segunda-feira, 8 de março de 2021

DESROMANTIZANDO A REENCARNAÇÃO

 

Carolina Maria de Jesus - foto internet

A catadora de papel negra que vivia na favela agora é doutora Honoris Causa. Embora seja uma homenagem póstuma, a UFRJ reconheceu, com a concessão do título pelo Conselho Universitário (Consuni), pela luta e coragem de uma mulher estoica: Carolina Maria de Jesus. A aprovação da outorga da distinção foi unânime e por aclamação.

Filha de João Cândido e Dona Cota, ambos analfabetos, Carolina nasceu em 14 de março de 1914, em Sacramento, cidade próxima de Araxá e da região do Triângulo Mineiro. Aos sete anos ingressou no Colégio Allan Kardec, de orientação espírita, onde ficou até o 2º ano do ensino fundamental. Lá, ela abandonou o apelido de criança, “Bitita”, e aprendeu em pouco tempo a escrever e ler. Com o tempo, tomou gosto por ambos.

A honraria Honoris Causa, que significa “por causa de honra”, é concedida independentemente da instrução educacional a quem se destacou por suas virtudes, méritos ou atitudes. O agraciado passa a desfrutar dos mesmos privilégios daqueles que concluíram um doutorado acadêmico convencional.  No Brasil, cada instituição de ensino superior define pelo regimento interno quem receberá o título, tendo sido a UFRJ uma das primeiras instituições a concedê-lo, em 1921.

 

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Iniciativa como essa é que eu defino como desromantização da reencarnação. É uma forma de se reconhecer as pesquisas desenvolvidas por Allan Kardec, que resultou na constituição da Doutrina Espírita e fundou a Era do Espírito.

Muito embora as potencialidades inatas de Carolina só viessem ser reconhecidas no pós-morte, não deixam de ser sinal daquilo que o reconhecimento da reencarnação, como lei biológica, promoverá no futuro.

As evidências científicas são patentes para que a reencarnação já seja aceita como lei natural, no contexto daquilo que Amit Goswami define como física da alma.

O Projeto Zero de Harward Gardner é dirigido ao aluno que ao compreender, possa pensar, agir e sentir a partir do que assimilou. Abraçando as individualidades do estudante, poder-se-á alcançar aprendizados significativos e contribuir para a formação de um cidadão preparado para os desafios do presente.

Os pesquisadores descobriram que, até a idade de quatro anos, quase todas as crianças se acham no nível de gênio em termos dos múltiplos esquemas de inteligência citados por Gardner – espacial, cinestético, musical, interpessoal, matemático, intrapessoal e linguístico. Por volta dos 20 anos, a percentagem de pessoas classificadas como gênio cai para 105 e, acima dessa idade, não vai além de 2%.

Os resultados não foram satisfatórios pela impossibilidade de uma tomada de consciência, que calasse A Voz do Julgamento, que somente pela pré-existência do ser favoreceria esse reconhecimento, naquilo que Platão advertiu: aprender é recordar.

Jesus tratou dessa Voz quando advertiu que ninguém é profeta em sua terra – Mt, XII:54-58.

Kardec, com a visão imortalista, trata desse assunto em A Gênese, ampliando essa visão de Jesus:

 

“Tal tem sido e tal será a história da humanidade, enquanto os homens não compreenderem sua natureza espiritual e não houverem alargado seu horizonte moral; também este preconceito é próprio dos espíritos estreitos e vulgares, que tudo medem por sua própria personalidade.”

 

            Compreende-se que no contato da vida privada se vê, demasiado o homem material, que nada distingue do vulgar. E Kardec sentencia: “O homem corporal, que impressiona os sentidos, apaga quase o homem espiritual, que apenas impressiona o Espírito; de longe, apenas se percebem os brilhos do gênio; de perto, vê-se o repouso do Espírito.”

            O caso de Carolina é um perfeito exemplo desse preconceito a que Jesus se expressa no seu contexto social, em referência à sua individualidade, que ainda permanece e só desaparecerá com o reconhecimento da reencarnação como lei natural. Entretanto, sinais animadores como os de Carolina – mesmo pós-morte –, não deixam de ser importantes e não passaram ao largo na análise de Kardec. Leia-se:

 

“A posteridade é um juiz desinteressado que aprecia a obra do Espírito, aceita-a sem entusiasmo cego se ela for boa, rejeita-a sem ódio se ela for má, feita abstração da individualidade que a produziu.”

 

No movimento espírita brasileiro (MEB) as coisas não são muito diferentes, até podem ocorrer de forma mais aguda. A romantização da reencarnação se situa em quem e o que se foi em uma existência pretérita. A absurda questão da alma gêmea e os condicionantes da lei de causa em efeito são limitados ao contexto familiar. Claro que algumas dessas situações não deixam de ser pertinentes.

