Pular para o conteúdo principal

POR QUE O ESPIRITISMO NÃO ESTÁ PARA A CIÊNCIA MAINSTREAM?









Para responder plenamente a esta questão, precisaríamos de muito mais de que um texto de blog. Fiz isso em parte na minha tese de doutorado, na USP, sobre Pedagogia Espírita (depois publicada como Pedagogia Espírita, um projeto brasileiro e suas raízes), mas como nem todos leram esse trabalho e como recentemente esse debate veio à tona por causa de um vídeo de três minutos de Pondé, onde ele faz uma rápida, superficial e descolada apreciação do espiritismo, resolvi escrever algo a respeito.

    O que primeiro deve ser dito é que a possível consistência filosófica e científica do espiritismo ficou embaçada pelo movimento religioso que se criou no Brasil, bastante afastado da racionalidade e do método de análise crítica que propunha Kardec, na abordagem dos fenômenos mediúnicos. É preciso um esforço de escavação do pensamento espírita original, de uma leitura bem feita dos que sucederam Kardec, com pesquisas sérias no final do século XIX e início do século XX e depois acompanharmos o que tem sido intermitentemente pesquisado a partir da segunda metade do século XX até nossos dias – para nos pronunciarmos a respeito da questão proposta.


    Não, Kardec não era um autor positivista à moda de Augusto Comte. Em nenhum sentido. O positivismo do século XIX era um cientificismo, que pretendia abarcar toda a realidade pela ciência, partindo aliás de pressupostos filosóficos materialistas. Demonstrei em minha tese que Kardec justamente faz a crítica desse discurso cientificista e reducionista e sua concepção de ciência se aproxima muito mais de teóricos contemporâneos como Thomas Kuhn, por exemplo. Isso porque ele reconhecia que não há ciência sem articulação filosófica, como vários filósofos da ciência apontariam no século XX. Ele também não é positivista, porque o positivismo queria a morte da filosofia, a morte da ideia de transcendência humana e Augusto Comte jamais fez uma pesquisa empírica. Ele era um teórico. Inventou uma narrativa cientificista e uma religião sem espiritualidade e sem Deus, de que ele era o supremo sacerdote. Uma figura excêntrica e considerada medíocre pelos pensadores contemporâneos. A tentativa, portanto, de classificar o espiritismo de positivista é uma simplificação ingênua ou de má fé, porque se trata de colocar Kardec nesse rol pretensiosamente pseudocientífico de que Comte é um dos representantes mais conhecidos.

    O que Kardec propôs, e realizou, foi uma nova abordagem metodológica para compreender fenômenos que sempre estiveram presentes na história da humanidade: percepções extra-sensoriais, comunicações de pessoas que já haviam morrido e lembranças de vidas passadas. Já na Grécia antiga temos diversas manifestações desse gênero, como as recordações que Pitágoras e Sócrates tinham de outras existências, como a ideia de reencarnação em Platão ou ainda histórias de visitas espirituais nos clássicos da literatura grega, como Ilíada e Odisseia. Isso apenas para citar os gregos, sem mencionar toda a história do pensamento humano, no Oriente e no Ocidente. Segundo uma minuciosa pesquisa feita pelo antropólogo de Sri Lanka Gananath Obeyesekere, Imagining Karma: Ethical Transformation in Amerindian, Buddhist, and Greek Rebirth, a mais universal das ideias a respeito da vida pós-morte é a reencarnação e ela aparece em todas as culturas dos cinco continentes, sem que tenha havido influências e trocas entre elas.

    A universalidade de uma ideia não atesta a sua verdade, mas pelo menos nos chama a atenção para uma análise respeitosa. A questão é que além dessa universalidade e antiguidade tanto da ideia da reencarnação, como da comunicação com os espíritos – ambas atestando a imortalidade da alma – desde o tempo de Kardec até hoje, há pesquisadores comprometidos com métodos rigorosos de análise dos dados, que vêm se debruçando sobre isso. E depois de Kardec, a maioria dos que pesquisaram não estavam ligados e às vezes nem tinham conhecimento do espiritismo, muito menos desse espiritismo religioso e acrítico que se estabeleceu no movimento brasileiro.

