Pular para o conteúdo principal

CONTROLE UNIVERSAL HOJE?






Por Sérgio Aleixo (*)



Os reivindicadores de uma novíssima aplicação deste método esquecem que Kardec disse que o controle universal do ensino dos espíritos serviu para estabelecer os princípios mesmos do Espiritismo, e não se aplicava a “interesses secundários”.

Uma só garantia séria existe para o ensino dos espíritos: a concordância que haja entre as revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares. Vê-se bem que não se trata aqui das comunicações referentes a interesses secundários, mas do que respeita aos princípios mesmos da Doutrina. Prova a experiência que, quando um princípio novo tem de ser enunciado, isso se dá espontaneamente em diversos pontos ao mesmo tempo e de modo idêntico, senão quanto à forma, quanto ao fundo.[1]

No século 19 foi assim. Poderia sê-lo hoje? Não sei. O problema para uma nova aplicação desse controle seria a “espontaneidade”. Com a Doutrina já amplamente difundida no mundo e a comunicação instantânea entre os habitantes do planeta, essa “espontaneidade” seria confiável? Haveria nos médiuns atuais a mesma isenção de ânimo anterior ao assentamento dos princípios da Doutrina por Kardec? Tem-se visto os próprios médiuns psicografando e defendendo o que eles mesmos pensam sobre os assuntos tratados nos livros que recebem dos espíritos... E será coincidência que muitos deles conflitem frontalmente a Obra de Kardec, enquanto outros a contrariem ao mesmo tempo em que a aclamem? E mesmo supondo que novos princípios fossem transmitidos por um virtual novo controle, estes poderiam contradizer o controle kardeciano? Tão prevenido e perspicaz foi Kardec que, de revés, respondeu negativamente a isso, deixando claro, além de tudo, que os ensinos dos espíritos, ainda que majoritários e concordantes, não dispensavam o julgamento incansável de sua razão. Se não, vejamos:

Essa coletividade concordante da opinião dos espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da Doutrina Espírita e lhe assegura a perpetuidade. Para que ela mudasse, fora mister que a universalidade dos espíritos mudasse de opinião e viesse um dia dizer o contrário do que dissera.[2]

A opinião da maioria dos espíritos é um poderoso controle para o valor dos princípios da Doutrina, mas não exclui o do julgamento e da razão, cujo uso incessante todos os espíritos sérios recomendam.[3]


Como, aliás, se pode facilmente inferir da leitura integral deste último artigo que citei de Kardec, era sensível a interferência do julgamento e da razão do mestre no processo de codificação. Ele se interpunha a distorções existentes em âmbitos pontuais do ensino concordante, para evitar que se propagassem certos efeitos delas decorrentes. Supô-lo um coadjuvante passivo da revelação espírita, mero secretário de espíritos, é o maior dos equívocos.[4]
Portanto, ainda que novos princípios fossem ditados sob a eventual aferição de um novíssimo controle, não poderiam esses princípios contraditar os kardecianos, sob pena de admitir-se que os espíritos superiores necessitassem agora contradizer-se. Assim sendo, o padrão de aferição espírita das comunicações mediúnicas será sempre a Obra de Kardec. Eventuais novos princípios não contrariariam os anteriormente fixados. Kardec deve ser estudado e a sua filosofia, a espírita, acompanhada em seu minucioso desenvolvimento, ao longo de todos os seus trabalhos. Só isso pode garantir a qualidade daquilo que hoje escrevem os escritores do aquém e do além sob o epíteto de Espiritismo. Caso queiram, a exemplo de Emmanuel, divulgar filosofia espiritualista,[5] é que não têm compromisso com a Doutrina Espírita em si; se ainda assim afirmem tê-lo, mentem, porque não é legítimo um Espiritismo a contrariar os princípios kardecianos.[6]
O controle universal do ensino espírita serviu para estabelecer os princípios mesmos do Espiritismo. Os instrumentos para dar ao Espiritismo qualquer eventual novo contorno que se lhe faça necessário (e ainda assim, mais na linguagem que no conteúdo) são a pesquisa científica e a análise filosófica, sempre aliadas, nessa tarefa específica, aos princípios estabelecidos por Kardec. Ao que tudo indica, os espíritos não têm nada exatamente novo a dizer que já não tenham dito à época de Kardec, com a diferença de que agora a responsabilidade de filtrar esses informes há sido nossa e temos preterido Kardec mais que vilmente.
Dizem que André Luiz inovou, mas os espíritos já vinham relatando essas “ilusões” de uma vida praticamente física no além desde sempre, e Kardec enquadrou tudo isso devidamente, conforme os princípios do Espiritismo. Infelizmente, esses princípios por ele assentados não são usados para qualquer aferição, com a desculpa de que vêm aí “coisas novas”. Mas novas em quê, mais precisamente? Acaso os princípios fixados pela universalidade do controle kardeciano poderiam ser desmentidos hoje? Como disse Kardec, seria necessário que a universalidade dos espíritos mudasse de opinião e viesse agora dizer o contrário do que dissera. Onde a verdade?
Por exemplo: sabe-se que os espíritos não têm órgãos, nem podem satisfazer necessidades típicas do corpo terreno; que uma coisa é a ilusão em que muitos deles podem estar e, outra, bem diversa, é a realidade de sua verdadeira situação. Mas veio André Luiz e subverteu isso, desmentindo princípios estabelecidos pela universalidade do controle kardeciano. Que fizeram os espíritas em sua grande maioria? Encorajaram a mistificação com uma credulidade excessiva, por conta da quase santidade de Chico Xavier, e tentam hoje misturar água e óleo, dizendo que André Luiz completa Kardec.
Outros, mais ousados, e não raro fascinados, dizem que André Luiz o supera e mesmo o substitui, sendo que já existem até os que superam o próprio André Luiz. Sim, porque, afinal, mais não fazem estes novos cronistas que ir aonde André Luiz, tacitamente, os havia autorizado a irem. Se existem pássaros no além, porque não colocariam ovos em seus ninhos? Se os espíritos de homens e mulheres casam e coabitam no além, por que não teriam filhos? Não é de admirar o que publicam Bacceli e congêneres; mera consequência do secular federalismo febiano e do mito rustenista que nele surgiu e se alimentou: a infalibilidade mediúnica de Chico Xavier.

