Segundo Leon Denis, o sentimento de cultuar os
mortos foi moldado a partir de época bem remota e está sedimentado em quase
todas as tendências religiosas. Para o autor de “Depois da morte” a comemoração
dos mortos é um legado dos celtas. Porém os gauleses “em vez de comemorar nos
cemitérios, entre túmulos, era no lar que eles celebravam a lembrança dos
amigos afastados, mas não perdidos, que eles evocavam a memória dos espíritos
amados que algumas vezes de manifestavam por meio das druidisas e dos bardos inspirados".
[1]
Assim, não veneravam os restos cadavéricos, mas
a alma sobrevivente, e era na intimidade de cada habitação que celebravam a
lembrança de seus mortos, longe das catacumbas, diferentemente dos povos
primitivos. A Festa dos Espíritos era de suma importância para eles, pois
homenageavam Samhain, "O Senhor da Morte", festividade, essa,
iniciada sempre na noite anterior a 1º de novembro, ou seja, no dia 31 de
outubro.
Os romanos expulsaram e destroçaram os druidas
impondo o famigerado “cristianismo clérigo” (ou colérico ?). Esse período
histórico de frenética agitação, mais tarde foi mutilado pelos bárbaros,
sobrevindo uma madrugada de dez séculos (a indigesta Idade Média), que
proscreveu o espiritualismo e entronizou a superstição, o sobrenatural, o
milagre, a beatificação, a santificação e o decisivo entorpecimento da
consciência humana.
A história oficial da Igreja romana registra
que foi no Mosteiro beneditino de Cluny, no sul da França, no ano de 998, que o
Abade Odilon promovia a celebração do dia 2 de novembro, em memória dos mortos,
dentro de uma perspectiva catolicista. Somente em 1311 foi sancionada, em Roma,
oficialmente, a memória dos falecidos, porém foi Bento XV quem universalizou
tal celebração, em l915, dentre os católicos, cuja expansão da religião
auxiliou, ainda mais, a difusão desse costume.
A legislação vigente no Brasil estabelece o dia
2 de novembro como feriado nacional, para que as pessoas possam homenagear seus
“mortos”. Obviamente devemos respeitar os desencarnados como um impositivo do amor
e da fraternidade, sem que precisemos consolidar esses nobres sentimentos
diante dos túmulos, nem que nossas lembranças ou homenagens sejam realizadas em
um dia especial, oficialmente estabelecido.
Nos dias de hoje, essa celebração se desviou, e
muito, do ritual “religioso”, transportando-se do foco sentimental e emocional
para o mercantil, uma vez que a comercialização de flores, velas, santinhos,
escapulários e a eventual preocupação para a conservação dos túmulos
(normalmente, só são lembrados em novembro) respondem por esse protocolo
social.
O esplendor dos túmulos fúnebres determinada
por parentes que desejam honrar a memória do falecido, ainda compõem o cardápio da soberba e orgulho
dos parentes, que psicologicamente visam primeiramente “honrarem-se” a si mesmos. Nem sempre é pelo
“finado” que se fazem todas essas demonstrações, mas por empáfia, por apreço ao
mundo e à vezes para exibição de riqueza. Ora, é inútil o endinheirado
aventurar-se em eternizar a sua memória por meio de magnificentes mausoléus.
Recebemos sábias lições dos Benfeitores sobre
funerais e celebração em memória dos "mortos", senão vejamos: os
Espíritos Superiores afirmam que os chamados "mortos" são sensíveis à
saudade dos que os amavam na Terra e que, de alguma forma, " a sua
lembrança aumenta-lhes a felicidade, se são felizes, e se são infelizes,
serve-lhes de alívio."[2]
Porém, em se referindo ao dia dos
"finados", atestam que é um dia como outro qualquer, até porque os
espíritos são sensíveis aos nossos pensamentos, não às solenidades humanas. No
dia dos finados eles só " reúnem-se em maior número, porque maior é o
número de pessoas que os chamam. Mas cada um só comparece em atenção aos seus
amigos, e não pela multidão dos indiferentes."[3]
A tradicional visita ao túmulo, em massa, não
significa que venha trazer satisfação ao "morto", até porque uma
prece feita em sua intenção vale mais. É bem verdade que a " visita ao
túmulo é uma maneira de manifestar que se pensa no Espírito ausente: é a
exteriorização desse fato (...) mas é a prece que santifica o ato de lembrar;
pouco importa o lugar se a lembrança é ditada pelo coração. "[4]
Conhecemos pessoas (aliás muitas delas) que solicitam, antes mesmo de morrerem,
que sejam enterradas em tal ou qual cemitério. Essa atitude, sem sombra de
dúvida, demonstra inferioridade moral. "O que representa um pedaço de
terra, mais do que outro, para o Espírito elevado?"[5]
Reflitamos juntos: o dia de “finados” é
consagrado aos falecidos libertos ou aos mortos que ainda estão jungidos à vida
material? Existem duas possibilidades de mortos: os que se sentem totalmente
livres do arcabouço carnal, porém "vivos" para uma vida espiritual
plena, e os que permanecem com a sensação de que, ainda, estão encarnados,
porém "mortos" para a vida física, pois somente vivenciam, na
espiritualidade, a vida animal. " Para o mundo, mortos são os que despiram
a carne; para Jesus, são os que vivem imersos na matéria, alheios à vida
primitiva que é a espiritual. É o que explica aquele célebre ensinamento evangélico,
em que a pessoa prontificou-se a seguir o Mestre, mas antes queria enterrar seu
pai que havia falecido, e Jesus conclamou" [6] - "Deixai aos mortos o
cuidado de enterrar seus mortos, tu, porém, vai anunciar o Reino de
Deus".[7]
É óbvio que "faz sentido rememorar com
alegria e não lastimar os que já partiram, e que estão plenamente vivos.
Finados é uma mistura de alegria e dor, de presença-ausência, de festa e
saudade. Aos que ficamos por aqui, cabe-nos refletir e celebrar a vida com amor
e ternura, para depois, quiçá, não amargar no remorso. Aos que partiram, nossa
prece, nossa gratidão, nossa saudade, nosso carinho, nosso amor!" [8]
Se formos capazes de orar, com serenidade e
confiança, transformando a saudade em esperança, sentiremos a presença dos parentes
e amigos desencarnados entre nós, envolvendo-nos o coração com alegria e paz.
Por esta razão e muitas outras, façamos do dia
2 de novembro um dia de reverência à vida, lembrando carinhosamente os que nos
antecederam de retorno à pátria espiritual, e também os que conosco ainda
jornadeiam pelos caminhos da existência terrena.
Referências
bibliográficas:
[1]
Denis, Leon. O gênio céltico e o mundo invisível. Rio de Janeiro: Ed.CELD.
1995. p. 180
[2]
Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, Perg. 320
[3]
______, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, Perg. 321
[4]
______, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, Perg. 323
[5]
______, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, Perg. 325
[6]
Disponível em http://www.feal.com.br/colunistas.php?art_id=6&col_id=9>;
acessado em 26/10/2015
[7]
Lucas 9: 51-62
[8]
Editorial do Jornal Mundo Espírita – novembro 2006
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