Pular para o conteúdo principal

ESPIRITISMO: CRISTIANISMO REDIVIVO

 


                O termo Cristianismo Redivivo se incorporou ao imaginário dos espíritas brasileiros a partir de três mensagens do Espírito Emmanuel, através da psicografia de Francisco C. Xavier, insertas na obra Caminho, Verdade e Vida.

            A opinião de Emmanuel se circunscreve aos aspectos pertinentes à mediunidade, mas também faz referências à vivência dos postulados do Cristo, abdicando das formas exteriores. Faz menção ao socorro do plano invisível através da cura pelo passe.

            A palavra “redivivo”, no contexto aqui discutido, significa rejuvenescido, remoçado, que se manifestou de novo.

            São compreensivas e justas as opiniões de Emmanuel. Entretanto, tratam-se das ideias de um Espírito, embora caibam, repito. Allan Kardec confirmou a condição do Espiritismo como Consolador Prometido em A Gênese.

            A esse respeito também é concordante Haraldur Nielsson (1868-1928), o grande, justo e iluminado teólogo de Reykjavik, Islândia, em sua obra O Espiritismo e a Igreja, onde ele traça um paralelo entre as assembleias dos primeiros cristãos, como o Apóstolo Paulo relata na 1ª Epístola aos Coríntios, e as reuniões dos espíritas. Assim ele se expressa:

 

“Paulo e os cristãos primitivos acreditavam em uma incessante comunicação com um mundo invisível, mais evoluído do que o nosso. É a mesma comunicação que os espíritas reataram.

                       Elaine Pagels, citando Irineu, nascido no ano 130, padre, teólogo e escritor cristão, oferece mais uma visão do Cristianismo em seus primeiros dias:

  

“Os que são verdadeiramente seus discípulos expulsam demônios de fato. (...) Outros preveem coisas que acontecerão; têm visões e dizem profecias (...) outros, ainda, curam os doentes impondo as mãos sobre eles, que ficam em completa saúde.

Sim, e, além disso, como eu disse, até mortos foram ressuscitados e permaneceram vivos entre nós por muitos anos. O que devo mais dizer? Não é possível dizer quantos dons a igreja no mundo todo recebeu em nome de Jesus Cristo e se os usa todos os dias em benefício das nações, sem enganar ninguém nem aceitar dinheiro algum.”

 Posto isto, fica evidente e indiscutível a condição do Espiritismo como o Cristianismo Redivivo.

É fundamental que os espíritas brasileiros saiam dessa zona de conforto “emmanuelina”, uma vez que ela é limitante diante da grandeza da Doutrina Espírita e seu propósito de, apresentando uma nova visão do homem e do mundo, transformar a humanidade.

Ser cristão àquela época não era só nos aspectos anteriormente citados. Há um caráter revolucionário esquecido do Cristianismo dos primeiros tempos.

Friedrich Engels relata a existência de um grupo de revolucionários, denominado cristãos, que depois de agir nos subterrâneos e de forma secreta, fortaleceu-se de maneira tal que passou a agir à luz do dia. Negava firmemente a vontade do Imperador como lei suprema. Era um movimento que não tinha pátria, era internacional, estendia-se a todo o território do Império.

Vê-se, pois, que os primeiros cristãos combatiam o statuo quo, de maneira veemente, e o movimento era de viés social-democrata. A democracia e o socialismo estão insertos nos ensinamentos de Jesus.

É imperativo que os espíritas entendam que o Cristianismo só conseguiu a sua vitória – religião oficial do Império – quando se tornou precisamente no oposto de seu caráter originário. A vitória da cristandade não foi o proletariado; dos oprimidos, mas do clero que os explorava e dominava; não foi vitorioso pela sua forma subversiva, mas como força conservadora, situação dominante até hoje. A Igreja, como organização cristã, obteve a vitória ao renunciar as suas aspirações primitivas e defender o seu contrário, afirma Karl Kautsky.

Portanto, o socialismo cristão só será vitorioso se o Espiritismo, na condição de Cristianismo Redivivo, reviver esse seu caráter original como sendo um movimento dos pobres, das massas. O Espiritismo necessita resgatar seu caráter redivivo, não tão somente, na concepção de Emmanuel, na relação com o invisível, mas acima de tudo, no caráter dos primeiros cristãos.

Outro fator fundamental que se faz presente é a compreensão fática do que vêm a ser as lutas de classes, muito presentes no seio dessa natureza rediviva. Ela é tão presente nestes dias, como àquela época.

A luta de classes ou ódio de classes ricos/pobres é bem representativo no Evangelho de Lucas (XVI:19 ) onde o rico vai para o inferno e o pobre para o seio de Abraão. O que se evidencia nessa passagem é o fato de o camelo passar pelo fundo de uma agulha e a condenação da riqueza. O que é paradoxal em tudo isso é que as instituições ditas cristãs e uma legião de líderes religiosos acumulam riquezas incalculáveis, em nome de Jesus. E o que é pior, explorando o proletariado. Há, portanto, um apascentamento.

