-se
uma fonte de abusos. A gota de chuva, conforme o lugar onde cai,
continua sendo pérola ou se transformar em lodo.
(Léon Denis, No Invisível)









            Há no Brasil o movimento espírita mais fecundo do Planeta. Porém, a ausência de ações doutrinárias e diretivas eficazes pelos órgãos federativos, favorecidas por essa fertilidade, permitiu a disseminação do sincretismo religioso, o institucionalismo, o religiosismo igrejeiro e o profissionalismo religioso. Atalhos e desvios.

            Em decorrência dessas fragilidades, foi verificado o seguinte:

a)    no afã de promoverem a divulgação doutrinária, alguns adeptos terminam aprisionando-a em pontos de vista pessoais;
b)    a cultura doutrinária de que se necessita para a criação da unidade de princípios acaba por não ser reproduzida, favorecendo a massificação, com prejuízo da própria identidade doutrinária;
c)    há conflitos e prejuízos entre o estabelecimento teórico e a divulgação – estes dois elementos considerados por Allan Kardec para o progresso da Doutrina Espírita –, aprofundando a incoerência entre a teoria e a prática.

            O fator determinante para essa identidade difusa relaciona-se, precisamente, com aspectos de liderança e estilo de gestão administrativa, que se refletem na dinâmica das atividades das Instituições Espíritas como um todo.
            Pesquisas de campo, teses de mestrado, realizadas por antropólogos e sociólogos, apesar de não terem validade doutrinária, apresentam diagnóstico preocupante, pois ofertam visão do movimento que os espíritas brasileiros patrocinam, assumindo uma distância considerável em relação ao Espiritismo de origem.
            O estilo de liderança e gestão do movimento espírita brasileiro percorre caminhos jamais imaginados por Allan Kardec. Quando idealizou a Constituição do Espiritismo, só publicada após a sua morte em Obras Póstumas, fê-la como instrumento de hierarquia máxima, regulamentou as normas operacionais e mantenedoras para as relações institucionais e individuais espíritas. Ao propor nessa Constituição a comissão central,(1) Kardec estabeleceu diversos mecanismos de governança e estendeu seu olhar vanguardista para estilo de liderança situacional(2) (democrático), o mais recomendado na atualidade para ambientes mútuos de crescimento.
            O que se padronizou no movimento espírita, entretanto, foi o modelo vaticanizado, centrado no poder e não na autoridade. Hierarquicamente rígido, verticalizado, arcaico, coercitivo, que se particulariza pela vigilância e duras críticas, inapropriado para a humanização das relações nas casas espíritas, seguindo o triângulo(3) proposto pelo Espírito Joanna de Ângelis, para a sua espiritização. 
             Essa desobediência tem favorecido a parcela expressiva das organizações espíritas de falta de planejamento, direção personalista, despreparo dos líderes e problemas sérios de gestão administrativa.
            A casa espírita é como qualquer outra instituição, e necessita de recursos e boa direção para o seu bom funcionamento. Allan Kardec deixa isso bem claro no instrumento citado, no capítulo Vias e Meios:

Para alguém fazer qualquer coisa de sério, tem que se submeter às necessidades impostas pelos costumes da época em que vive e essas necessidades são muito diversas dos tempos da vida patriarcal.

            Essas situações caminham com a própria questão sócio-econômico-cultural do perfil do voluntariado, nem sempre valorizada pelo dirigente espírita, que se perde em práticas inadequadas, não se permitindo ser o grande catalizador de competências e habilidades para favorecer o surgimento de novos colaboradores na seara espírita.
            A Federação Espírita Brasileira vem tentando melhorar o perfil do dirigente espírita através de curso ofertado online no site da própria entidade, o que já é um bom começo.
            É imperioso notar que o indivíduo para se habilitar a ser dirigente espírita não basta apenas ter boa vontade. Além de ter conhecimento doutrinário e condicionante moral, deve também apresentar noções básicas de liderança e de administração. Não se pode prescindir desses dois últimos itens. A instituição espírita presta serviços espirituais, e a sua relação com os frequentadores e colaboradores está sujeita às dinâmicas organizacionais convencionais. Há a necessidade de se discutir os modelos atuais de gestão e de liderança das instituições espíritas. Essas providências passam necessariamente pela detecção dos principais motivos que têm provocado o esvaziamento delas.
            Apesar de o Espiritismo ser uma doutrina evolucionista, o movimento espírita brasileiro não evolui, principalmente no estilo de liderança. O modelo institucional brasileiro continua sendo o mesmo de 60 anos passados, isto por força dos processos de gestão e liderança que são ultrapassados.
            Chegou-se naquela etapa da Humanidade, que Kardec assinala em A Gênese:

O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade.
          
          É impossível continuar “andando sobre um pé só” (4) acreditando que se alcançará os objetivos colimados pelo Espiritismo.
            O Espiritismo caminha lado a lado com a Ciência. Partindo deste princípio, é bom lembrar Peter Drucker (5) (1909-2005), cuja metodologia desenvolvida para as organizações consideradas do terceiro setor, no qual as instituições espíritas se situam, foi desenvolvida sobre o seguinte pilar:

Tornar eficazes os pontos fortes das pessoas e irrelevantes suas fraquezas.           
           
