quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

 


6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?

 

Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

 

7. E eles se correspondiam muito?

 

Sim, bastante, quase diariamente.

Então eu comecei a ler, sob intensa emoção, pela importância dos conteúdos nos textos do Chico. É preciso esclarecer que, ao escrever, notei que deveria fazer uma seleção das cartas, assim, no livro consta uma parte, a maior parte, porque ficaria grande demais e poderia ser repetitivo também. Nessa época comecei a ir ao Chico com muita frequência, porque, quando o Presidente da FEB, o Francisco Thiesen, me convidou e expôs qual era o programa, eu disse para ele assim: “Bem, mas eu preciso, primeiro, ir ao Chico para pedir permissão, por que é a correspondência, é uma correspondência particular.” Embora tenha ali muitos ensinamentos contidos em todos aqueles momentos em que ele escrevia para Wantuil de Freitas, eu gostaria então de ir lá para primeiro, pedir permissão.

 

8. Seria correto dizer que o Chico nunca pensou que essas cartas iriam a público?

 

Sim, é correto. É certo, porque ao saber que iria ser condensado em um livro o teor das cartas que enviara a Wantuil – logicamente a parte doutrinária, que tivemos o cuidado de selecionar –, Chico foi logo dizendo que elas não teriam nada que tivesse valor suficiente para constar de um livro. Mas insistimos, até o momento em que ele disse: “Bem, se a FEB crê que as cartas têm algum valor, então estou de acordo e dou a permissão.” Marquei uma data, através do Eurípedes 6, e fui, com amigos.

 

9. Ele achava que não tinha importância?

 

É, ele não achou importante. Dizia que não tinha valor algum doutrinariamente falando. Esclareci para ele o que tinha sido selecionado, e que não ia expor tudo, apenas o que era a parte doutrinária, evitando qualquer coisa pessoal, que eu achasse que não seria oportuno. Não que fosse inconveniente, porque ele não fala nada inconveniente, é se não fosse oportuno. Ele deu a permissão ali naquele momento, mas depois a FEB enviou um documento, porque tinha que fazer isso, então, tem um documento com assinatura do Chico permitindo que as cartas dele fossem divulgadas, fossem tornadas públicas. Em decorrência, eu fui algumas vezes em Uberaba.

Demorei a escrever esse livro porque, com quatro filhos e muitas dificuldades, eu fazia tortas doces, tortas salgadas, bolos de aniversário por encomenda. Quando terminei de fazer os comentários da correspondência, marquei uma data especial, antes de entregar os originais à FEB, para que Chico visse o meu trabalho e aprovasse, dando, assim, a permissão daquilo também que eu estava abordando, comentando.

 

10. Sim, para saber se estava de acordo, não é?

 

Mas, para minha surpresa, Chico marcou para fazer a leitura na casa dele, no horário de 20h. Nós fomos cedo e depois desse horário já estávamos na porta da casa dele, que nos recebeu carinhosamente. Entramos e ele nos levou para a sala, onde foi feita a leitura.

Em meio a muita emoção, sentamo-nos ao lado dele. Inicialmente expliquei como havia estruturado o livro. Foi uma coisa tão interessante, porque ele leu a primeira carta, e lia em voz alta! Ele ficou até mais de meia-noite lendo em voz alta. Acredita uma coisa dessa? Eu falava com ele: “Chico, quer que eu leia um pouco?” – “Não, pode deixar, que eu estou indo bem” e tal, mas ele começou a ler... ele lia o texto dele, depois é que ele relatava esse momento da carta, explicando o porquê de ter escrito isso, o que tinha acontecido, sem ler o meu comentário! Em seguida, ao ler meu comentário, quando ia lendo, ele se admirava, e dizia: “Suely, é como se você soubesse qual era o assunto!” Porque o meu comentário ele espraiava mais, se expandia, foi quando, então, ele falou que o próprio Dr. Wantuil estava me inspirando. E ele foi lendo, foi lendo, foi lendo, em sequência, quando já era perto da meia-noite, eu falei assim: “Chico, deixa eu ler um pouco para você.” Mas ele fazia questão, só depois começou a saltear os capítulos, antes ele estava indo na sequência. Eu tenho até foto disso, entendeu? Se você quiser, a gente ... é uma fotozinha (imagem na abertura), muito simples em preto e branco, né?

