Por Dora Incontri (*)
Neste ano, (1989) fui convidada para
participar como jurada do V Concurso de Poesia Espírita, promovido pela Arte
Poética Castro Alves. Aproveito a ocasião para explicar ao leitor e a aqueles
que concorreram com seus poemas, quais os critérios usados para a escolha dos
melhores. E, ao comentar esses critérios, estarei ao mesmo tempo tocando alguns
traços fundamentais do que vem a poesia espírita. Atualmente, os que são
espíritas e artistas, estão buscando criar uma "Estética espírita" e
toda discussão a respeito vem a calhar. Um concurso como esse proporciona a
reflexão sobre o tema.
Um dos fatos fundamentais da Arte Espírita é
que artistas não são apenas uma meia dúzia de gênios privilegiados. Todos os
seres humanos, como herdeiros da divindade, têm um grande potencial de
criatividade e expressão artística. Basta observar que, quando estimuladas, as
crianças produzem poesias, quadros e até música com facilidade. Prova disto
também é a quantidade de pessoas que participam de um concurso como este (177)
e os muitos poemas de qualidade que recebemos.
CINCO
CRITÉRIOS POSSÍVEIS
1o) Um dos mais importantes critérios de uma
boa poesia, no meu entender, é a sua coerência de ideias. Trata-se da
capacidade do autor em transmitir uma ideia ou um sentimento. Arte é uma forma
de comunicação e, por isso, deve alcançar a alma do receptor com uma mensagem,
com uma sensação, com uma imagem...Digo isto, porque há pessoas, que a pretexto
de originalidade, despejam no papel um amontoado de palavras sem nexo, sem
ligação entre si. Ao se terminar a leitura de um poema como este, não se tem
nenhuma sensação, a não ser de vazio. Penso também que um hermetismo ou um
simbolismo exagerado não cabem bem a uma poesia espírita. Já que a nossa é uma
Doutrina racional, clara e simples, não devemos tornar a nossa Arte indigesta,
difícil e inacessível.
2o) Clareza e simplicidade, porém, não
significam de jeito nenhum pobreza, banalização ou lugar comum. O que
caracteriza qualquer obra de Arte, espírita ou não, é a originalidade. Eis aí o
segundo critério. Fazer poesia é se expressar de forma única, pessoal e inédita
– e é isto que provoca o que se chama de prazer estético. Quando lemos algo
dito de maneira bonita e diferente, experimentamos aquilo que é específico da
Arte, um sabor de originalidade e subjetividade. O artista não deve apenas
saber expressar uma ideia, um sentimento, mas deve saber expressá-los a seu
modo. Seu ser tem de transpirar das palavras. O leitor tem de captar a sua
alma.
3o) Acontece que há muita originalidade na
Arte antiga e contemporânea que não passa nem perto de uma proposta espírita de
Arte. Mensagens sombrias, niilistas, sensações de horror e desânimo, linguagem
rasteira e conteúdos de erotismo desvairado e desequilíbrio existencial... Tudo
isso pode ser expresso de forma original. Uma das especificidades da Arte
Espírita deve ser a elevação de ideias. E esse foi o terceiro critério adotado para
a análise das poesias no concurso. Que quer dizer isso? Deve perpassar pela
obra espírita, um élan otimista, uma confiança serena, uma segurança
existencial, uma fortaleza, uma pureza moral, que são característicos da visão
espírita de mundo. Não que o artista deva se forçar a sentir tudo isto. Mas se
ele for espírita de verdade, sentirá naturalmente. A Arte Espírita não pode
rastejar no desequilíbrio, no desespero, na aclamação do tétrico, mas deve abrir
a alma para o infinito, deve transcender o terra à terra, para uma visão mais
sublimada da dor, da morte, da existência, do universo...
4o) Intimamente ligado a este critério acima,
está o aspecto de fidelidade ao Espiritismo, que também deve necessariamente
caracterizar a Arte espírita. O conteúdo de uma poesia espírita não pode
contrariar os princípios fundamentais da Doutrina. Mas é preciso cuidado.
Fidelidade à essência do Espiritismo não quer dizer que a poesia deva ser uma
doutrinação, um catecismo, uma exposição racional de princípios, porque então
deixa de ser poesia, para ser filosofia rimada. Quer dizer que o artista,
plenamente convencido dos postulados do Espiritismo, compreendendo-os e
sentindo-os com a mente e com o coração, vai expressar suas vivências, suas
emoções, transformados e elevados pela dimensão espírita.