A esse respeito, Otto Maduro, sociólogo venezuelano, atesta que “a estratégia de toda classe dominante a leva a lutar, não só aprofundar, ampliar e consolidar seu poderio econômico, político e militar, mas também, simultaneamente, desenvolver, ampliar e aprofundar seu poder simbólico (moral, educacional, literário, artístico e religioso).

Evidentemente, diante de inversão de valores observáveis, o movimento religioso que se autodenomina fruto do cristianismo, pelo menos no Brasil, é muito difuso. Por si só, este aspecto se mostra bastante heterogêneo, em muitas ocasiões de funções múltiplas e conflitivas. No seio dessa miscelânea, o movimento espírita brasileiro se imiscuiu e vegeta por durante décadas.

Esses e outros aspectos aqui não observados, até pela limitação de espaço, exige uma revisão nas diretrizes do movimento espírita brasileiro nos seus  caracteres institucional e individual.

 

 

Referências:

KARDEC, Allan. A gênese. São Paulo: LAKE, 2010.

KAUTSKY, Karl. A origem do cristianismo. Rio de Janeiro: ABDR, 2010.

MADURO, Otto. Religião e luta de classes. Rio de Janeiro: Vozes, 1980.

NIELSSEN, Haraldur. Espiritismo e igreja. São Paulo: Correio Fraterno, 1983.

PAGELS, Elaine. Além de toda a crença. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

XAVIER, Francisco C. Caminho, verdade e vida. Brasília: FEB, 2008.

 

 

 

 

 

Comentários

  1. Excelente e necessária reflexão.

    Precisamos desfazer as raízes emanuelinas e outras mitologias que se seguiram, cristalizando ideias descabidas e contrárias a o que Kardec nos legou.

    Precisamos estudar os conhecimentos que os historiadores têm conseguido trazer, assim como outras ciências, especialmente as humanas - já que as outras têm sido aceitas sem muito problema.

    ResponderExcluir
  2. Afinal, quais foram as 3 mensagens de Emmanuel citadas no primeiro parágrafo? Senti falta, na indicação bibliográfica, da citação de cada texto/capítulo/item das obras citadas.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DIA DA ESPOSA DO PASTOR: PAUTA PARASITA GANHA FORÇA NO BRASIL

     Imagens da internet Por Ana Cláudia Laurindo O Dia da Esposa do Pastor tem como data própria o primeiro domingo de março. No contexto global se justifica como resultado do que chamam Igreja Perseguida, uma alusão aos missionários evangélicos que encontram resistência em países que já possuem suas tradições de fé, mas em nome da expansão evangélico/cristã estas igrejas insistem em se firmar.  No Brasil, a situação é bem distinta. Por aqui, o que fazia parte de uma narrativa e ação das próprias igrejas vai ocupando lugares em casas legislativas e ganhando sanções dentro do poder executivo, como o que aconteceu recentemente no estado do Pará. Um deputado do partido Republicanos e representante da bancada evangélica (algo que jamais deveria ser nominado com naturalidade, sendo o Brasil um país laico (ainda) propôs um projeto de lei que foi aprovado na Assembleia Legislativa e quando sancionado pelo governador Helder Barbalho, no início deste mês, se tornou a lei...

CONFLITOS E PROGRESSO

    Por Marcelo Henrique Os conflitos estão sediados em dois quadrantes da marcha progressiva (moral e intelectual), pois há seres que se destacam intelectualmente, tornando-se líderes de sociedades, mas não as conduzem com a elevação dos sentimentos. Então quando dados grupos são vencedores em dadas disputas, seu objetivo é o da aniquilação (física ou pela restrição de liberdades ou a expressão de pensamento) dos que se lhes opõem.

OS ESPÍRITAS E O CENSO DE 2022

  Por Jorge Luiz   O Desafio da Queda de Números e a Reticência Institucional do Espiritismo no Brasil Alguns espíritas têm ponderado sobre o encolhimento do número de declarados espíritas no Brasil, conforme o Censo de 2022, com abordagens diversas – desde análises francas até tentativas de minimizar o problema. O fato é que, até o momento, as federativas estaduais e a Federação Espírita Brasileira (FEB) não se manifestaram com o propósito de promover um amplo debate sobre o tema em conjunto com as casas espíritas. Essa ausência das federativas no debate não chega a ser surpreendente e é uma clara demonstração da dinâmica do movimento espírita brasileiro (MEB). As federativas, na realidade, tornaram-se instituições de relacionamento público-social do movimento espírita.

JUSTIÇA COM CHEIRO DE VINGANÇA

  Por Roberto Caldas Há contrastes tão aberrantes no comportamento humano e nas práticas aceitas pela sociedade, e se não aceitas pelo menos suportadas, que permitem se cogite o grau de lucidez com que se orquestram o avanço da inteligência e as pautas éticas e morais que movem as leis norteadoras da convivência social.  

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

      Por Wilson Garcia Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia: