segunda-feira, 13 de maio de 2019

A PRECE




No ano de 1981, Gilberto Gil lançou a canção “Se eu quiser falar com Deus”, numa enigmática cartilha que desafia à reflexão, passados tantos anos daquele lançamento. Nas entrelinhas falar com Deus infere “ficar a sós”, “apagar a luz”, “calar a voz”, “encontrar a paz”, “soltar os nós da gravata, dos sapatos, dos desejos e receios” e assim vai estabelecendo os passos do chamado, segundo o autor. Bem diferente do que se apregoa na militância religiosa, onde falar com Deus  exige a formulação de uma lista de pedidos para alcançar o fim que, para o autor seria uma disposição para efetivamente iniciar o contato. Significa que, na canção, falar com Deus requer um preparo, o que na outra visão não é necessário.

          Allan Kardec trata do tema em O Livro dos Espíritos (com desdobramento nas demais obras da Codificação), quando discute a Lei da Adoração (Da Prece - cap. IV da terceira parte, q. 658 a 666). Nesse capítulo o Codificador chama a atenção, como comentário ao item 666, que  “Deus age segundo unicamente as leis de sua natureza, sem ser constrangido por ninguém” dando a Espinosa (Proposição XVII – da “Ética”) os créditos dessa sentença. Dentre outros aspectos questiona a respeito do seu caráter geral (q. 659) e obtém como resposta: “A prece é um ato de adoração. Fazer preces a deus é pensar nele, aproximar-se dele, pôr-se em comunicação com ele. Pela prece podemos fazer três coisas: louvar, pedir e agradecer”.
          Na prática, o caminho é individual, como sempre. A comunicação é pessoal e intransferível e, como força de compreensão, é uma via em dois sentidos. Deus É. Logo não muda e assim a iniciativa de movimento não pode será Dele em direção de cada um e sim de cada um em Sua direção. É o preparo pessoal que efetiva a ligação pretendida, pois Deus sempre está pronto. “Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom” (LE q. 13). Jesus ensinou (Mateus VI; 6): “Tu, porém, quando orares, vai para teu quarto e, após ter fechado a porta, orarás a teu Pai, e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará plenamente”.
          O mundo precisa de preces. Da pessoa que faz a prece em benefício do mundo é requerida uma preparação. Prece é inundação de bênção, é enlevo, é manancial de boas intenções, é compaixão, é entrega, é esperança, é incondicionalidade, é sincera verdade. Antena com Deus só sintoniza se o pensamento representar nudez da alma, salto na plenitude.
          Alcançar Deus pela oração significa estar além das palavras, embora seja a palavra o veículo que transporta a prece verbal. A verdadeira prece, no entanto é esculpida antes de se tornar sonora, no vazio de nosso silêncio profundo, quando mostramos a identidade do que somos, acima da crítica do mundo e plena de autocrítica.
          Quisera pudéssemos ver o espetáculo de uma prece que consegue alcançar a finalidade mística a que se propõe... O mergulho em Deus. Momento solene em que a criatura reverencia o Criador. Esplendor da manhã, magia de abrir de uma flor, beleza do entardecer, emoção do sorriso de uma criança, maviosidade do canto de um pássaro, deslumbre de uma estrela cadente. Poesia e mágica, o encontro do homem com Deus pela prece.      

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