sábado, 27 de março de 2021

ESPIRITISMO À BRASILEIRA: AFIRMAÇÃO DO ESPIRITISMO NO RIO DE JANEIRO

"A Gênese", publicada em 1882 pela Livraria Garnier, RJ, Cap. Império




 

            Desde a publicação de O Livro dos Espíritos, em 1857, o Espiritismo passou a ser conhecido por alguns brasileiros familiarizados com a língua francesa e por grupos de franceses através da obra de Casimir Lieutaud, Les Temps Sont Arrivés

            Faziam-se necessárias obras vertidas para o português dada a impossibilidade das massas incultas com a língua francesa. Isto ocorre em 1862 com a primeira versão para o português de um livro espírita. Ocorre simultaneamente com a primeira edição de O Espiritismo na sua Expressão Mais Simples, tradução de Alexandre Camu, um francês materialista que abraçara o Espiritismo.

            O movimento espírita brasileiro nesse primeiro momento ficou restrito ao Rio de Janeiro e, logo em seguida, na Bahia. Nos anos 1860 do século XIX, o conhecimento restringia-se à colônia francesa sediada na Corte, formada, principalmente, por profissionais liberais em situação socioeconômica confortável, a exemplo de Casimir Leiuteaud, Adolphe Hubert, Monsieur Morin e Mmme. Perret Collard.

            No dia 02 de agosto de 1873, foi fundado o primeiro centro espírita no Rio de Janeiro (o segundo do país), a Sociedade de Estudos Espíritas – Grupo Confúcio. O primeiro foi o Grupo Familiar de Espiritismo, fundado por Teles de Menezes, em Salvador, Bahia. O grupo percebeu a necessidade de tradução das obras básicas, não só pela necessidade de divulgação, mas também para subsídios para os novos grupos que se iniciavam.

            Sob a coordenação de Joaquim Carlos Travassos, secretário-geral do grupo Confúcio, houve a tradução de O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns e O Céu e o Inferno, publicados por B. L. Garnier, em 1875. Seguiu-se a publicação de O Evangelho Segundo o Espiritismo, em 1876, igualmente traduzido por Travassos. Ocorreram várias edições para a expansão do Espiritismo.

            Dr. Travassos foi pioneiro na expansão do Espiritismo no Brasil. Além da tradução dos livros citados e da participação no Grupo Confúcio e em outros núcleos que se formaram, o médico foi um dos receitistas mais renomados nas últimas décadas no século passado.

            O Grupo Confúcio foi responsável pela assistência homeopática gratuita, ao qual se deve a revelação do Anjo Ismael como o guia do Espiritismo no Brasil e a fundação do primeiro Jornal espírita no Rio de Janeiro.            Surge o abolicionista e republicano Antônio da Silva Neto, nascido na Bahia, em 1836. Silva Neto era positivista, pois, apesar da educação familiar cristã que recebera, não aceitava qualquer crença que conflitasse com os postulados científicos correntes à sua época. Interessou-se pelo estudo do magnetismo e, depois, pela investigação das manifestações dos espíritos.

            Silva Neto foi eleito, no ano seguinte da sua fundação, presidente do Grupo Confúcio. Por formação de opção, ele privilegiou a parte científico-filosófica contida em O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, em detrimento do aspecto religioso. Era um “espírita puro”, como se denominavam na época.

            Houve um rompimento posterior das orientações Silva Neto e acabaram surgindo os espíritas “místicos”, os que privilegiavam o aspecto religioso da Doutrina Espírita. Ao abandonar o Grupo Confúcio, surgiram novos grupos e, dentre eles, o mais importante  foi a Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade, fundada em 1876. O Grupo Confúcio sobreviveu até 1876.

            Ao reafirmar a sua posição diante das dissidências doutrinárias já explicitadas, Silva Neto lembrou que Kardec pretendera a união de todos os homens e chamava a atenção para o perigo de o Espiritismo se transformar em mais uma seita religiosa, envolta em um misticismo dogmático, e que não se fundasse com isso uma Igreja que viesse a “embaraçar a solidariedade humana.”

            A Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade abrigou alguns vultos importantes do movimento espírita no Brasil, como Joaquim Carlos Travassos e Bittencourt, médiuns receitistas.

            Nas sessões presididas por Bittencourt Sampaio, surgiu a figura de Antônio Luiz Sayão, pessoa extremamente mística e recém-convertida que passou a integrar o grupo e a estudar a obra de Kardec e a de Roustaing – cujo livro, Os Quatro Evangelhos, chegou ao Brasil logo após as obras de Kardec.

            A Sociedade já contava com perto de 800 membros, bastante heterogêneos, o que levou mais uma vez ao embate entre místicos e científicos, e não poderia deixar de resultar em uma nova dissidência. Os místicos romperam com o grupo e formaram outros grupos, como a Congregação Espírita Anjo Ismael, em 1877, e o Grupo Espírita Caridade, em 1878. Os científicos continuavam muito fortes, tendo à frente o professor Angeli Torterolli, e logo mudaram a denominação para Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade. Em 1880, outro grupo de místicos se afastou e fundou a Sociedade Espírita Fraternidade, dentre eles, Bitttencourt Sampaio.

            É importante ressaltar que foi no grupo Fraternidade que os místicos se dividiram em kardecistas e roustainguistas.

            Sayão tentou conciliar as várias correntes doutrinárias, inclusive dirigindo-se à Sociedade Acadêmica, reduto dos científicos e dos espíritas puros. Não obtendo êxito, optou por formar outro núcleo com o amigo Bittencourt Sampaio: O Grupo dos Humildes, mais conhecido como o Grupo de Sayão.

            O Espiritismo carioca conheceu diversas fases por demais conturbadas, como veremos nos próximos artigos.

           

 

Referências:

AUBRÉE, Marion & LAPLATINE, François. A mesa, o livro e os espíritos. Alagoas: UFAL, 2009.

DAMÁZIO, Sylvia F. Da elite ao povo. Rio de Janeiro: Betrand, 1994.

GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.

Um comentário:

  1. É importante conhecer a história do espiritismo para entender a situação atual. A raiz está aqui.

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