sexta-feira, 15 de junho de 2018

TOLERÂNCIA RELIGIOSA TEM LIMITE?


"Não pronunciarás o nome do senhor, teu Deus, em vão"
(Exôdo, 20:7)
          



Em 1980, uma herança destinada aos Testemunhas de Jeová foi negada pela administração departamental do Governo Francês. O grupo recorre por duas vezes, mas não consegue êxito. A decisão foi fundamentada em razão dos fins ou natureza de certas entre elas, o caráter de uma association cultuelle (associação com fins religiosos). Observa-se uma decisão fundamentada em tolerância religiosa.
Em 1985, o Brasil assistiu uma cena de intolerância religiosa praticada por um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, quando no feriado dedicado a Nossa Senhora Aparecida – 12 de outubro. No ato, o religioso destilava críticas protestantes à “idolatria católica”, na medida que usava os pés e as mãos contra a imagem, cujo episódio ficou conhecido como o “chute da santa.” Tantos outros se sucedem, como até vídeos que “viralizaram” nas redes sociais onde “líderes religiosos” ensinam, até em tom de zombaria, como tirar dinheiro dos fiéis.

As questões que envolvem a liberdade religiosa, amparada pelo Artigo 5º, VI, da Constituição Federal Brasileira, oferece nuanças diversas principalmente pela relação modernidade e religião. Na atualidade, debates acerca da “liberdade religiosa” ocorrem até mesmo em países que pareciam ter pacificado o problema, como são os casos de Brasil e França.
Fatos dessa natureza são suficientes para levar muitos espíritas a agirem com excesso de zelo nas abordagens acerca dessa temática, quer seja fora ou dentro da casa espírita, o que é até certo ponto, perfeitamente compreensível.
Sobre o assunto, há um posicionamento solene da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas de Paris, inserto na Revista Espírita, março de 1863, presente uma mensagem do Espírito de Jesus, filho de Deus, evocado com propósitos únicos apresentando perguntas mais delicadas sobre os dogmas da Igreja Católica. A mensagem foi comunicada através de uma carta enviada ao Sr. Allan Kardec.
Na decisão está assentada a seguinte orientação:


“(...)o fim essencial do Espiritismo é a destruição das ideias materialistas e o melhoramento moral do homem; que ele não se ocupa, absolutamente, de discutir os dogmas particulares de cada culto, deixando sua apreciação à consciência de cada um; (...) O dever dos verdadeiros espíritas, dos que compreendem o fim providencial da doutrina, é, antes de tudo, dedicar-se a combater a incredulidade e o egoísmo, que são as verdadeiras chagas da Humanidade, e a fazer prevalecer, tanto pelo exemplo quanto pela teoria, o sentimento de caridade, que deve ser a base de toda a religião racional, e servir de guia das reformas sociais.”

Inquestionável a resposta da Sociedade à provocação recebida, o que serve para nortear a postura dos espíritas diante dos temas abordados.
Em O Livro dos Espíritos, questão nº 842, os Espíritos Reveladores respondem que a melhor doutrina é aquela que estimula a prática da lei de amor e caridade na sua maior pureza e aplicação mais ampla, para depois concluírem:

“(...) pois toda a doutrina que tiver por consequência semear a desunião e estabelecer divisões entre os filhos de Deus só pode ser falsa e perniciosa.”

A questão acima é por demais elucidativa, pois estabelece a diferença essencial entre religião e seita. É preciso que haja esse entendimento para que se possa interpretar melhor o status religioso no mundo.
Constatações, seguidas de reflexões fazem-se necessárias para esse entendimento:

·       Relatório do estudo anual (2015), realizado pela Pew Research Center, as restrições governamentais à religião aumentaram na maioria dos países;
·       Quando a restrição vem do estado (quando o governo restringe as atividades religiosas ou quando favorece uma ou mais religiões), o crescimento econômico é mais acelerado;
·       Estudo revela extinção das religiões na Europa, berço do Cristianismo;
·       Prolifera no mundo o espírito de seita;
·       Fanatismo religioso;
·       A Revista Forbes listou cinco pastores brasileiros dentre as maiores fortunas do Brasil;
·       Os fiéis passam a ser consumidores em potencial;
·       Nas economias mais desenvolvidas, o número de descrentes é crescente. Na Suécia, por exemplo, o índice chega a 64% da população, seguida por Dinamarca (48%), França (44%) e Alemanha (42%).
·       Individualização da crença.

Tudo isso faz lembrar a célebre frase de Jean-Jacques Rousseau:

“Todos os crimes do clero, como alhures, não provam que a religião seja inútil, mas que muito pouca gente tem religião.”

