A cada ciência o seu objeto. O espiritismo
cuida da alma, vê pelo prisma da evolução do espírito. Tudo certo, mas sempre
em termos. Onde está dito na doutrina espírita que a resignação seja
passividade ante as injustiças e os desmandos de quem detém poder, seja
político, seja também econômico, aliás sempre mancomunados? O que devemos fazer
como bons espíritas? O que é caridade nesse caso? Kardec diz sobre o bom
espírita: “Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem
pelo bem, sem esperar paga alguma; retribui o mal com o bem, toma a defesa do
fraco contra o forte e sacrifica sempre seus interesses à justiça”.[i] Por que
será então que quando se critica o capitalismo, ou mais propriamente as formas
de sua sociabilidade usurária, alguém sempre lembra do tema resignação de modo
seletivo, aconselhado ao socialista, ao comunista, visto como revoltado sem
causa, invejoso inconsequente, ou, por outra, ao pobre, julgado em provas ou
expiações inamovíveis tão só? Leia-se isto: “Pode dar-se que um homem nasça em
posição penosa e difícil, precisamente para se ver obrigado a procurar meios de
vencer as dificuldades. O mérito consiste em sofrer, sem murmurar, as
consequências dos males que lhe não seja possível evitar, em perseverar na
luta, em se não desesperar, se não é bem-sucedido; nunca, porém, numa
negligência que seria mais preguiça do que virtude.”[ii] Sofrer sem murmurar,
mas não sem lutar; não é o conformismo que se aconselha. Ora; exatamente quais
efeitos de que males não nos seria possível evitar? Os resultados maléficos,
por exemplo, que mais amplamente considerados se conjugam na desigualdade das
condições sociais, ao contrário do que se propala, de modo nenhum vêm a
constituir uma lei da natureza, uma obra de Deus; segundo os guias kardecistas,
essa desigualdade exclusivamente se deve ao ser humano.[iii] De fato, somos,
pois, estimulados a lutar, a melhorar de vida e a própria vida, excluídas
extravagâncias ridículas do egoísmo, e não a nos conformar com miséria ou
pobreza, seja nossa, seja alheia, menos ainda frente aos desmandos que as
ocasionam e impedem que, exempli gratia, o trabalho honesto prevaleça; quem se
impõe em geral são as manipulações do capital especulativo, ao atingirem os
setores público e/ou privado, quebrando mesmo quem produz desde que isso
interesse a uns poucos, em detrimento das reais necessidades de bilhões de
seres, que restam desprezados ante nefandas maquinações numéricas, que a
mobilização consciente da maioria explorada, por sinal, reduziria a pó.