    No meu ponto de vista, a mais consistente pesquisa que vem confirmando a teoria da reencarnação, proposta por Kardec, é a de Ian Stevenson e de seus associados e sucessores. Mais de 2500 casos de recordações espontâneas de crianças a respeito de supostas vidas passadas, observadas com metodologia bastante rigorosa, incluindo os casos com marcas de nascença, não explicáveis pela hereditariedade, mas que correspondem exatamente à causa da morte da personalidade anterior, que a criança diz ter sido, cuja comprovação é encontrada no atestado de óbito e na autópsia da dita personalidade…

    Fenômenos de quase-morte, de poltergeist, de telepatia, de clarividência… tudo já foi objeto de pesquisas sérias com resultados de evidências bastante promissoras, que nos levam às mesmas conclusões que Kardec, no século XIX, que tinha suas limitações do momento histórico, para uma pesquisa com o rigor que podemos desenvolver hoje.

    Eu mesma participei, como médium analisada, de uma interessante pesquisa liderada por Julio Peres, doutor em Neurociências, pela USP, Alexander Moreira-Almeida, doutor em Medicina pela USP e por Andrew Newberg, doutor e pesquisador norte-americano especializado em neuroimagem, na Universidade de Pensilvania. (Ver artigo publicado a respeito).

    Por que mesmo então o espiritismo não está na ciência mainstream? Ora, porque essas evidências ferem paradigmas muito arraigados, então é preciso negá-las, afastá-las, fechar os olhos e ridicularizá-las. Elas ferem tanto o paradigma materialista reinante nas universidades, que é um paradigma puramente ideológico, como fere o fundamentalismo das religiões institucionais, que ficam apavoradas com o desvendar da vida pós-morte como algo natural, o que lhes tiraria completamente a função de mediadoras, que controlam o pedágio para o céu.

    A ideia da reencarnação implica numa moralidade que os materialistas não querem aceitar, no seu relativismo ético e implica numa emancipação do indivíduo como dono espiritual de si mesmo, que as religiões institucionais tampouco querem integrar em sua visão do Além.

    Além disso, sabemos hoje – Noam Chomski e outros denunciam isso de forma bastante convincente – o quanto a ciência atende a interesses econômicos, militaristas, de facções. Então nem sempre (ou raramente?) há isenção na chamada ciência mainstream. Foi essa aliás, uma das boas contribuições que Thomas Kuhn deu à filosofia da ciência, mostrando que os paradigmas de uma determinada comunidade científica não são compostos apenas de evidências, mas de visões de mundo, que são sociais, históricas, subjetivas…

    Os espíritas brasileiros, com seu discurso fechado, em sua maioria com uma visão estreita, também não contribuíram para o espiritismo sair do seu gueto e alcançar a universidade – mas esse é um fato que está sendo revertido, porque pesquisadores sérios como os citados acima e outros, que fazem parte de grupos de pesquisa no Brasil e lá fora, vieram do movimento espírita, mas se desfizeram das amarras meramente religiosas e estão se dedicando a abrir novas trilhas de abordagem metodológica de fenômenos, que evidenciam que sobrevivemos à morte e que o Espírito é imortal. Eles dão as mãos a outros pesquisadores, que não vieram da comunidade espírita, mas estão também comprometidos com essa descoberta do Espírito. A verdade não é espírita, budista, católica ou ateia: ela é apenas a verdade, objetiva, palpável e pode oferecer evidências, se quisermos vê-las.

Fonte: https://blogabpe.org/2017/10/21/por-que-o-espiritismo-nao-esta-na-ciencia-mainstream/

Comentários

  1. A ciência ortodoxa (MAINSTREAM)se afirma em evidências que se encontram razoavelmente aceitas pela racionalidade. A racionalidade por sua vez é fruto da percepção dos sentidos do corpo. Esses sentidos não passam de uma percepção cerceada das qualidades do Espírito encarnado ou encarcerado no corpo. Fenômenos ampliadores da consciência ocorrem todos os dias sem limitação de circunstâncias ou locais, mas enxergá-los exige o imperativo de "ter olhos para ver". A ortodoxia, apesar de necessária, é cega pelo despreparo dos pesquisadores que a compõem relativo à ampliação do vislumbre. Querer negar aquilo que é desconhecido não é Ortodoxia é IGNORÂNCIA, não é Ciência é FANATISMO. Enxergar é permitido a qualquer um, mas consegui-lo exige capacitações que a maioria dos pesquisadores AINDA não possuem. Não será s Ciência MAINSTREAM que vai descobrir as verdades espirituais, são tais verdades que vão descortinar os véus que mantém a ortodoxia na cegueira. Parabéns Dora. Roberto Caldas

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

“TUDO O QUE ACONTECER À TERRA, ACONTECERÁ AOS FILHOS DA TERRA.”