Quer dizer então que a Arte espírita não pode
tratar de problemas e sentimentos humanos, dos quais fazem parte a tristeza, a
tragédia, a saudade, a sensualidade? Deveríamos fazer, então, uma Arte de
anjos, se ainda não somos anjos? Não, não é isto. Mesmo porque a Moral espírita
nos pede apenas que sejamos homens de bem, enquanto não chegamos à estatura de
anjos. Mas é que filtrados pela visão espírita, os problemas, as tragédias, as
dores humanas adquirem uma cor menos dramática, uma finalidade otimista, pois
sabemos que todos caminham para o Alto, que todo mal é passageiro e que o Bem é
a realidade substancial da vida e de nós mesmos. É isso que a Arte espírita
precisa proclamar.
5o) Afinal, o último critério adotado, com
menos rigor por se tratar de um concurso de poesia amadora, é o da técnica
poética. Cada Arte tem suas técnicas próprias e são elas que pressupõem
um aprendizado e um treino. É verdade que muitos já nascem de posse de certas
técnicas. Mas, então, trata-se certamente de uma aprendizagem realizada em
outras vidas.
Alguns
detalhes técnicos
Fazem parte da técnica a poética, o ritmo, a
síntese, a opção entre versos livres ou metrificados, a opção por rimas etc.
1) Toda poesia deve ter um ritmo. No caso da poesia
metrificada, cada verso tem um número certo de sílabas poéticas e o
ritmo se dá de acordo com este número. Por exemplo, em versos de 7
sílabas, as possibilidades rítmicas são maiores: (Contam-se 7 sílabas até a última
sílaba tônica).
"An/te a/
pas sa/gem/ do/ tem/(po) (1a, 4a e 7a)
Re/gis/tra o/
va/lor/ do a/go/(ra) (2a, 5a e 7a)
Na/ bên/ção/ de/
mei/a/ ho/(ra) (2a, 5a e 7a)
Quan/to/ bem/ a/
rea/li/zar" (1a, 3a e 7a)
(Versos
de Maria Dolores/ Psicografia Chico Xavier)
Já
em versos decassílabos, as regras
são mais rígidas. A acentuação tônica só pode ser na 6a e 10a ou na 4a, 8a e
10a. Assim
"Dei/xa-/nos/
sob/ o/ ju/go/ de/ Teus/ la/(ços)
Dá-/nos/ a/
bên/ção/ de/ se/guir-/Te os/ pa/(sos)
Pa/ra o A/mor/
I/mor/tal/ da/ No/va/ E/(ra)!
(Versos
de Auta de Souza/ Psicografia Chico Xavier)
2) Nos
versos livres, onde não há um número fixo de sílabas poéticas, o ritmo tem
de ser criado pelo autor. Pode parecer mais fácil, à primeira vista, mas é
preciso desenvolver uma espécie de "ouvido poético", para que os
versos não saiam descompassados, sem fluência rítmica. Vai aqui um exemplo.
Primeiro ponho alguns versos meus, onde penso haver essa fluência. Depois, estrago-os,
propositadamente, para mostrar a diferença:
"Quando
meus olhos se perdem das coisas e andam ao vento,
cravo a mente no
que não passa e me contento."
"Quando
tenho meus olhos elevados acima das coisas
andando assim ao
vento
cravo a mente no
que não é passageiro e me contento."
Faz parte também um poder de síntese, que é
próprio da poesia. Ela não pode ser repetitiva, alongar-se em palavras inúteis.
É preciso saber enxugá-la, usando o mínimo necessário para dizer o máximo. A
poesia muito palavrosa perde a força de expressão. Por isso, entre os poemas
metrificados, o soneto é tão apreciado: é preciso colocar em 14 versos, uma ideia
completa e bem elaborada.
A rima pode ou não ser usada numa poesia. Mas
se adotada, deve ser bem posta. Num poema metrificado, ela deve aparecer no
lugar certo. Nos versos livres, a criação é do autor, mas não pode ser uma rima
ocasional que aparece de vez em quando e o resto do poema fica em versos
brancos.
Há muitos outros detalhes que as pessoas que
realmente desejam se tornar poetas devem estudar e exercitar, a fim de se
sentirem à vontade para expressar suas ideias poeticamente.
(*) educadora, jornalista e escritora
brasileira; autora de mais de 20 obras publicadas, dentre elas livros didáticos
de filosofia e ensino inter-religioso.
Artigos da Dora publicados pelo Canteiro de Ideias: Uma beleza!
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