Então, ele ali lendo e sempre falando: “Mas, é incrível como você conseguiu captar o que era o assunto!” Eu fiquei muito feliz com isso e, depois da meia-noite e tanto, ele aprovou. Falou: “Olha, não preciso nem ver o resto!” Não chegou a ver ... mais ou menos uns 30% ele não viu.

 

11. Quando lemos Testemunhos de Chico Xavier, nos parece que o Chico, em alguns momentos, demonstrava tristeza por causa do assédio negativo que, às vezes, as pessoas ofereciam. Essa leitura é correta? Ele sentia tristeza com essas pessoas, ele lamentava? Como era essa relação com essa pressão que faziam em cima dele?

 

Olha, na verdade, naquela época, ele falava um pouco sim, e a gente notava, vamos dizer, uma compreensão daquilo que estava acontecendo. Isso era próprio dele, aquela ideia que o assédio negativo, ou uma perseguição, ou uma calúnia, eram de pessoas que estavam doentes. Quem faz um uma calúnia, o caluniador, é uma pessoa doente, que precisa de prece, que ... ele nunca passou disso.

 

12. Mas isso o entristecia? Ele demonstrava tristeza por isso?

 

Eu notava uma certa tristeza, mas o convívio era rápido. Por mais que eu fosse várias vezes, eram poucos minutos porque, às vezes, tinha fila. Por isso que, no dia que ele foi ler, vamos dizer, os originais, ele pediu para ser na casa dele, porque ficava bem tranquilo, bem sossegado. Não é? Então, eu senti que ele queria ver como eu havia abordado. Eu levei para que ele pudesse tomar conhecimento da obra.

 

13. Na nossa pesquisa, estou tentando classificar se podemos dizer que o Chico Xavier era um místico, não no sentido do misticismo, daquela coisa que Kardec condena na sua obra, mas uma mística do coração, aquela coisa, por exemplo, que se tem em Teresa D'Ávila, São João da Cruz, Inácio de Loyola, Albert Schweitzer, que eram pessoas que são consideradas hoje grandes místicos por causa desse amor, dessa pureza do coração, de dedicação do próximo, etc. ... A senhora, do seu ponto de vista pessoal, acha que ele pode ser comparável a esses místicos? Ele seria um místico?

 

Não! Não acho não, porque, se colocar místico, muda o sentido da coisa, ele é um missionário. É diferente, não é? Místicos são esses outros, agora, se você colocar o Chico dentro dessa qualificação de místico, pode atrapalhar a imagem dele e da imensa e notável obra que realizou, porque ele não era um místico! Ele é um missionário. E a doutrina espírita, dentro da sua racionalidade... Que a doutrina é muito racional, não é?... Nós não temos isso de misticismo, assim. Agora as pessoas poderiam até, ao se aproximar dele, tendo essa noção que ele poderia ter uma coisa assim transcendental, diferente, né? Mas, na verdade, ele próprio e o meio espírita também não. Ele não é um místico, viu! A gente não qualificaria assim.

 

14. Quando a senhora conversou com ele a respeito do livro, ele relacionava as leituras que fazia?

 

Ele citou se gostava de um determinado autor que ele gostava de ler de uma forma particular?

Não, eu lembro, sempre, o tempo todo ele falando de Emmanuel7! Emmanuel fala isso, Emmanuel fala aquilo, ele deve ter falado... Mas estou lembrando que de Kardec ele falava muito. Ele citava Kardec, especialmente o Evangelho Segundo o Espiritismo (KARDEC, 2013) e O Livro dos Espíritos (KARDEC, 2008), mas especialmente o Evangelho Segundo o Espiritismo, as citações.