As realizações dos eventos públicos com palestrantes se constituem uma verdadeira apologia aos conceitos academicistas. A Voz do Julgamento é patente e poderosa no MEB.

Qualquer ideia lançada por alguém, seja escrita, falada, defendida, mesmo doutrinária, no círculo do seu conhecimento, por mais original que seja, não é aceita, pois se um médium ou escritor espírita não a defendeu, ela não tem validade.

Determinada casa espírita na região Sul do País realizava eventos doutrinários para o público recorrendo aos expositores locais, inclusive da própria casa. e tinha públicos recordes devido os preços serem acessíveis ao público em geral. Com o boom dos megaeventos espíritas no Brasil a casa começou a importar palestrantes médiuns ou de renome o que elevou o preço e afastou o público já fidelizado, passando a frequência ser muito abaixo do que era antes, uma redução em torno de 45%. Vê-se que trouxe-se a cultura do mundo para o movimento espírita, quando deve ser o contrário. A reencarnação foi negada pelos próprios espíritas e a divulgação espírita prejudicada. Tanto na cidade como na própria promotora dos eventos dispunha e dispõem de bons expositores.

Recentemente uma federativa estadual lançou curso para lideranças espíritas orientado para a temática de diversidade de gênero e a responsabilidade social na inclusão de pessoas com deficiência nas casas espíritas. Ora, a reencarnação não já explica isso? Elencava os doutos facilitadores e todas as suas capacidades academicistas. 

Em outra direção tem-se as associações de médicos, magistrados, psicólogos, delegados espíritas, que na maioria não frequenta os centros espíritas por um suposto baixo nível cultural .

Tudo isso faz lembrar Allan Kardec ao se vangloriar que na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas o príncipe se sentava ao lado do operário.

A realidade do Espírito, como um ser imortal, pré-existente, viajor no tempo na esteira das vidas sucessivas, submete a uma inversão radical a escala de valores da Civilização.

Allan Kardec coloca em sua flâmula de vida a tríade: Trabalho, Solidariedade e Tolerância.

A tolerância, segundo Comte-Sponville, é a renúncia de uma parte do seu poder, de sua força e de sua cólera... A tolerância só vale contra si mesmo, e a favor de outrem. Por essa e outras definições, até para o próprio Kardec, tolerância se configura, no entender do articulista, como a virtude da reencarnação.

Ora, há seres mais melindrosos do que o espírita? O melindre campeia todas as relações tanto institucionais como sociais no contexto espírita.

O Espírito Emmanuel, no capítulo 36 da obra O Espírito da Verdade, classifica-a como alergia moral, expressão de má vontade e que transpira incoerência. Ele demonstra que o espírita, agindo com o melindre, que é filho do orgulho, julga-se mais importante que o Espiritismo. Ele cataloga situações corriqueiras vivenciadas nas instituições espíritas.

Nessa ruptura civilizatória entre conservadores e progressistas no contexto espírita, é uma demonstração inequívoca do desconhecimento, da parte de alguns, do que sejam os condicionantes progressistas que a reencarnação conduz. A pauta civilizatória a qual está pendente nessa divisão, como LGBT, racismo, xenofobia, misoginia, necropolítica, nacionalismo e família, aprofunda-se no meio social.

É necessário se consolidar a cultura espírita sedimentada na imortalidade do Espírito e nas vidas sucessivas no contexto espírita e se assumir a condição de ser pensante; livre pensador como bem definiu Kardec. A partir da singularidade de cada ser, construirmos a unicidade do espírita consciente das suas responsabilidades no cenário brasileiro.

 

           

Referências:

CONTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

GOSWAMI, Amit. A física da alma. São Paulo: ALEPH, 2005.

KARDEC, Allan. A gênese. São Paulo: LAKE, 2010.

SENGE; et al. Presença. São Paulo: Cultrix, 2007.

XAVIER, Francisco C. Espírito da verdade. Rio de Janeiro: FEB, 1961.

 

Site:

<https://vermelho.org.br/2021/02/26/carolina-maria-de-jesus-a-bitita-e-doutora/>.

 


2 comentários:

  1. Não sabia desses detalhes sobre a vida da Carolina de Jesus.

    De qualquer forma, realmente temos uma dificuldade com essa romantização da reencarnação por conta das histórias contadas por Chico, Divaldo, Yvonne, Zilda e outros médiuns, relatando alguns casos históricos - ainda que sobre algumas pairem dúvidas. É preciso entender o processo e a lei.

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  2. Caro Filipe!
    A reencarnação provoca profundas transformações em todas as áreas do conhecimento humano. Veja que Ian Stevenson se dedicou a pesquisa sobre a reencarnação par promover a paz no mundo, obviamente, que essa paz é realizada no homem.Jorge Luiz

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