[1] O Evangelho Segundo o Espiritismo. Introdução, II. Grifos meus.
[2] A Gênese. Introdução.
[3] Revista Espírita. Mar/1868. Comentários Sobre os Messias do Espiritismo. Edicel, p. 75. Obs.: Registra-se aqui, infelizmente, um erro na tradução febiana: “mas não exclui o do julgamento e da razão, cujo uso sério todos os Espíritos recomendam”, o que não corresponde ao original: “mais qui n'exclut pas celui du jugement et de la raison, dont tous les Esprits sérieux recommandent sans cesse de faire usage”.
[4] Cf. ALEIXO. O Primado de Kardec. Cap. 5: Os Critérios Kardecianos. http://oprimadodekardec.blogspot.com.br/2011/02/capitulo-5-os-criterios-kardecianos.html
[5] Emmanuel. Explicando. F.E.B., 15.ª ed., p. 15.
[6] Cf. Cap. 20: Kardec Versus Emmanuel em 12 Passos,  http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com.br/2011/06/kardec-versus-emmanuel-em-12-passos.html.

[1] O Evangelho Segundo o Espiritismo. Introdução, II. Grifos meus.
[2] A Gênese. Introdução.
[3] Revista Espírita. Mar/1868. Comentários Sobre os Messias do Espiritismo. Edicel, p. 75. Obs.: Registra-se aqui, infelizmente, um erro na tradução febiana: “mas não exclui o do julgamento e da razão, cujo uso sério todos os Espíritos recomendam”, o que não corresponde ao original: “mais qui n'exclut pas celui du jugement et de la raison, dont tous les Esprits sérieux recommandent sans cesse de faire usage”.
[4] Cf. ALEIXO. O Primado de Kardec. Cap. 5: Os Critérios Kardecianos. http://oprimadodekardec.blogspot.com.br/2011/02/capitulo-5-os-criterios-kardecianos.html
[5] Emmanuel. Explicando. F.E.B., 15.ª ed., p. 15.
[6] Cf. Cap. 20: Kardec Versus Emmanuel em 12 Passos,  http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com.br/2011/06/kardec-versus-emmanuel-em-12-passos.html.

(*)  Escritor e palestrante espírita. Vice-presidente da Associação de Divulgadores do Espiritismo do Rio de Janeiro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

O NATAL DE CADA UM

  Imagens da internet Sabemos todos que “natal” significa “nascimento”, o que nos proporciona ocasião para inúmeras reflexões... Usualmente, ao falarmos de natal, o primeiro pensamento que nos ocorre é o da festa natalina, a data de comemoração do nascimento de Jesus... Entretanto, tantas são as coisas que nos envolvem, decoração, luzes, presentes, ceia, almoço, roupa nova, aparatos, rituais, cerimônias etc., que a azáfama e o corre-corre dos últimos dias fazem-nos perder o sentido real dessa data, desse momento; fazem com a gente muitas vezes se perca até de nós mesmos, do essencial em nós... Se pararmos um pouquinho para pensar, refletir sobre o tema, talvez consigamos compreender um pouco melhor o significando do nascimento daquele Espírito de tão alto nível naquele momento conturbado aqui na Terra, numa família aparentemente comum, envergando a personalidade de Jesus, filho de Maria e José. Talvez consigamos perceber o elevado significado do sacrifício daqueles missionári...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

ASTRÔNOMO DIZ QUE JESUS PODE TER NASCIDO EM JUNHO (*)

  Por Jorge Hessen Astrônomo diz que Jesus pode ter nascido em junho Uma pesquisa realizada por um astrônomo australiano sugere que Jesus Cristo teria nascido no dia 17 de junho e não em 25 de dezembro. De acordo com Dave Reneke, a “estrela de Natal” que, segundo a Bíblia, teria guiado os Três Reis Magos até a Manjedoura, em Belém, não apenas teria aparecido no céu seis meses mais cedo, como também dois anos antes do que se pensava. Estudos anteriores já haviam levantado a hipótese de que o nascimento teria ocorrido entre os anos 3 a.C e 1 d.C. O astrônomo explica que a conclusão é fruto do mapeamento dos corpos celestes da época em que Jesus nasceu. O rastreamento foi possível a partir de um software que permite rever o posicionamento de estrelas e planetas há milhares de anos.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.