Estar com Chico Xavier era um aprendizado muito grande. Certa vez, eu participei de um trabalho muito belo que ele fazia. Consistia numa visita às pessoas mais necessitadas, à noite, e era chamado de peregrinação. Eu fui convidada para participar também, eram só umas quatro ou cinco pessoas com ele, e chamou uma outra senhora (que está ainda encarnada, ela deve ter hoje 90 e tantos anos, ela mora em Ipanema, no Rio de Janeiro). Ela era de um centro espírita de Ipanema, creio que é a Benildes. Então ele chamou, eu não a conhecia, e ele chamou a Benildes e deu o braço a nós duas. A gente ia caminhando, porque não havia propriamente uma estradinha, via-se um caminhozinho, entendeu? Ali no meio do mato, entrava ali. Fomos caminhando... tinha uma certa... a iluminação... não era totalmente escuro, né? E então nós fomos. Chegamos ao local, que não era muito longe. Chegamos ao local, uma casinha muito humilde. Chico vai, faz prece, conversa com a pessoa. Isso é muito lindo. Ele fez isso muitos anos, chamava de peregrinação. Eu tive a felicidade de ir e assistir a isso. Então ele fazia uma prece, é como que aplicava o passe, passava a mão na cabeça da pessoa, fazia um carinho assim nos ombros. Era um passe, né?! Então fazia prece e depois, antes de sair, colocava um trocadinho num cantinho, assim, sabe?... e colocava um dinheirinho também. Assim... eu nunca soube quanto, mas era alguma coisa que ele colocava ali, entendeu?

 

 

Notas

5 Antônio Wantuil de Freitas (1895 - 1974) foi um farmacêutico brasileiro. Foi presidente da Federação Espírita Brasileira de 1943 a 1970.

6 A entrevistada se refere à Eurípedes Humberto Higino dos Reis que se autointitula filho adotivo de Chico Xavier. (sua adoção não foi reconhecida pela 1ª vara de família de Uberaba. Disponível em: https://www.rotajuridica.com.br/euripedes-humberto-higino-dos-reis-nao-consegue-ser-reconhecido-como-filho-de-chico-xavier. Acesso em: 05 mar. 2021).

7 Emmanuel, segundo Chico Xavier, seria o nome do seu mentor espiritual, que o acompanharia desde 1931 orientando-o em sua missão. (SOUTO MAIOR, 2003, p. 43).

 

REFERÊNCIAS

EMMANUEL (Espírito). Há 2000 anos... Psicografado por Francisco Cândido Xavier. 29. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1996.

EMMANUEL (Espírito). Paulo e Estevão. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. 45. ed. Brasília: FEB, 2020.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução Guillon Ribeiro. 91 ed. Rio de Janeiro:

FEB, 2008.

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução Evandro Noleto Bezerra. 2 ed. Brasília: FEB, 2013.

SCHUBERT, Suely Caldas. O semeador de estrelas. Salvador: Livraria Espírita Alvorada, 1989.

SCHUBERT, Suely Caldas. Testemunho de Chico Xavier. 4. ed. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2010.

SCHUBERT, Suely Caldas. Obsessão/Desobsessão: Profilaxia e Terapêutica Espíritas. 13. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1999.

SCHUBERT, Suely Caldas. Divaldo Franco: uma vida com os Espíritos. Salvador: Leal, 2006a.

SCHUBERT, Suely Caldas. Transtornos Mentais: uma leitura Espírita. Belo Horizonte: Minas Editora, 2006b.

SCHUBERT, Suely Caldas. Os poderes da mente. 3. ed. São Paulo: EBM Editora, 2010.

SCHUBERT, Suely Caldas. Dimensões espirituais do Centro Espírita. 2. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2012.

SOUTO MAIOR, Marcel. As vidas de Chico Xavier. São Paulo: Planeta, 2003.

XAVIER, Francisco Cândido. Chico Xavier no Pinga Fogo. São Paulo: Edicel, 1984.

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