Pular para o conteúdo principal

A GRAVIDADE DA OMISSÃO

 

Por Doris Gandres

Há muito tempo um palestino, um nazareno se preferirem, nos deixou, ao que consta nas narrativas tantas vezes manipuladas, uma afirmativa muito clara e importante: seja o vosso falar sim, sim; não, não. À época considerada de sua passagem no mundo, corajosamente jamais furtou-se a divulgar e vivenciar os princípios sócio-educativos para a vida terrena e para o progresso do espírito, ainda que ameaçado, perseguido e finalmente preso, torturado e assassinado com os requintes de crueldade daqueles tempos naquelas “civilizações”.

Hoje entendemos facilmente ter se tratado de um preso político que, sem medo e sem se curvar às instâncias autoritaristas e arbitrárias vigentes, afrontava e desagradava a dois poderes constituídos naquela região: judeu e romano, os quais, ao que parece, o temiam, visto que um número cada vez maior de pessoas o seguia e inclinava-se a adotar os preceitos e as atitudes por ele recomendadas.

No entanto, séculos se sucederam, assim como conquistadores e colonizadores os mais diversos que varriam o mundo à força de seus exércitos e de suas armas, cada vez mais avançadas e sofisticadas. Apossavam-se de territórios e bens, dominavam seus habitantes originários pelo medo, muitas vezes cerceando-lhes até o culto às suas crenças e escravizando-os. E em face da covardia que o medo gerava, da insegurança, a grande maioria de invadidos, dominados, ultrajados e enfraquecidos, se retraiu, se acomodou, se calou e, assim, se acumpliciou...

Existem exemplos de algumas vozes que se levantaram e conseguiram erguer a bandeira e a luta pela liberdade e igualdade – invasores foram expulsos como no caso da India e alguns outros poucos. Chegou-se a proclamar A Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento bem elaborado e listando muitas das condições promotoras do respeito e da dignidade do ser humano, seja ele quem for e onde quer que seja – e que parece esquecida no fundo de uma gaveta...

Contudo, o que estamos constatando presentemente? Ainda a omissão de pessoas, instituições governamentais, religiosas, culturais, sociais; de canais detentores de concessões para difusão de conhecimento e informações manifestando-se parcamente, tendenciosamente, perante os horrores dos genocídios, particularmente de palestinos, aos milhares e milhares, em quantidade superlativa de civis, mulheres e crianças; além do fato de o poder colonial bem armado e financiado por outras potências colonialistas fazer com que essas pessoas se desloquem de um lado para o outro e gerando ainda bilhões de refugiados.

Lamentável é que não são apenas os palestinos. No continente africano inúmeras nações foram e estão sendo aviltadas, massacradas, dizimadas pela fome e por doenças, assim como também no Oriente. E não foi diferente no continente americano, onde atualmente restam bem poucos dos povos originários...

O sim, sim; não, não parece ter sucumbido sob os escombros de antigos canhões, agora bombas e mísseis, inclusive conduzidos por drones e controlados à distância. O enganoso conforto da omissão deixa nos incautos e tolos a ilusão de estarem ao abrigo de dissabores, esquecidos de que somos seres individuais compondo um ser coletivo, a humanidade – e o que afeta uma só célula desse corpo afeta todo o organismo. Martin Luther King Jr, grande combatente contra o racismo e a discriminação, afirmou com muito discernimento: “A injustiça em qualquer lugar, é uma ameaça à justiça em toda parte.” E ainda: “Quem aceita o mal sem protestar, coopera com ele.”

No entanto, no espiritismo, essa ciência filosófica de consequências morais, segundo seu fundador Allan Kardec, não se passa diferentemente: grande maioria dos que se dizem espíritas se cala, se omite, enceguecida ainda pelo religiosismo místico, pelo novo dogmatismo fundamentalista que vem sendo estabelecido e aceito no meio espírita; pela ilusória crença de que “Jesus está no leme” e que, portanto, não nos cabe nenhuma ação, nenhuma responsabilidade perante os fatos... Todavia, o espiritismo ensina claramente que o papel do espírito encarnado é “instruir os homens, ajudá-los a avançar e melhorar as suas instituições por meios diretos e materiais”! (LE q,573) Será que poderia ser mais claro?

Perante todo o conhecimento que nos chegou e ainda chega, será que ainda não entendemos o que significou e significa o sim, sim; não, não? E a consequente gravidade da omissão?

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.