          As religiões estão morrendo como morreram tantas outras através das civilizações. Exemplos: Vedismo, Caneismo, Atenismo, Mitraísmo, Maniqueísmo. As seitas proliferam e também desaparecerão, pois ambas são criações dos homens.
          João Henrique Pestalozzi, grande mestre de Allan Kardec, citado pela professora Dora Incontri, em sua obra Ética e Educação, afirma:

“(...) se o homem vê o erro da superstição e a fraude da religião do Estado, e vê que isso está de fato impedindo a verdadeira religião e o enobrecimento da sua geração, então não só lhe é permitido, mas é um dever, mostrar a corrupção de tal religião, mas evidentemente de uma forma que não fira a essência da religião, mas do que o seu desvio está ferindo.”  (grifos nossos)

          A maioria dos jovens europeus não se interessa por religião. O número mais elevado de jovens afastados das religiões está em países como República Checa (91%), Estônia (80%) e Suécia (75%), segundo pesquisa realizada pelo Centro Bento XVI para a religião e sociedade. No Brasil o número de pessoas com menos de 20 anos que dizem não seguir nenhuma religião está crescendo três vezes mais rapidamente do que entre as pessoas com mais de 50 anos, sendo que 9% dos jovens brasileiros dizem não pertencer a nenhuma religião.

          Ouça-se o Espírito São Luis, no capítulo X, item 21, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, quando indagado por Kardec se há casos em que seja útil descobrir o mal alheio:

“Esta questão é muito delicada, e precisamos recorrer à caridade bem compreendida. Se as imperfeições de uma pessoa só prejudicam a ela mesma, não há jamais utilidade em divulgá-las. Mas se elas podem prejudicar a outros, é necessário preferir o interesse do maior número ao de um só. Conforme as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode ser um dever, pois é melhor que um homem caia, do que muitos serem enganados e se tornarem suas vítimas. Em semelhante caso, é necessário balancear as vantagens e os inconvenientes.”

         


E Jesus, Mateus 7:15-16:
“Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores. Por seus frutos os conhecereis. Porventura, colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos?”

          A tolerância como virtude tem limite, não é ilimitada como o amor, seja em qualquer situação. André Comte-Sponville, filósofo materialista francês, atesta que uma tolerância universal seria condenável: porque esqueceria as vítimas, porque as abandonaria à sua sorte, porque deixaria perpetuar-se seu martírio. Uma tolerância infinita, diz ele, seria o fim da tolerância e a perpetuação da intolerância, considerando que quando apontamos a intolerância, também estamos sendo intolerante.
          Democracia não é fraqueza. Tolerância não é passividade.
          O limite da tolerância acaba quando se depara com o sofrimento e a dor do próximo. Pois se toleramos a injustiça e o horror que não se é vítima, é indiferença, egoísmo, pusilanimidade, hipocrisia, ou pior.
A religiosidade é Estatuto divino e faz parte da lei natural – Lei de Adoração –, por isso se encontra em todos os povos, embora se expresse em diferentes formas. Isso faz o homem gravitar em torno de Deus e para Deus.
          Ora, por ter essa chancela divina a religiosidade, necessariamente, deve e tem que ser defendida, como se defende o aborto, a eutanásia, a pena de morte. Não há nenhum óbice que o expositor espírita ou outro pregador munido de princípios éticos e morais cristãos apontem comportamentos que prejudiquem o desenvolvimento do sentimento de religiosidade, sem que isso se caracterize como intolerância religiosa. Ressalte-se, que tudo isso deve ocorrer sem nominar pessoas ou instituições, pois aí se caracterizará um julgamento, consequentemente, um gesto de intolerância religiosa.
          A religiosidade faz do ser humano um ser teocêntrico, criado por Deus e para Ele converge, pelas experiências do amor A manifestação do sagrado no homem funda ontologicamente o mundo e dele a Humanidade convergirá para as excelências da Vida. Corrompê-la, fraudá-la, malogra o progresso moral das civilizações.

COMTE-SPONVILLE. André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Martins Fortes: São Paulo: 2000;
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. Martins Fontes. São Paulo. 2001;
GIUMBELLI, Emerson. O fim da religião. São Paulo: Attar Editorial, 2002.
INCONTRI. Dora. Pestalozzi – educação e ética. São Paulo: Scipione, 1985.
KARDEC. Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. São Paulo, 1996.
_____________ O livro dos Espíritos. São Paulo: LAKE, 2002.

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