            A acepção druckeriana visa converter o conhecimento em ação efetiva. Significa estimular um engajamento da diretoria, dos colaboradores e frequentadores em um processo desafiador de autodescoberta organizacional.
            Cabe ao dirigente promover uma autoavaliação da sua instituição que o alcance, bem como todos os colaboradores e frequentadores, olhando para dentro da organização, realinhando-a aos princípios constitucionais kardecianos, partindo das premissas druckerianas: qual a missão, função e significado da instituição? Quem são os frequentadores? O que os frequentadores valorizam? Quais são os resultados alcançados e a alcançar? Quais os planejamentos organizacionais e pedagógicos? Agindo assim, certamente os resultados convergirão para as seguintes expectativas kardecianas:

(...) os resultados coletivos e gerais serão fruto do Espiritismo completo, que sucessivamente se desenvolverá.



 (1) A comissão seria composta de, no máximo, de doze membros titulares, que deverão para tal efeito preencher certas condições indispensáveis, e de igual número de conselheiros, cujo presidente terá mandato de um ano. Ele dirigirá as deliberações da comissão, velará pela execução dos trabalhos e pelo expediente; mas, fora das atribuições que os estatutos constitutivos lhe conferirem, nenhuma decisão poderá tomar sem o concurso da comissão.
 (2) Liderança situacional consiste na liderança que é moldada pela situação apresentada, ou seja, o líder tem a capacidade de adequar-se ao momento, e dentro desta dinâmica, ele consegue delegar e motivar seus colaboradores para que reajam positivamente, deem o seu melhor e alcancem os resultados esperados.
(3) Espiritização, Qualificação e Humanização. “Novos Rumos para o Centro Espírita”. Palestra com Divaldo Franco. Salvador, LEAL,1999.
(4) Santo Agostinho (Sermões 2, 2, 2), ironiza os que acreditam “in via Dei posse se uno pede ambulare”, “poder andar com um só pé pelo caminho de Deus”.
(5)  Peter Ferdinand Drucker, (nasceu em 19 de novembro de 1909, em Viena, Áustria - faleceu em 11 de novembro de 2005, em Claremont, Califórnia, EUA) foi um escritor, professor e consultor administrativo de origem austríaca, considerado como o pai da administração moderna, sendo o mais reconhecido dos pensadores do fenômeno dos efeitos da Globalização na economia em geral e em particular nas organizações - subentendendo-se à administração moderna como a ciência que trata sobre pessoas nas organizações, como dizia ele próprio.


REFERÊNCIAS
DRUCKER, Peter Ferdinand. Terceiro setor. São Paulo: Futura, 2001.
KARDEC, Allan. A gênese. São Paulo: Lake, 2010.
_____________. Obras póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 1987.



5 comentários:

  1. Concordo amigo Jorge. Seria mais ou menos assim: a boa vontade é a raiz que sem ela nada prospera, mas a boa vontade não pode ser utilizada como única ferramenta de ação na casa espírita. Necessário a capacitação para enfrentar as demandas crescentes, renunciando ao anacronismo sem se perder na volatilidade das novas ondas. Roberto Caldas

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  2. A boa vontade funciona como um impulsionador, "motor de arranque" por exemplo, mas para dar movimento e continuidade é necessário vontade. Jorge você foi muito feliz em sintetizar o pensamento de muitos de nós que participamos do Movimento Espírita. É necessário que temas como liderança, administração, planejamento dentre outros, fação parte do cotidiano da Instituições Espíritas, primordialmente nos Conselhos, Diretorias e com os futuros gestores. No âmbito das Federações meu pensamento é o mesmo, desde que acompanhado de ações propositivas, não apenas paliativas.



    Ps.: Já algumas coisas sobre pesquisas e teses sobre o assunto, mas nunca consegui ter acesso. Caso o companheiro conheça algum site ou blog que disponibilize material para consulta agradeceria a indicação.

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  3. Olá, Edi!
    Grato pelas considerações.
    O tema realmente desperta meu interesse e tenho buscado muitas fontes, principalmente não espíritas, que apesar da invalidade doutrinária, não invalida os fatos sociais e antropológicos. Tem um trabalho muito interessante de Emerson Giumbelli, "O Cuidado dos Mortos". Outra obra que não deve deixar de ser lida é "O Livro, a mesa e os espíritos", de Marion Aubreé e François Laplantine". "Espiritismo à Brasileira" de Sandra Jacqueline Stoll. "Da elite ao povo", Sylvia Damásio. "Afinal, Espiritismo é religião?, Célia da Graça Arribas. Você encontrará alguns desses trabalhos na internet. Abraços!

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  4. Olá, Edi!
    Na sequência, algumas obras espíritas."O Centro Espírita", "A pedra e o joio", "O Verbo e a Carne", "Curso Dinâmico de Espiritismo" do prof. Herculano Pires. "Os intelectuais e o Espiritismo", de Ubiratan Machado, "O Espiritismo em movimento", Elzio F. Souza, pelo Espírito Deolindo Amorim. "Reafirmação ou revisão do Espiritismo", de Francisco Cajazeiras, pelo Esp. J. Herculano Pires. Abraços!

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  5. Francisco Castro de Sousa20 de dezembro de 2014 às 17:57

    Parabéns Jorge, belo artigo e que irá mexer com muita gente que se encontra encastelada em posições de direção no movimento espírita e acha que está tudo correndo às mil maravilhas. Eu penso que uma das coisas que têm contribuído para esse atraso no movimento espírita é a transformação, ou melhor a institucionalização do Espiritismo como Religião. Será que Kardec desejava isso quando colocou no frontispício da obra O Evangelho Segundo o Espiritismo essa frase: "Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade." pensemos nisso!

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