    Por Doris Gandres Esta afirmação faz parte da carta que o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1854! Se não soubéssemos de quem e de quando é essa declaração poder-se-ia dizer que foi escrita hoje, por alguém com bastante lucidez para perceber a interdependência entre tudo e todos. O modo como vimos agindo na nossa relação com a Natureza em geral há muitos séculos, não apenas usando seus recursos, mas abusando, depredando, destruindo mananciais diversos, tem gerado consequências danosas e desastrosas cada vez mais evidentes. Por exemplo, atualmente sabemos que 10 milhões de toneladas de plásticos diversos são jogadas nos oceanos todo ano! E isso sem considerar todas as outras tantas coisas, como redes de pescadores, latas, sapatos etc. e até móveis! Contudo, parece que uma boa parte de nós, sobretudo aqueles que priorizam seus interesses pessoais, não está se dando conta da gravidade do que está acontecendo...

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

"ANDA COM FÉ EU VOU..."

  “Andá com fé eu vou. Que a fé não costuma faiá” , diz o refrão da música do cantor Gilberto Gil. Narra a carta aos Hebreus que a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. Cremos que fé é a certeza da aquisição daquilo que se tem como finalidade.

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

   I Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

FUNDAMENTALISMO AFETA FESTAS JUNINAS

  Por Ana Cláudia Laurindo   O fundamentalismo religioso tenta reconfigurar no Brasil, um país elaborado a partir de projetos de intolerância que grassam em pequenos blocos, mas de maneira contínua, em cada situação cotidiana, e por isso mesmo, tais ações passam despercebidas. Eles estão multiplicando, por isso precisamos conhecer a maneira com estas interferências culturais estão atuando sobre as novas gerações.

JESUS TEM LADO... ONDE ESTOU?

   Por Jorge Luiz  A Ilusão do Apolitismo e a Inerência da Política Há certo pedantismo de indivíduos que se autodenominam apolíticos como se isso fosse possível. Melhor autoafirmarem-se apartidários, considerando a impossibilidade de se ser apolítico. A questão que leva a esse mal entendido é que parte das pessoas discordam da forma de se fazer política, principalmente pelo fato instrumentalizado da corrupção, que nada tem do abrangente significado de política. A política partidária é considerada quando o indivíduo é filiado a alguma agremiação religiosa, ou a ela se vincula ideologicamente. Quanto ao ser apolítico, pensa-se ser aquele indiferente ou alheio à política, esquecendo-se de que a própria negação da política faz o indivíduo ser político.

NÃO SÃO IGUAIS

  Por Orson P. Carrara Esse é um detalhe imprescindível da Ciência Espírita. Como acentuou Kardec no item VI da Introdução de O Livro dos Espíritos: “Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram”, sendo esse destacado no título um deles. Sim, porque esse detalhe influi diretamente na compreensão exata da imortalidade e comunicabilidade dos Espíritos. Aliás, vale dizer ainda que é no início do referido item que o Codificador também destaca: “(...) os próprios seres que se comunicam se designam a si mesmos pelo nome de Espíritos (...)”.

A HISTÓRIA DA ÁRVORE GENEROSA

                                                    Para os que acham a árvore masoquista Ontem, em nossa oficina de educação para a vida e para a morte, com o tema A Criança diante da Morte, com Franklin Santana Santos e eu, no Espaço Pampédia, houve uma discussão fecunda sobre um livro famoso e belo: A Árvore Generosa, de Shel Silverstein (Editora Cosac Naify). Bons livros infantis são assim: têm múltiplos alcances, significados, atingem de 8 a 80 anos, porque falam de coisas essenciais e profundas. Houve intensa discordância quanto à mensagem dessa história, sobre a qual já queria escrever há muito. Para situar o leitor que não leu (mas recomendo ler), repasso aqui a sinopse do livro: “’...