quarta-feira, 26 de julho de 2017

RESSENTIMENTOS¹



 
Há situações em que a mente desiste de seguir o rumo da existência e estaciona com o olhar voltado para o passado. Geralmente o fato sucede quando uma trama de importante valor emocional atinge a vida de uma pessoa em sua relação de amizade, a qual perde o compasso por ter sido atingida no núcleo do sentimento. Gera-se então o ressentimento. Condição de difícil manobra o ressentimento é resultado de um ataque do inesperado ao senso de confiança e afetividade deflagrando uma sensação de choque que pode ter cura demorada. Algumas desavenças afetivas chegam a transpor ao sepulcro e retornam em outras existências, como assinalam os relatos de além-túmulo em psicografias diversas.

Visto com simplicidade, o que não significa facilidade, o perdão é a cura definitiva para o problema. Ocorre que esse passo não assim é tão banal. Pode até parecer para quem avalia de fora a questão. Ora, para que nasça o ressentimento (ferida no afeto) é necessário o sentimento (afetividade, entrega) existir, pois não se guarda dor diante do ato a quem se tem indiferença, e quanto mais intenso aquele for maior o abalo que se pode sofrer. O Espírito nem sempre está preparado para essa dor e se entrega ao desespero do carregar sobre si essa nódoa mental.
O aprendizado que nos leva à percepção da atitude hostil do outro como algo que só a ele compete sofrer é uma estrada que se aprende a duras penas e exige maturidade espiritual para se alcançar. Por regra julgamos que, ao esperar uma ação e receber outra, se deve condenar a falta de sensibilidade de quem a praticou inocentando a própria posição quanto ao ocorrido. Complicado entender que o outro que ofende abre uma chaga na sua história, mas quando nos ressentimos a escolha é pessoal, ou seja, consentimos em carregar o fardo da decisão do outro.
É isso que os Mentores da Codificação respondem a Allan Kardec em O Livro dos Espíritos (q. 295): “Que sentimento experimentam, após a morte, aqueles a quem fizemos mal neste mundo? — Se são bons, perdoam, de acordo com o vosso arrependimento. Se são maus, podem conservar o ressentimento, e por vezes vos perseguir até numa outra existência. Deus pode permiti-lo, como um castigo”. Anteriormente (q.293) perguntados se desafetos enquanto encarnados guardam ressentimentos pós-morte, a resposta é incisiva: “Não; compreenderão que sua dissensão era estúpida e o motivo, pueril...” ao que Allan Kardec comenta: “Da mesma maneira que dois escolares, chegando à idade da razão, reconhecem a puerilidade de suas brigas infantis e deixam de se malquerer”.
O que nos leva ao ressentimento verdadeiramente é esperar do outro o que parece que ele não pôde nos dar, assim como nos faltar o controle de toda a sinceridade que há em nossa relação com o outro. A sinceridade em uma relação nos leva ao conhecimento, antes mesmo de um ocorrido, do seu prenúncio e aí não há surpresas. Se formos tomados pela má fé de alguém, que pena. Cabe ao outro levar consigo as consequências disso. É possível resumir a idéia como ensina Francisco de Assis na oração, da qual lhe foi dada autoria: “... consolar que ser consolado, compreender que ser compreendido, amar que ser amado...”. Fugir do ressentimento evita o estacionamento no passado e projeta a vida para o futuro.   

¹ editorial do programa Antena Espírita de 23.07.2017
  

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